Nos últimos anos nota-se a
difusão da tese de que o Estado de Mato Grosso possui ainda percentual
significativo de área preservada com cobertura vegetal original, chegando até
divulgar em locais públicos o percentual de 62% de área preservada,
contradizendo os índices o estoque de passivo ambiental existente, bem como, os
crescentes índices de desmatamentos divulgados por diversos órgãos de pesquisa
ambiental.
Este artigo não tem a pretensão
de cravar o percentual exato de área preservada, pois precisaria de mais
pesquisa, mas, se essas peças publicitárias oficiais se aproximariam, de fato,
da realidade.
Antes da discussão sobre os
índices de área preservada e desmatada é importante conceituar os termos
“preservação” e “conservação”, como também, é fundamental distinguir as
diferentes formas de uso do solo e o que é obrigatoriedade legal daquilo que é
ação governamental espontânea para estimular a preservação de áreas.
Mesmo na legislação
brasileira, os termos “Conservação” e “Preservação” são usados de maneira
variada, apesar de se ter a noção das diferenças de significados. Conservação,
pelas leis brasileiras, significa proteção dos recursos naturais, com a
utilização racional, garantindo a sua sustentabilidade e existência para as
gerações futuras.
Já Preservação visa a integridade e a perenidade de algo. O Termo se refere a proteção integral, a “intocabilidade”. A preservação se faz necessária quando há risco de perda de biodiversidade, seja de uma espécie, um ecossistema ou de um bioma como um todo.
Segundo dados extraídos da última atualização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um sistema baseado em declarações dos produtores rurais declaratório, e comparadas com imagens de satélite, o Estado de Mato Grosso, com território de 90,3 milhões de hectares, possuindo nesse imenso território grande diversidade de biomas e do uso da terra, com aproximadamente 32% do território estadual que são destinados à atividades agrícolas, com lavouras ocupando 10,39% (9,3 milhões de hectares) e a pecuária ocupando 21,5% (19,4 milhões de hectares). Excluindo esses 32 % de uso da terra pela agropecuária, teríamos então um saldo de 68% de área preservada, mas, ainda é preciso incluir outras formas de uso.
É preciso adicionar áreas com
outras formas de uso que não seja a agropecuária, como os planos de manejo
florestal, com atualmente 3,8 milhões de hectares sendo utilizados através de
respectivos projetos licenciados, e com projeções de crescimento nos próximos
anos. Para fins de esclarecimento técnico, a área de manejo florestal não
significa, de forma alguma, que são áreas preservadas integralmente, mas,
apresentam diversos impactos ambientais devido ao corte seletivo de algumas
espécies florestais com madeira de interesse comercial, deixando cicatrizes
irreversíveis na floresta e na biodiversidade. Adicionando esta área explorada
por manejo florestal, o estado de mato grosso teria aproximadamente 32,5
milhões de hectares utilizados por diversas atividades econômicas, ou 36%, com
saldo líquido explorado para usos antrópicos diversos, consolidando saldo de
aproximadamente 64% de área supostamente preservada.
Associado a esta área
utilizada economicamente, há áreas de unidades de conservação e terras
indígenas, com 2,5% (2,2 milhões) e 16,6% (14,98 milhões) respectivamente, são
17,1 milhões de hectares (ou 19%) que legalmente apresentam restrições de uso
da terra em escala comercial. Todavia, tanto unidades de conservação como
terras indígenas sofrem pressão nos seus territórios para exploração econômica,
sobretudo para usos pela agropecuária.
Além dessas pressões
econômicas são muitas as denúncias de exploração ilegal de madeira nestas áreas
que deveriam ser consideradas preservadas ou de uso sustentável, mas, porção
significativa delas não o são. Além disso, ocorre também que em muitas destas
unidades de conservação não há proteção integral devido a sua classificação de
categoria, e em algumas, pela não indenização de proprietários rurais são parcialmente
descaracterizadas por atividade antrópica desde antes da criação oficial das
unidades de conservação.
Vale destacar também que, em algumas áreas indígenas ocorre plantio agrícola como na região da chapada dos parecis, com milhares de hectares sendo utilizadas por monoculturas agrícolas, assim como em outras terras indígenas ocorre plantio de subsistência, como estratégia do uso da terra de forma coletiva e não comercial.
Portanto, terras indígenas e unidades de conservação não podem ser consideradas como 100% preservadas, estas áreas estão em permanente ameaça de integridade dos seus territórios, com diversas formas de uso da terra, tanto comercial como de subsistência, e é preciso considerar esses usos no computo geral de uso da terra no Estado, considerando também a intensificação do processo de degradação ambiental, através de queimadas e incêndios florestais de unidades de conservação, além da ocupação por propriedades rurais em unidades de conservação com litígio fundiário, retirada de madeira de área indígena, etc.
O impacto nestas áreas é, sem
dúvida, significativo, e é preciso contabilizar isso e fazer mapeamento desses
fragmentos florestais subtraídos por esses processos. Há que considerar
levantamento divulgado pelo Mapbiomas, de que o Estado de Mato Grosso foi o
Estado que mais queimou no país entre os anos de 1985 e 2022.
O Estudo aponta que o Estado
teve 43,2 milhões de hectares destruídos pelo fogo no período, o que representa
47,8% do território mato-grossense. Esta área representa queimar uma área de
floresta maior que a Alemanha entre 1985 e 2022, e obviamente, parte desta área
afetada atingiu porções de território de unidades de conservação e áreas
indígenas.
Ressaltamos que tecnicamente
uma vez determinada área submetida a queimadas e incêndios florestais
sucessivos jamais voltaria ao seu estado original, da situação de cobertura
vegetal original ou preservada, mas, de vegetação secundária.
Nesse contexto de queimadas descontroladas no Estado de Mato Grosso, destaco o preocupante ano de 2021, quando o Pantanal Mato-grossense teve 1.945.150 hectares (12,6% do bioma) consumidos pelas chamas, um valor 49,7% menor comparado a totalidade de área queimada do ano de 2020, que teve o total de 3.909.075 hectares (26% do bioma) queimados, totalizando mais de 5,8 milhões de hectares destruídos pelo fogo, atingindo inclusive unidades de conservação e área indígena inseridos no bioma. Ressalto que 5,8 milhões de hectares significam 6,5% do território mato-grossense.
Então, se formos considerar apenas áreas atingidas por queimadas no pantanal, reduziria o percentual da área total preservada no Estado para o patamar de 57,5 %, sem considerar ainda outras áreas nos biomas cerrado e da floresta amazônica do Estado de Mato Grosso que também foram afetadas por queimadas e desmatamento ilegal, garimpo ilegal, ampliação da fronteira agrícola, sobretudo, na Amazônia mato-grossense, atingindo inclusive áreas de reserva legal e de preservação permanentes subtraídas nestas últimas décadas, o que reduziria ainda mais o percentual de área total preservada no Estado.
Portanto, nesse breve artigo
sobre contabilidade ambiental da área utilizada e preservada no estado de Mato
Grosso consideramos que é preciso ter mais pesquisa atualizada para se chegar
no percentual mais preciso possível, todavia, pelos dados aqui apresentados,
levantados de diversas instituições sérias deste país que atuam há muitos anos
na área ambiental, de que não se pode afirmar que o Estado de Mato Grosso
“preserva mais de 60% de seu território”, como diversas propagandas insistem em
divulgar, considerando o conceito técnico de preservação aqui abordado, de
intocabilidade e proteção integral dos recursos naturais.
Esperamos que, a partir deste
artigo, possamos desmistificar sobre os dados verdadeiros de área preservada no
Estado, e possamos contribuir na discussão sobre a necessidade de ampliar o
percentual de área preservada em relação a área utilizada no Estado de Mato
Grosso, e mais do que isso, possamos refletir sobre a necessidade do Estado
implementar políticas públicas para “preservação” e “conservação” dos seus
recursos naturais, promovendo ações concretas para reduzir o passivo ambiental
e incentivar tecnologias para uso sustentável dos nossos preciosos ativos
ambientais e da nossa biodiversidade cada vez mais ameaçados.
Se queremos sonhar em ter os mais de 60% de área preservada, e afirmar que o modelo de desenvolvimento e de produção é sustentável, como diz a propaganda, então é preciso investir mais na proteção das nossas florestas, dos nossos rios, da nossa fauna, no fortalecimento da gestão ambiental, na proteção das nossas unidades de conservação e das áreas indígenas.
O que se conclui é que estamos muito abaixo destes 60% de área preservada no Estado de Mato Grosso, os dados aqui apresentados demonstram isso, mesmo com a propaganda insistindo em dizer o contrário. (ecodebate)
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