Os relatórios do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês)
demonstraram que o clima do planeta está mudando e que a elevação da
concentração dos gases de efeito estufa é a principal causadora. Por exemplo, a
concentração de CO2 na atmosfera, que em 1960 era de 315 ppm, hoje
está acima de 412 ppm, além da velocidade de aumento dessa concentração estar
cada dia sendo acelerada.
A partir dos relatórios do
IPCC, começaram a ser desenvolvidos estudos relacionados às mudanças climáticas
em diversos locais do mundo e seus potenciais impactos na agricultura.
No Brasil, a Embrapa tem
trabalhado em alguns projetos de pesquisa envolvendo a questão do aquecimento
global e a adaptação de culturas às novas condições ambientais esperadas.
Com o passar dos anos, o
clima foi mudando e causando impactos, tanto positivos quanto negativos, na
produção de alimentos. Anderson Santi, pesquisador em mudanças do clima da
Embrapa Trigo, destaca os trabalhos realizados sobre emissão e sequestro de
gases de efeito estufa e quais os sistemas que melhor se adaptam à realidade
brasileira: “O sistema plantio direto trabalha toda a questão de solo e de
planta e, automaticamente, envolve o clima porque esse sistema absorve bastante
carbono, por meio de um dos principais gases de efeito estufa que é o CO2”,
diz.
Segundo Santi, se o sistema plantio direto for trabalhado de forma adequada, conforme as recomendações técnicas, quando é mantida cobertura vegetal, com palhada no sistema o ano todo, o agricultor estará retirando CO2 da atmosfera e, indiretamente, colocando-o no solo. “Essa cobertura orgânica, com plantas vivas e restos culturais, visa a proteger o solo contra o impacto direto da chuva e do vento, que causam erosão. Além disso, a cobertura do solo auxilia na regulação da temperatura, que fica menor, e pode favorecer as plantas e também contribuir para menor evaporação da água e assim manter o solo úmido por mais tempo. Ou seja, trabalhar corretamente o manejo, protegendo e favorecendo a reciclagem de nutrientes e não somente fazendo o uso de uma única cultura o ano todo, é uma alternativa viável e eficaz no combate dos impactos relacionados com extremos climáticos” afirma.
Impactos no trigo
A agricultura é uma atividade
dependente de fatores climáticos e a mudança no clima pode afetar a produção
agrícola de várias formas. Seja por alterar a frequência de eventos extremos,
relacionados com os regimes térmico e hídrico, ou pelo aumento dos problemas
causados por pragas e doenças, entre outros. O assunto é importante para toda a
sociedade, pois a agricultura brasileira é responsável por participação
relevante na economia nacional.
Alguns estudos trabalharam
com simulações de cenários, com um possível aumento das temperaturas. “Os
cereais de inverno poderiam, julgando por hoje, ter a sua área tradicional de
cultivo no sul do Brasil afetada, caso a temperatura fosse aumentar de 1° a 3ºC
nos próximos 100 anos”, afirma Santi.
As projeções para a região
norte do Rio Grande do Sul, por exemplo, indicam que a umidade na primavera
tende a aumentar e, com isso, a incidência de doenças fúngicas na cultura do
trigo seria mais frequente com maior potencial de danos, considerando a atual
base genética e a tecnologia de proteção de plantas disponíveis. “Aqui no Rio
Grande do Sul uma das principais doenças no trigo é a giberela, causada por um
fungo que ataca a espiga desse cereal, que se agravaria ainda mais com o
aumento projetado de chuva e de temperatura”, aponta o pesquisador Anderson
Santi.
Estudos avaliaram os impactos
da mudança do clima no trigo, mostram que, pelas características fisiológicas
desse cereal, o aumento das temperaturas e, em consequência, o aumento do CO2
na atmosfera, poderia também trazer efeitos benéficos na produção em termos de
qualidade de grão. Em contrapartida, com o aumento do calor, o desenvolvimento
da planta poderia ser comprometido, pela falta de frio que é necessário para a
cultura do trigo, o que poderia implicar, potencialmente, em menor
produtividade.
Dados observados no
laboratório de meteorologia da Embrapa Trigo registram que nos últimos 100 anos
houve um aumento de 4 mm de chuva por ano. “Em Passo Fundo, RS, a temperatura
média aumentou quase 1ºC nos últimos anos. Esse é um indicador de que o clima
do sul do Brasil está em mudança, a exemplo do que tem sido diagnosticado em
outros locais do mundo”, relata Santi.
A partir da comprovação
científica do aumento gradativo das temperaturas nos anos 2000, a Embrapa passou
a contratar pesquisadores para atuar em mudanças climáticas. Foi executado um
projeto abrangendo todo o País simulando alterações no clima que poderiam
ocorrer no futuro. “Com certeza teremos alguns problemas relacionados ao
aumento de temperatura, principalmente na questão de déficit hídrico nas
regiões Centro-Oeste e Nordeste. Nesses estudos buscamos encontrar soluções
como a adaptação das culturas para suportar esses extremos que poderão ocorrer
ainda antes do final desse século”, finaliza Anderson Santi.
Gilberto Cunha,
agrometeorologista da Embrapa Trigo, reforça que a mudança do clima global não
necessariamente traz só inconvenientes para a agricultura brasileira. “Em
muitos aspectos, essa mudança, se usada com inteligência estratégica, pode
trazer benefícios. Como exemplo bem conhecido, a inovação e a criação de novos
negócios, como foi o caso da indústria de biocombustíveis, que se estabeleceu
no rastro da onda da economia verde associada à mudança do clima”, afirma.
O pesquisador também faz
menção ao selo de sustentabilidade que a agricultura brasileira pode alcançar
com a adoção predominante do sistema plantio direto. “Nas nossas áreas que
estão em cultivo, da nossa produção pecuária ser baseada em pastejo direto
pelos animais e da possiblidade de intensificação do uso da terra, sem a
necessidade de abertura de novas fronteiras agrícolas em áreas intocadas, a
partir da integração de sistemas de produção, a exemplo da Integração entre
Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). Além das inúmeras possibilidades abertas
pela nova bioeconomia, em que os nossos recursos naturais, pela diversidade de
espécies, podem nos conferir um diferencial competitivo relevante”, diz.
Outro aspecto destacado por
Cunha é que, efetivamente, está chovendo mais no sul do Brasil. “Isso,
especialmente para os cultivos de verão, no caso da soja, tem sido benéfico,
inclusive para a incorporação de novas áreas cultivadas com essa oleaginosa na
metade sul do Rio Grande do Sul, onde, historicamente, chovia menos”, conclui.
Grande desafio para instituições que lidam com ciência, tecnologia e inovação para agricultura, diz Cunha, “é criar a capacidade de adaptação das plantas cultivadas, seja pela via da mudança genética, com biologia avançada ou por novas práticas de manejo que confiram maior resiliência aos nossos sistemas agrícolas para lidar com um clima em evolução permanente. O caminho é a ciência!”.
Embrapa Trigo (ecodebate)



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