A reconstrução das cidades gaúchas e a adaptação dos territórios urbanos à crise climática exigem uma mudança de paradigma, com estratégias de mitigação de impactos climáticos em confluência com a preservação dos recursos naturais e modelos baseados em soluções da natureza.
A avaliação é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
O coordenador de Justiça
Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos, reforça que é preciso se
adaptar a essa realidade de ocorrência de eventos climáticos extremos. “Não
adianta a gente simplesmente reconstruir as coisas do mesmo jeito, a gente já
entendeu que as estruturas vão ser impactadas, onde chega o nível do rio”, diz.
Ele defende um processo participativo de reconstrução das cidades afetadas
pelas enchentes no Sul do país, junto à população dos territórios mais
impactados e a pesquisadores.
Além disso, Travassos avalia
que a prevenção e a resposta a esses eventos têm que ser política prioritária
em todas as esferas de governo. “Porque se adaptar a essa realidade é garantir,
sobretudo, o direito constitucional à vida das pessoas. Tem pessoas morrendo
diante de eventos climáticos extremos, a gente precisa garantir políticas
públicas que assegurem o direito à vida dessas pessoas”, diz.
Entre as ações, estão o
incentivo à cultura de prevenção e planos de adaptação às mudanças climáticas e
de gestão de risco e desastre. No entanto, ele enfatiza que os planos precisam
sair do papel.
“O que a gente precisa é que
exista a vontade política e o orçamento público destinado para a efetivação
desse plano. Antes de tudo, é colocar como prioridade. Prevenção e adaptação às
mudanças climáticas e resposta a eventos climáticos extremos têm que ser
política prioritária, tanto em orçamento, como prioridade de ações e medidas do
poder público, seja ele municipal, estadual ou federal”, destaca o coordenador
do Greenpeace Brasil.
“A gente vem num contexto,
nas últimas décadas, de intensificação desses eventos climáticos extremos. No
ano passado, por exemplo, no Rio Grande do Sul, as comportas do Guaíba foram
acionadas mais de uma vez, a gente lidou com eventos de grande proporção que
ocasionaram mortes. Já tinha sinais de que precisava de um investimento pesado
e de que isso fosse colocado como prioridade”, aponta.
Com base nos dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano, o Greenpeace Brasil identificou que somente R$ 7,6 milhões da LOA do Rio Grande do Sul, de um total de mais de R$ 80 bilhões foram destinados para ações da Defesa Civil. O montante equivale a apenas 0,009% da receita total do estado, o que é “escandaloso”, na avaliação de Travassos. Considerando apenas as ações da Defesa Civil relacionadas à prevenção, resposta, emergência e reconstrução, o valor é ainda menor, cerca de R$ 5 milhões.
Ações locais
Apesar da necessidade de um
plano nacional de adaptação às mudanças climáticas, o especialista ressalta que
é “importante entender que adaptação não é receita de bolo” e que cada
território vai lidar de uma forma diferente com a questão. Isso porque cada
região tem diferenças geológicas, hidrológicas e sociais. Ele aponta a
necessidade de análise e mapeamento de risco dos territórios para que, a partir
daí, seja feita uma adaptação.
Em relação à cultura de
prevenção, ele ressalta que deve haver um planejamento de evacuação, as pessoas
precisam saber em que local se abrigar e o que fazer com animais de estimação,
por exemplo, diante de tais eventos. “Não adianta a gente instalar sirene se a
gente não souber o que fazer quando ela disparar”. Sobre estruturas nas cidades,
ele cita obras de contenção de encostas onde há risco de deslizamento e
soluções baseadas na natureza.
“Por muito tempo, a gente fez uma cultura de impermeabilizar tudo, de uma estrutura cinza na cidade. A gente precisa urgentemente criar outras formas de escoamento e de absorção da água pelo solo. Inclusive, a própria restauração das áreas degradadas é também para isso, para estimular que o solo e a natureza cumpram seu papel de absorção da água”, diz.
Com foco no RS, governo prepara pacote bilionário de obras de drenagem
Estratégias de drenagem
O professor da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Pellegrino lembra que o
modelo atual de drenagem nas cidades tende a se livrar das águas. “Tem uma
sequência de superfícies impermeáveis que vai levando a água cada vez mais
rapidamente, em maior volume, ladeira abaixo. Quer dizer, rumo ao rio, rumo aos
principais canais, às planícies de alagamento, nos pontos onde as águas se
acumulam lá embaixo”, explica. No contexto da crise climática, ele avalia que
tais modelos têm que ser revistos.
“Se nós continuarmos usando
as mesmas ideias antigas de condução das águas, de tentar conter as águas e
fazer estruturas de cimento, concreto e alvenaria para se proteger das águas,
vai ser uma perda de tempo. Vai ser muito dinheiro jogado fora se tentarmos
reconstruir a mesma infraestrutura que estava antes lá”, diz o professor sobre
a reconstrução no Sul.
Para o urbanista, as cidades
precisam abrir espaços para as águas. “Nós estamos presenciando fenômenos
extremos, de muita água caindo em pouco tempo, em uma frequência muito maior do
que era previsto. Quando chega a esse ponto, você vai ter que forçosamente
mudar o seu paradigma”, diz. Para mitigação dos impactos de chuvas intensas,
são necessárias estratégias para reter a água e reduzir a velocidade desse
fluxo, evitando que seja direcionada uma grande quantidade de água para um
mesmo lugar.
Cidades-esponja ajudam a
combater enchentes.
Esse modelo de cidade visa
encontrar caminhos para melhor canalizar a água por meio da construção de
parques alagáveis, praças-piscinas dentre outros mais.
Pellegrino cita exemplos de
outros países, como cidades na China que estão tornando seus solos mais
permeáveis, numa solução que ficou conhecida como cidades-esponja. “São grandes
espaços que estão sendo abertos, para que recebam e absorvam as águas”.
Ele
acrescenta que a cidade de Bangkok, capital da Tailândia, também está sofrendo
muito com o aumento do nível das águas. Diante dessa realidade, em espaços que
eram totalmente impermeáveis, estão sendo criados grandes parques alagáveis,
relata o professor.
Além de garantirem espaços
permeáveis para as águas, as superfícies de água, as áreas úmidas e com
vegetação podem ser utilizadas para lazer quando as águas baixam. Elas se
configuram ainda como ilhas de frescor na paisagem urbana, um sistema de
condicionamento climático. “O sistema tradicional que eliminava a água, que
enterrava em galerias subterrâneas e canalizava córregos em concreto, aumenta a
temperatura, deixando a cidade mais suscetível a ondas de calor”, diz.
(ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário