Depois
do Brasil reclamar, Alemanha pede que lei antidesmatamento seja adiada.
Alegando
falta de clareza sobre pontos-chave do dispositivo, Berlim pediu para que ele
passe a valer só em 1º/07/2025, 6 meses depois do prazo atualmente previsto –a
norma foi aprovada em junho do ano passado e, pelo calendário atual, entra em
vigor em 30/12/24.
"As
empresas precisam de tempo suficiente para se prepararem", argumentou o
ministro alemão da Nutrição e Agricultura, Cem Özdemir, do partido verde.
Özdemir
alegou que a entrada em vigor da lei já no final do ano pode levar ao colapso
das cadeias de suprimento, prejudicando as economias alemã e europeia, pequenos
produtores de fora do bloco e consumidores.
Um
dia antes, o chanceler federal Olaf Scholz já havia dito a
jornalistas que defendeu a suspensão da lei em conversa com a presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, até que alguns pontos sejam
"esclarecidos".
Críticos
do dispositivo se queixam de "requerimentos impraticáveis" e
"fardos burocráticos" sobre produtores e empresas.
A
maior bancada do Parlamento Europeu, o conservador Partido Popular Europeu
(PPE), do qual von der Leyen faz parte,chamou a lei de "monstro
burocrático".
Outros partidos europeus afirmam que o bloco ainda tem que esclarecer como as regras vão funcionar na prática.
O que diz a lei antidesmatamento
Elogiada
por ambientalistas, a lei europeia institui uma espécie de marco temporal do
desmatamento, barrando produtos como café, cacau, soja, madeira, óleo de palma,
carne bovina, papel, borracha e derivados, como couro ou móveis, produzidos em
florestas destruídas após dezembro de 2020.
O
bloco é, depois da China, o maior mercado para esses produtos e responde,
segundo a ONG ambientalista WWF, por 16% do desmatamento global.
O
texto prevê que empresas importadoras na UE serão responsáveis por rastrear
suas cadeias de suprimento, a partir de dados de satélite e de geolocalização,
para provar que não adquiriram commodities de áreas desmatadas.
Países
exportadores considerados de alto risco teriam ao menos 9% de seus produtos
inspecionados, com esse percentual caindo em países onde o risco de
desmatamento é considerado menor –essa categorização, porém, foi deixada de
lado por ora em meio a críticas de países que veem nela um "instrumento
político" que permitiria ao bloco escolher quem teria acesso
"especial" ao mercado europeu.
Pela
normativa, a Comissão Europeia também "pode" levar em consideração a
"existência, conformidade ou efetiva aplicação de leis que protejam os
direitos humanos, os direitos dos povos indígenas, das comunidades locais e de
outros detentores de direitos de posse tradicionais."
À
agência de notícias AFP, um diplomata disse que a UE ainda não apresentou
regras de compliance nem um sistema claro para categorizar os países segundo
escalas de risco.
Outra crítica da lei, a chefe da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, fez queixa semelhante em entrevista ao Financial Times, dizendo que a falta de regras claras de compliance provoca incertezas para exportadores que não saberiam se teriam seus produtos barrados.
O que diz o Brasil
O
governo brasileiro teme que a lei possa ser usada para reduzir a cota de
commodities que o país exporta para a UE e quer alguma forma de compensação
caso ela seja implementada. Também afirma que ela eleva os custos de produção e
exportação, principalmente para pequenos produtores.
Segundo
carta assinada pelos ministros Mauro Vieira (Itamaraty) e Carlos Fávaro
(Agricultura) e enviada à Comissão Europeia, 30% das
exportações ao bloco são de produtos afetados pela normativa, ou o equivalente
a US$ 15 bilhões (R$ 83,5 bilhões).
Vieira
e Fávaro afirmam que o regulamento gera "séria preocupação para diversos
setores exportadores brasileiros e para o governo", e pedem à UE que não a
implemente no prazo previsto e "reavalie urgentemente a sua abordagem
sobre o tema". Alegam ainda que a lei é um "instrumento unilateral e
punitivo, que ignora as leis nacionais sobre combate ao desmatamento" e
contraria o "princípio da soberania" brasileira.
No passado, outros países latino-americanos e africanos fizeram objeções semelhantes à lei, assim como os Estados Unidos.
Como nasceu a lei antidesmatamento
A
Amazônia, que cobre quase 40% da América do Sul, perdeu cerca de 20% de sua
cobertura ao longo do último século por causa do avanço do agronegócio, da
mineração, da exploração de madeira e da ocupação urbana.
Isso
é um problema porque as florestas absorvem carbono e são cruciais para o
enfrentamento das mudanças climáticas e o equilíbrio de ecossistemas.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a zerar o desmatamento
ilegal da Amazônia até 2030, tarefa que pressupõe contrariar interesses já bem
consolidados na região.
"O
Brasil acha que a regulação antidesmatamento é problemática porque cobre um
terço de suas exportações ligadas ao desmatamento. Cabe ao Brasil banir o
desmatamento, não à UE mudar suas regras", afirmou via X o eurodeputado
Pascal Canfim, da bancada centrista Renovar a Europa.
"Sabíamos
desde o início que essa é uma batalha que afeta interesses econômicos muito
grandes", disse Canfim à agência de notícias AFP.
Segundo ele, a UE importa €$ 15 bilhões/ano (R$ 92,5 bilhões) em commodities associadas ao desmatamento– especialmente a soja. "É precisamente esse problema que queremos resolver."
Representantes do bloco sinalizaram que a Comissão Europeia avalia de fato adiar a implementação da lei, ou simplificá-la. Mas isso demandaria a reabertura da legislação, o que poderia criar uma briga política ainda maior– ainda mais dado que a Comissão Europeia terá nova (e mais conservadora) composição a partir da semana que vem, como resultado das últimas eleições europeias.
Essas conversas preocupam grupos ambientalistas.
"No
ano passado, o mundo perdeu uma área de floresta do tamanho da Suíça",
disse Nicole Polsterer, da ONG Fern. "O debate sobre adiar a lei traz o
sério risco de abandoná-la completamente, como alguns estão determinados a
fazer".
Outros
grupos afirmam que muitas empresas e países já se prepararam para cumprir a lei
e estão bem avançados. (biodieselbr)
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