Artigo
publicado por especialistas brasileiros na renomada revista Science Advances
mostra que a aparente estabilidade da cobertura florestal nativa na Mata
Atlântica desde 2000 esconde uma forte e preocupante dinâmica de perda de
floresta natural madura, especialmente em algumas regiões do bioma, o que
impacta a sobrevivência de espécies e o fornecimento de serviços
ecossistêmicos, como a mitigação das mudanças climáticas.
O
grupo – liderado por Marcos Reis Rosa, doutorando na área de Geografia na USP e
coordenador técnico do MapBiomas – aponta que, desde 2005, o ganho de floresta
natural é superior ao desmatamento. Porém, o desmatamento de floresta madura,
mesmo em queda, ainda tem valores muito alarmantes.
“Foi
demonstrada a recuperação de florestas jovens, que são essenciais para aumentar
a cobertura florestal e criar corredores entre fragmentos isolados,
principalmente em Áreas de Preservação Permanente ao longo dos rios. Mas o
estudo também comprova o desmatamento contínuo das florestas nativas mais antigas,
com maior biodiversidade e carbono estocado, principalmente para ampliação da
agricultura e plantio de florestas exóticas. Apesar dessa dinâmica de perda e
ganho de florestas nativas ter mantido a quantidade de floresta praticamente
estável nos últimos 20 anos, esse rejuvenescimento das florestas pode ser
extremamente danoso para a conservação do bioma”, ressalta Rosa.
Ele
afirma ainda que, “na atual década da restauração de ecossistemas instituída
pela ONU, é necessário ampliar as ações de restauração da floresta nativa,
porém é imprescindível buscar o desmatamento zero e manter todos os
instrumentos e iniciativas de proteção dos remanescentes florestais
existentes”.
Para
o ecólogo Jean Paul Metzger, do departamento de Ecologia da USP e que também
colaborou com o artigo, “a estabilidade na cobertura de Mata Atlântica passa a
falsa impressão que o desmatamento está controlado”. “Infelizmente, não está. A
análise separada das taxas de desmatamento e de regeneração mostra que o
desmatamento no bioma ainda é significativo e afeta matas maduras, que são as
matas mais importantes para conservação da biodiversidade e para a regulação
climática e hídrica”, reforça o pesquisador.
Florestas
maduras são insubstituíveis para a conservação da biodiversidade tropical,
conclui o estudo – já que muitas espécies de animais, plantas e microrganismos
são incapazes de recolonizar florestas secundárias e dependem de habitats mais
antigos, menos alterados, estruturalmente mais desenvolvidos e biodiversos para
persistir.
O
artigo indica ainda que a dinâmica de ganho e perda de floresta nativa tem uma
forte relação regional. A perda de floresta nativa se concentra na região
centro-sul do Paraná e Santa Catarina, especialmente nas Matas de Araucárias, e
na divisa entre Minas Gerais e Bahia, principalmente na região das Matas Secas.
Já o ganho de floresta nativa é observado no interior do Paraná e de São Paulo,
no sul de Minas Gerais e do Espírito Santo, além da região Serrana do Rio de
Janeiro e litoral de Pernambuco e Paraíba.
O estudo
afirma que a suposta estabilidade na cobertura florestal nativa ocorre, pois
florestas maduras que continuam sendo desmatadas estão sendo substituídas por
florestas jovens, em recuperação. Foi notada praticamente a mesma quantidade de
floresta recuperada e de florestas maduras desmatadas.
Para
Marcia Hirota, diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, grande parte
desse desmatamento poderia ter sido evitado pela aplicação da Lei da Mata
Atlântica, aprovada em 2006. O bioma foi o primeiro no país a contar com uma
lei específica, que funciona como uma camada especial de proteção que precisa
ser respeitada para que ele continue vivo. “A lei é importante não só para a
floresta, mas também para a qualidade de vida da população, já que 72% dos brasileiros
vivem em áreas de Mata Atlântica e são beneficiados por ela, com serviços como
a regulação do clima, abastecimento de água e turismo”, afirma ela.
Hirota reforça a importância de criar novas Unidades de Conservação, como parques e reservas públicos ou privados, para preservar as florestas maduras. E cabe ainda aos municípios elaborar o Plano Municipal da Mata Atlântica (PMMA), com diretrizes e um plano de ação voltado para projetos de recuperação, pesquisa científica e uso sustentável em remanescentes da floresta atlântica. De acordo com a lei, o PMMA deve ser aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente antes de ser colocado em prática.
Perda de florestas mais antigas é ameaça à Mata Atlântica.
Retrocesso
De
acordo com o artigo, 11% da cobertura florestal de Mata Atlântica atual são
florestas jovens, com menos de 20 anos. Para os pesquisadores, o
rejuvenescimento da cobertura florestal nativa representa um retrocesso
crítico.
“Mensagem
fundamental desse artigo é que a manutenção da estabilidade da cobertura
florestal, ou até um ganho líquido de floresta, nos últimos anos, parece ser
uma notícia boa que deve ser comemorada, mas ainda sim mascara grandes riscos.
A recuperação da vegetação nativa deve se dar não apenas em quantidade, mas também
em qualidade. Trocar floresta madura por florestas jovens é um risco para a
biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas. A recuperação florestal tem
que acontecer, especialmente em biomas extremamente desmatados e fragmentados
como a Mata Atlântica. Recuperação florestal tem que vir atrelada à manutenção
das florestas maduras. Nem sempre a transição florestal, ganho líquido de
floresta, é um sinal de melhoria da qualidade ambiental”, afirma Renato
Crouzeilles, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade na
Austrália, que também assina o artigo.
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