Sem inteligência social e com
a infraestrutura natural destroçada, temos pela frente um longo caminho para
adquirirmos condições de enfrentar a emergência climática e ambiental que
estamos atravessando
O município de Ribeirão
Preto, localizado na região Nordeste do Estado de São Paulo, com uma população
de mais de 600 mil habitantes, é abastecido totalmente pelas águas subterrâneas
do Aquífero Guarani. Porém, essa região outrora chamada de a “Califórnia
Brasileira” devido, principalmente, pela sua pujança no agronegócio também
apresenta seus crônicos problemas relativos a água.
Será que os questionamentos
feitos há quase duas décadas atrás continuam atuais? O gerenciamento desse
reservatório subterrâneo melhorou ou piorou?
“Nos últimos dias de hoje,
muito tem se falado de que as águas superficiais seriam a saída para suprir o
déficit do abastecimento populacional por causa do comprometimento das águas
subterrâneas, seja pela elevada retirada provocando rebaixamento dos níveis
d’água ou pela sua qualidade colocada em xeque, como consequência das possíveis
fontes de contaminação. É aí que começa a aparecer, como uma tábua de salvação
para alguns grupos, o decantado Rio Pardo.
As águas do Rio Pardo, de
qualidade duvidosa, não são a solução como alguns lobbies preconizam,
principalmente em época de crise ou de falta de água para o abastecimento
público. Muito embora despoluir e preservar nossos rios deva ser também nossa
preocupação constante, Ribeirão Preto já se abastece das águas subterrâneas do
Aquífero Guarani há várias décadas. Este sistema sim, que faz parte do
metabolismo urbano de Ribeirão Preto, é que deve ser mais bem compreendido e,
consequentemente, gerenciado.
Como de certa forma esse gerenciamento já vem sendo feito, para que suas ações sejam levadas a um bom termo necessariamente devem passar pelo incentivo de alguns pontos cruciais: uma política de manejo, incluindo a recuperação de poços abandonados e adaptação de poços para observação do nível d’água; a otimização do tempo de bombeamento dos poços profundos; um plano de preservação para águas captadas do Aquífero Guarani; a diminuição das perdas na rede de distribuição e uma estratégia de implantação de hidrômetros, com bônus para os usuários do sistema que não ultrapassem um limite máximo necessário”.
Consumo consciente da água é base para um futuro sustentável
E com relação aos diferentes
atores que atuam na gestão do aquífero, em que cenário trabalham hoje? É muito
diferente de quase vinte anos atrás?
“Mas, nos dias de hoje, não é
preciso ser um Kafka para que se tenha conflito interior diante do cenário
complexo e muitas vezes nebuloso, quando se trata da proteção e da utilização
sustentável das águas subterrâneas desse reservatório. Os prognósticos
relacionados ao rebaixamento dos níveis destas águas pelo excesso de retirada
por meio dos poços e aos riscos devido à fragilidade das rochas, frente às
cargas de contaminantes potenciais existem há algum tempo. São trabalhos
técnicos que necessitam de uma ação política, mas que na maioria dos casos
terminam ”esquecidos’’ nos escaninhos da burocracia. Nestes casos, pode até
acontecer que alguns documentos técnicos, produzidos por instituições de
pesquisa e mesmo pelas universidades, acabem “engavetados” por causa dos
conteúdos existentes.
Isso tudo é um prato cheio
para que ONGs chapa-branca e consultoras de plantão atuem com certa
desenvoltura nas lacunas dos espaços institucionais, sempre correndo atrás do
lucro fácil e imediatista. Assim, o absurdo ou a loucura que parece ser
inicialmente de um universo particular Kafkaniano (termo baseado no escritor
tcheco Franz Kafka (1883-1924) classificando uma situação desesperadora,
claustrofóbica e traumática, a qual não se visualiza uma possível solução ao
final), começa a ganhar força e determinadas ações específicas no sentido da
gestão pública do recurso hídrico começam a perder posições importantes. Para
um cidadão comum talvez fique difícil entender os diversos atores que atuam
neste ambiente cada vez mais difuso, com princípios éticos nitidamente
indefinidos nas relações pessoais do dia a dia”.
As áreas dos territórios
municipais que foram arrasadas totalmente, muitas delas situadas em área de
transbordamento natural dos rios da bacia hidrográfica onde estão assentadas e
ocupadas, devem ser vistas como áreas de risco hoje e facilmente mapeadas em
função do grau de destruição causado pelas chuvas em tempos de aquecimento
global. Se existirem mapeamentos de áreas de risco e planos diretores
municipais anteriores são documentos que devem servir de referência e
acrescidos dos limites das áreas inundadas para futuras tomadas de decisões.
A realocação de bairros e
vilas, embora dura e complexa para a população, deve ser levada em conta para
não serem recuperados ou reconstruídos setores que fatalmente podem estar
sujeitos a novos episódios climáticos catastróficos. Obviamente que não devem
ser descartadas obras de engenharia, onde forem possíveis, como diques,
barragens de contenção, equipamentos de bombeamento, entre outros. Pode ser que
o município de Porto Alegre, principalmente no setor que existe o dique que
margeia o Rio Guaíba, construído nos anos 70 do século passado, ainda consiga
contar com essa imensa obra de engenharia desde que seja reavaliada a sua
função e redimensionada para esses novos tempos climáticos.
As áreas limpas dos resíduos da construção civil poderiam servir como áreas de amortecimento de cheias, auxiliando na recarga dos aquíferos de pouca profundidade, como também ter esse material processado em usinas de beneficiamento e reutilizado no erguimento de novas moradias.
Gestão adequada da água garantirá um futuro sustentável
“Por outro lado, as tragédias
das enchentes não são de agora, mas as atuais são mais graves, comprovadamente,
por causa das mudanças climáticas que o Planeta Terra vem passando. Algumas das
causas, principalmente as que provocam enchentes no meio urbano, são conhecidas
como: o acúmulo de lixo em vias públicas, a impermeabilização inadequada do
solo, a deficiência do sistema de macrodrenagem, a duplicação oportunista de
pavimentação asfáltica recobrindo a preexistente (geralmente de
paralelepípedos) e a ocupação desordenada do território municipal pela
especulação imobiliária”.
Assim, nesse fubá climático instalado,
a comunidade científica tem sido ou foi pouco ouvida ou as atenções de parte da
sociedade e da classe política acabam por ouvir mais os negacionistas
climáticos para que o caos perdure a seu favor?
Sem inteligência social e com
a infraestrutura natural destroçada, temos pela frente um longo caminho para
adquirirmos condições de enfrentar a emergência climática e ambiental que
estamos atravessando. Temos que ter em mente que isso é apenas um começo. Temos
que agir estrategicamente se quisermos encorajar a sociedade a enfrentar os
tempos que estão aí e os que advirão.
As universidades são
instituições fundamentais para isso. Representam a inteligência estratégica que
sobrou em um Estado que está sendo desmontado peça por peça. Sem inteligência
social, a sociedade não só fica muito mais vulnerável frente aos impactos
adversos dos tempos severos, mas também fica refém da ação de forças externas,
sobre as quais não tem controle, como o Exército e empresas privadas.
Para concluir, lembrando que
o sistema água subterrânea e água superficial está interligado (a água vem do
céu!), a água em fúria, seja porque é mal gerenciada como no caso do Aquífero
Guarani em Ribeirão Preto, ou seja porque não foram respeitadas as várzeas de
inundação natural, como aconteceu com boa parte dos municípios gaúchos, tem
mandado seus recados e há tempos. Será que não estamos sabendo ouvi-la?
(ecodebate)
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