Sob ameaça, Cantareira
precisa de 30 milhões de árvores, ao custo de R$ 195 milhões.
Condomínios de luxo,
loteamentos e fazendas, substituem vegetação que garantia infiltração do solo,
evitava erosão, contaminação e falta de água.
Especialistas
reconhecem relação entre a ocupação das imediações do sistema com a falta de
água.
Técnicos do Embrapa propõe o plantio de 30 milhões de mudas
para recompor a mata e ajudar a erradicar a crise.
A distância entra alinha de vegetação e o da represa evidencia o quanto
o nível da água recuou.
Mesmo com a economia de água, consumidores têm se queixado do aumento do
valor das contas. A Sabesp nega.
O governo do Estado de São Paulo lançou em janeiro/15 o programa Mata
Ciliar, que pretende recuperar 20 hectares.
Vista do alto, a paisagem é desoladora: veleiros encalhados muito longe
de qualquer sinal de água, rampas de píeres terminando em barrancos secos,
condomínios luxuosos no meio do nada, represas reduzidas a rios estreitos, o
gado pastando na vegetação rasteira de áreas antes submersas. O sonho de ter
casa de fim de semana em um cenário espetacular de montanhas e lagos, e
praticar esportes náuticos, a 90 km de São Paulo, ou uma fazenda com água
abundante para o gado, parece distante do pesadelo dos 6,5 milhões de moradores
da Região Metropolitana que dependem da água do Cantareira.
Mas, segundo especialistas, há uma ligação causal entre a ocupação nos
12 municípios do Cantareira, e destruição da mata ciliar de seus 8.171 km de
rios, e o esgotamento do sistema. Choveu menos no último ano, mas, se a mata
nativa ainda estivesse lá, os reservatórios poderiam ter mais água - e de
melhor qualidade. A chuva não cairia sobre um solo tão seco, com o consequente
efeito "esponja". A vegetação funcionaria como uma válvula,
controlando a vazão e evitando inundações como a de 2011 - quando as comportas
tiveram de ser abertas - e falta de água, como a de agora.
Técnicos da Embrapa Informática e da GV Agro propõem o plantio de 30
milhões de mudas para recompor a mata ciliar em 34 mil hectares, de modo a
obedecer a faixa prevista pelo novo Código Florestal - que a reduziu, porque
passou a medir a Área de Preservação Permanente (APP) a partir do leito regular
do rio, e não mais de sua largura máxima. Para chegar a esses números, eles
analisaram as imagens do satélite Rapid Eyes, que registra objetos de no mínimo
5 metros, explica Eduardo Assad, autor da proposta.
A mata ciliar evita o deslocamento do solo, chamado de erosão, seu
transporte pelos rios e depósito nos reservatórios, ou assoreamento. Segundo a
Sabesp, estudo de 2009 mostrou que não havia assoreamento no Cantareira. A mata
ciliar filtra os sedimentos trazidos pelas enxurradas, evitando que poluentes,
como os agrotóxicos usados nas fazendas, comprometam a qualidade da água. E
mantém a infiltração do solo pela água, que desce para o lençol freático, e
aflora novamente. O solo sem vegetação, às vezes compactado por tratores ou
pelo pisoteio de animais, deixa a água evaporar.
Orvalho
Entretanto, explica o especialista Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp, a
vegetação exerce esse papel não tanto na beira dos rios, onde o solo já está
encharcado, mas um pouco mais longe, até mesmo nos topos de morros, onde ela
também intercepta a umidade trazida pelas nuvens, que condensa na forma de
orvalho e desce subterraneamente até as nascentes. Será preciso ir além da mata
ciliar. Zuffo propõe, por exemplo, o plantio direto, em vez do arado, como forma
de evitar a compactação.
Ricardo Rodrigues, da Esalq, a Escola de Agronomia da USP, acha que não
é necessário plantar 30 milhões de mudas. Onde houver vegetação por perto, é
possível induzir a regeneração natural. Com base em sua experiência com
recomposição de florestas, Rodrigues estima que 50% da área precisaria de
plantio total, com custo médio de R$ 9 mil por hectare; 25% se regeneraria
sozinha, ao custo de R$ 2 mil/ha.; os restantes 25% requereriam enriquecimento
com espécies, o que custa R$ 3 mil/ha. Caberia aos fazendeiros cercar o gado.
Por esse cálculo aproximado, o projeto custaria R$ 195,5 milhões.
Bilhões de reais devem ser gastos nas obras de engenharia anunciadas pelo
governo. Só a transposição entre as Represas Jaguari, da Bacia do Paraíba do
Sul, e Atibainha, do Sistema Cantareira, está estimada em R$ 830,5 milhões.
Para Assad e Rodrigues, a recuperação da mata nativa começaria a ter efeitos
sobre o Cantareira em cinco anos.
A relação entre a vegetação e as chuvas em regiões de Mata Atlântica, como
a do Cantareira, ainda está sendo estudada cientificamente, afirma o
meteorologista Carlos Nobre. Na Amazônia, já foi provado o efeito da
transpiração das árvores. Em 21/02 mesmo sem chuva, o manancial teve a 16.ª
alta e chegou a 10,2% da capacidade.
A Sabesp incentiva o plantio de mata nativa no entorno das represas, por
empresas que precisam fazer compensação ambiental. A Dersa plantou 1,13 milhão
de mudas em 554 hectares. O governo paulista lançou no mês passado o programa
Mata Ciliar, que pretende recuperar 20 mil hectares, com recursos de
empreendedores em busca de licença ambiental, ou de proprietários que precisem
se regularizar.
Em Bragança Paulista, onde restam apenas 11% de cobertura vegetal, o
prefeito Fernão Dias (PT) criou um programa no qual os infratores ambientais
regularizam sua situação bancando o plantio de árvores. "Em menos de dois
anos, já fizemos mais de 30 mil plantios." O prefeito acha provável que
haja resistência dos condomínios e fazendeiros a um eventual programa de
recomposição da mata ciliar. "Eles perderão boa parte de sua área, mas se
trata de um momento emergencial, em que o Brasil não pode manter um benefício
individual em detrimento do coletivo." (yahoo)
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