Desde o final de abril, o
Brasil assiste atônito às imagens das águas que dominam cidades e levam vidas
no Rio Grande do Sul.
Expressões como catástrofe
socioambiental, emergência climática, adaptabilidade e resiliência dominam os
noticiários e passam a integrar o vocabulário de autoridades e da população
brasileira, na busca por explicações e soluções aos eventos climáticos
extremos.
Referência mundial para
estudos ambientais e mudanças climáticas, o meteorologista brasileiro Carlos
Nobre explica, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o que são os eventos
climáticos extremos e porque a situação no Rio Grande do Sul foi classificada
dessa forma.
Agência Brasil: O que é um
evento climático extremo?
Carlos Nobre: É quando você
tem um evento meteorológico que sempre aconteceu, por exemplo, chuvas mais
intensas, prolongadas, de grandes volumes. Outro evento extremo pode ser uma
seca muito intensa, pouquíssimas chuvas, seca longa, ou ondas de calor, com
temperaturas passando muito da média. Isso sempre aconteceu na natureza, são
fenômenos naturais. Agora esses fenômenos estão se tornando muito mais
frequentes. O que acontecia uma vez a cada década, hoje ocorre a cada dois anos
ou até a cada ano, e batendo recordes.
Então, além de se tornarem
mais frequentes, são fenômenos mais intensos, como é o caso das chuvas no Rio
Grande do Sul, que bateram todos os recordes. Nunca, mais de 60% do território
gaúcho mostrou um volume de chuva maior que 800 milímetros. Os dados mostram
que, em menos de 15 dias, choveu o mesmo que em cinco meses em todo o estado e
a previsão é de uma nova frente fria chegando com mais chuvas. Não é o mesmo
volume que vimos na semana passada, mas os níveis dos rios continuarão altos e
a população das áreas baixas vão continuar enfrentando alagamentos.
Carlos Nobre: Foi exatamente
o que chamamos de aquecimento global de origem humana. Quando olhamos a
história de bilhões de anos do planeta Terra, já tivemos – mais de 200 milhões
de anos atrás –, um evento de vulcões e terremotos que lançou tanto gás
carbônico na atmosfera, que a temperatura ficou muito mais alta e foi uma das
causas da extinção de muitas espécies.
Nós já tivemos isso como
fenômeno natural, mas desta vez não é nada natural. Praticamente, quase 100% do
aumento desses gases do efeito estufa – que impedem a terra de perder calor com
mais rapidez e eficiência –, é resultado da queima de combustíveis fósseis – o
petróleo, o carvão, o gás natural – e de emissões devido ao desmatamento, que
responde por cerca de 12% das emissões; somado à agricultura, que chega a cerca
de 25% das emissões. A produção industrial também emite.
Já aumentamos em 50% a concentração de gás carbônico – dióxido de carbono; aumentamos em quase 150 vezes a quantidade de metano, que é um gás muito poderoso para aquecer o planeta. E o planeta mais quente tem mais evaporação de água nos oceanos e você cria os eventos meteorológicos extremos, eventos oceânicos mais extremos, como os três El Niños mais fortes do registro histórico (1992/93, 2015/16 e 2023/24). Todos os oceanos estão mais quentes. Então, essa é a causa de estarmos quebrando esses recordes em todo o planeta e no Brasil também.
Agência Brasil: É possível reverter o aquecimento global?
Carlos Nobre: Reverter o
aquecimento global se torna praticamente impossível, porque o próprio metano
tem um tempo pequeno de residência na atmosfera, de 9 a 11 anos. Reduzir as
emissões de metano seria muito importante, porque o metano é muito poderoso. O
metano que tem na atmosfera responde por cerca de 0,5ºC do aquecimento. Então,
é muito importante reduzir o metano, porque podemos fazer a temperatura não
subir mais e talvez até reduzir, mas é um enorme desafio.
Uma grande parte da emissão de metano vem da agricultura e, principalmente, da pecuária. O boi tem a fermentação entérica, que é a fermentação da grama que ele come, que produz metano. Uma série de outras atividades também produz metano. Ele compõe grande parte do gás natural e na produção, muitas vezes, ele vaza para a atmosfera. Já o gás carbônico fica, em média, 150 anos na atmosfera. Cerca de 15% do gás carbônico que entra na atmosfera hoje vai continuar mil anos lá. E o óxido nitroso, que é outro gás superpoderoso do efeito estufa, também ficará mais de 250 anos. Tem tanto gás na atmosfera, que mesmo zerando as emissões, o aquecimento continua. Se tivermos pleno sucesso de zerar as emissões até 2050, as temperaturas poderão começar a equilibrar no próximo século, não neste.
Agência Brasil: E o que será necessário para as pessoas sobreviverem ao longo de todo esse tempo?
Carlos Nobre: Não há a menor
dúvida de que esses eventos, que já estão acontecendo, não têm volta. As emissões
continuam aumentando, e existe até grande probabilidade que o aumento da
temperatura ultrapasse 2ºC e não fique em 1,5ºC. A busca por soluções de
adaptação não é mais um plano futuro, é um plano passado, que já devia estar
ocorrendo no mundo inteiro, com muito mais rapidez e eficiência. Não estamos
vendo uma busca por adaptações para eventos que já estão acontecendo. O exemplo
é esse, no Rio Grande do Sul. Os países desenvolvidos estão gastando mais
recursos em adaptação, muito em infraestrutura, preparando os portos para o
aumento do nível do mar, mas nem assim estão buscando o que é necessário.
Nos países em desenvolvimento
não vemos quase nenhuma adaptação. A gente está vendo toda a infraestrutura do
Rio Grande do Sul afetada, as pontes derrubadas pela enxurrada dos rios, as
casas todas inundadas. No Brasil, temos pouquíssima adaptação. Vemos mais os
eventos de chuva, mas também não estamos adaptados para os eventos de seca.
Batemos recorde com secas mais fortes do Amazonas e do Cerrado, em 2023 e 2024.
A agricultura brasileira não está adaptada para eventos extremos. Veja aí a
perda de produção de arroz que o Rio Grande do Sul teve com a chuva, e as secas
são o principal fator de perda de safra. Então, não tem desculpa, precisamos
não só reduzir as emissões, mas acelerar muito a adaptação.
Agência Brasil: O que é
necessário ser feito?
Carlos Nobre: Temos que
tornar as populações muito mais resilientes. No caso do Brasil, o Cemaden
[Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais] já vem fazendo
estudos, e milhões de brasileiros não podem mais continuar morando em áreas de
risco, na beira do rio, em encostas muito íngremes. E também precisamos
aperfeiçoar muito os sistemas de alerta.
Com as previsões
meteorológicas é possível anunciar um evento de extremo climático com dias de
antecedência, como o Cemaden alertou o Rio Grande do Sul e a Defesa Civil. Mas
nós precisamos fazer com que esses sistemas de alerta estejam em todos os
lugares de risco. O Cemaden está concluindo um estudo que aponta mais de 1,9
mil municípios com áreas de risco de deslizamentos, inundações e enxurradas.
São áreas onde devem ser instalados sistemas de sirenes como já temos na região
serrana do Rio de Janeiro, por exemplo. Lá, a população já está mais
capacitada, há locais para onde deve se deslocar, quando as sirenes tocam.
Então, isso precisa ser feito em milhares de cidades brasileiras. Somos muito
mal preparados para informar a população sobre eventos extremos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário