Apesar da regularização das
chuvas, biólogos indicam que é preciso agir agora e evitar nova destruição do
bioma na estação de seca.
O Conselho Regional de
Biologia da 1ª. Região (CRBio-01), cuja jurisdição engloba os estados de São
Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, apela para que as autoridades tomem
medidas e a sociedade se mobilize para evitar uma nova onda de incêndios
generalizados no Pantanal durante a próxima estação de seca, nos meses de maio
a outubro.
No ano passado, mais de 22
mil focos de incêndio consumiram pelo menos 30% da vegetação nativa do bioma. A
tragédia aconteceu devido à combinação da seca prolongada – um fenômeno natural
agravado pelo aquecimento global e desmatamento – com a ação humana, por vezes
criminosa, e o desleixo do poder público.
“Mesmo com toda a destruição no ano passado, com toda a comoção nacional, nada foi feito. Os governos ainda não colocaram em prática as medidas preventivas que tanto discutimos. A hora de agir é agora”, ressalta o Biólogo José Milton Longo, responsável pela delegacia do CRBio-01 em Campo Grande/MS.
Condições climáticas
O Pantanal é uma planície que
se estende por três países: Brasil (com 62% da área), Bolívia (20%) e Paraguai
(18%). No Brasil, a porção norte do Pantanal está no estado de Mato Grosso e a
porção centro sul no estado de Mato Grosso do Sul.
A alma do Pantanal é o Rio
Paraguai, cujas cabeceiras estão em Mato Grosso. A região é marcada por
estações bem definidas de chuva e seca. Na atual estação de chuvas, as
precipitações, principalmente nas cabeceiras do Paraguai, elevam o nível do
rio, que transborda e gradativamente alaga primeiro a porção norte do Pantanal,
depois a parte central e sul.
As lagoas (ou baias) do
Pantanal são berçários de peixes, que atraem aves e toda uma extensa cadeia de
predadores. A exuberância da fauna e flora na cheia atrai turista, principalmente
para a sub-região de Poconé/MT e ao longo da Estrada Transpantaneira e da
Estrada Parque, na região de Miranda e Corumbá/MS.
Com o fim das chuvas, as
lagoas secam gradativamente e dão lugar ao campo limpo (área predominante de
capim), campo sujo (com alguns arbustos e poucas árvores) e campo de murundum
(com ilhas de árvores e arbustos) na estação de seca, que perdura
aproximadamente de maio a outubro. Os incêndios costumam acontecer
principalmente no fim do período de seca, com risco agravado pela substituição
do capim nativo da região pelo capim africano, mais volumoso, promovida pelos
pecuaristas.
O Biólogo Ibraim Fantin da
Cruz, professor doutor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e
especialista na bacia hidrográfica do Rio Paraguai, explica que a intensidade
da seca sazonal tem relação direta com o volume de chuvas durante o ano. O
melhor balizador para a situação climática do Pantanal é o nível do Rio
Paraguai, cuja medição é feita desde o início do século 20 pela Régua de
Ladário, na base fluvial da Marinha em Corumbá/MS.
De acordo com o portal da
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), pela Régua de Ladário, o
nível do Rio Paraguai estava em 1,48 metros em 24/2/21, muito próximo do nível
de 1,5 metros em 24/2/20. A situação atual seria, por esse parâmetro, igual à
do ano passado.
No entanto, Ibraim Fantin
esclarece que a seca no Pantanal em 2020, a maior em cerca de 50 anos, foi
resultado do baixíssimo volume pluviométrico na região em 2019 e 2020. Mas, a
partir da segunda quinzena de dezembro de 2020, voltou a chover dentro do
padrão histórico e assim foi também em janeiro e fevereiro de 2021.
Quanto ao futuro, os modelos
climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Ministério
da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, preveem que o volume
pluviométrico no Pantanal continuará próximo ao padrão histórico até agosto,
segundo Ibraim Fantin. Ou seja, a previsão é de que o nível do Rio Paraguai
subirá gradativamente nos próximos meses e recuperará parte das perdas nos
últimos dois anos.
“Tivemos um atraso, mas a cheia já começou no norte do Pantanal, uma vez que os níveis dos principais rios, como o próprio rio Paraguai na altura de Cáceres e o rio Cuiabá, em Cuiabá, já estão dentro do normal para o período. Vamos ter uma cheia modesta em todo Pantanal nessa estação de chuvas, mas a cheia vai acontecer”, prevê Ibraim Fantin. “Na estação de seca, o Rio Paraguai deve ficar dentro do padrão normal, mas abaixo da média histórica. A expectativa é de uma situação melhor do que a de 2020. Uma situação de alerta, mas não crítica como a do ano passado”.
Medidas preventivas
Quanto à situação climática,
só é possível torcer para que as previsões do INPE se concretizem. Ainda que o
regime pluviométrico se mantenha nos níveis históricos durante o ano, a
situação na estação de seca será de alerta.
O Biólogo Luiz Antonio
Solino, professor da Universidade de Várzea Grande (Univag), de Mato Grosso,
conselheiro da ONG Fundação Ecotrópica e representante do CRBio-01 no Fórum
Mato-Grossense de Mudanças Climáticas, reafirma a importância de o poder
público colocar em prática iniciativas de prevenção amplamente discutidas
durante a crise, mas aparentemente deixadas de lado.
A primeira recomendação dos
especialistas é a criação de brigadas de incêndio locais do Centro Nacional de
Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo) do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Solino defende
que, na época da seca, as brigadas fiquem sediadas em municípios e pousadas –
em geral, o fluxo de turistas acontece apenas na cheia – próximos aos focos de
incêndio.
A capilarização das brigadas
permitiria o rápido deslocamento das equipes para o combate aos incêndios.
Solino explica que a logística de deslocamento no Pantanal é complexa e que uma
equipe do PrevFogo pode demorar até dois dias para chegar, por exemplo, de
Corumbá até um foco de incêndio.
Os brigadistas do PrevFogo,
em geral, são civis contratados temporariamente pelo Ibama. Solino sugere que
os contratados sejam moradores da região.
Outra medida de prevenção
fundamental é o aumento da fiscalização. Grande parte dos incêndios no ano
passado foi criminosa. Os proprietários de terras no Pantanal podem realizar
queimas controladas, desde que autorizados pelo poder público e com as devidas
precauções para contenção do fogo. Em 2020, e em menor escala nos anos
anteriores, houve muitas queimadas não autorizadas que fugiram do controle e
tornaram-se incêndios de grandes proporções, o que se enquadra como cometimento
de crime ambiental.
“Até agora, os inquéritos abertos pela Polícia Federal não chegaram aos responsáveis pelos incêndios no ano passado”, ressalta Solino. “O mais preocupante é o atual desaparelhamento dos órgãos de fiscalização, responsáveis pelas autuações aos infratores, como as secretarias de meio ambiente, que têm contingentes pequenos e concentrados nas capitais”.
Para que a tragédia não se repita este ano, os governos federal, estaduais e municipais precisam investir em contratação de recursos humanos para as brigadas e órgãos de fiscalização, treinamento das equipes, criação de infraestrutura local e compra de materiais, como equipamentos de proteção individual, além do aluguel de helicópteros para deslocamento e aviões com capacidade para despejar água sobre as áreas em chamas.
Sobre as queimas controladas,
Solino esclarece que a prática é legal e é tradicionalmente praticada pelos
proprietários rurais para a limpeza do pasto. Realizar queimas controladas em
pequena escala no início da estação de seca pode ser, inclusive, uma boa
estratégia para diminuir a quantidade de capim potencialmente combustível no
período mais agudo da seca.
No entanto, Solino adverte
que as queimas controladas só podem ser realizadas com autorização do poder
público e sob condições estritas de segurança, supervisionadas e
operacionalizadas por brigadistas do PrevFogo. A área da queimada deve ser
cercada por um buraco que impeça a progressão do fogo para outras localidades.
No caso de mudança do vento ou de outra circunstância de risco, os brigadistas
apagam o fogo. No entorno da área, não pode haver outras queimadas, de maneira
que haja uma rota de escape para os animais.
Solino enfatiza também a
necessidade do estabelecimento de um sistema mais ágil de monitoramento dos
focos de incêndio, que se somaria à atual vigilância por imagens de satélite.
Ele propõe a construção de torres de observação, de onde fiscais possam
visualizar rapidamente sinais de fumaça. As torres permitem boa visibilidade na
planície do Pantanal.
O projeto de torres de
observação foi discutido pelas autoridades locais e tem como principal entrave
a necessidade de autorizações de proprietários rurais para as construções em
terras privadas. Solino defende, então, que os governos instalem as torres em
áreas públicas, como reservas, parques e ao longo de estradas.
Para além das medidas
imediatas de prevenção, os Biólogos especialistas apontam que a preservação do
Pantanal passa pela educação ambiental de proprietários rurais, populações
locais e da sociedade como um todo.
José Milton Longo, responsável pela delegacia do CRBio-01 em Campo Grande, lamenta a ausência do trabalho efetivo de educação ambiental nas escolas e de programas dirigidos a pecuaristas e populações que habitam o Pantanal.
“Precisamos de muita educação, sobretudo educação ambiental, que hoje é pontual. Os produtores precisam entender que há alternativas para a limpeza dos pastos sem a utilização do fogo”, defende Longo. “A conscientização, e urgente, é o único caminho para evitarmos o réquiem do Pantanal”. (ecodebate)
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