Para
o italiano Renato Di Nicola, do European Water Movement e do Foro Italiano
Movimento Acqua, quem controla a água, também nos controla. Contrário à
privatização, ele considera que por trás da luta pela água há uma disputa por
visões de mundo. “Eles olham a água e veem dinheiro. E quando privatizam a água
ou qualquer outro serviço, nos privam de decidir”. Um dos coordenadores do
Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), ele traz na bagagem a luta contra a
privatização desse recurso na Itália, e é enfático ao defender a água como um
instrumento democrático. Em entrevista à Radis, ele criticou o interesse
financeiro de multinacionais e defendeu estratégias mais incisivas para
enfrentar a mercantilização: “Temos que mudar a nossa linguagem. Um desastre
ambiental é um crime ambiental. Quem leva à morte milhões de outros indivíduos
que não têm acesso à agua, não se equivoca, é criminoso”.
Por que defender a
água como direito?
A
questão da água é internacional, global. Nós precisamos superar o nacionalismo
da água, pois é uma maneira de dividir os povos. Na Europa, estamos tentando
ficar juntos pelo tema da água. Temos problemas globais e urgentes. Veja, se a
água dos aquíferos, que são uma reserva mundial de vida, passar para as mãos
das multinacionais, será um problema mundial. Se a Nestlé ou a Coca-Cola se
apoderarem da água do Guarani [aquífero que abrange partes dos territórios do
Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai], será um desastre para todos, um drama
para a América Latina e para o Brasil, que tem 18% da água limpa do mundo. Não
é democrático que uma multinacional decida sobre o bem de nossa vida, como
ocorre no Uruguai. Precisamos alertar que esse tipo de capitalismo predador
está em todo o mundo e precisa ser combatido.
Como foi o plebiscito
na Itália, 2011, que decidiu pela não privatização da água?
Sou
orgulhoso de nossa luta e de ser parte do povo. Na Itália, não existia um marco
sobre as águas e resolvemos fazer um, a partir de um movimento popular. Frente
à privatização, surgiu o povo e todas as organizações sociais se uniram numa
campanha feita sem apoio de nenhuma televisão ou periódico. Ninguém nos
entrevistava. Mas 60% das pessoas foram votar e tivemos 95% de votos contra a
privatização. O processo desse plebiscito fortaleceu as pessoas que passaram a
dizer “eu posso”. Agora, toda vez que tentam privatizar, há reação e eles
desistem. Fincamos raízes e já estamos presentes em 50 cidades. Em março,
fizemos 75 ações que chamamos de A Caravana da Água e ela exprime uma frase que
inventamos: “Se escreve água, se lê democracia”.
Porque a associação
entre água e democracia?
Quando
privatizam a água ou qualquer outro serviço público, nos privam de decidir. Por
isso que a batalha pela água é a batalha pela democracia. A água é um bem de
todos. Ela é a base fundamental para ser o que queremos. Quem controla a água,
também nos controla. Ela é saúde, memória e fundamental como ar. Somos feitos
de água. Se colocarmos em dúvida a água e o ar, o que nos restará? Por isso
temos o desafio de integrar todas as pessoas. Mas o problema é saber como a
minha mãe, que tem 87 anos, pode integrar-se à luta pela água e contra a
privatização.
Qual o risco da
privatização da água?
Quando
olhamos um rio, pensamos: “que coisa bonita!” Quando tomamos uma ducha nos
sentimos bem. Quando imaginamos o mar, pensamos em viagem. Os capitalistas
pensam em dinheiro e são perigosos para a vida humana. São muito potentes,
estão se organizando. São mundos diferentes que se confrontam e que lutam uns
com os outros. Para mim são delinquentes. Temos que mudar a nossa linguagem. Um
desastre ambiental é um crime ambiental. Quem leva à morte milhões de outros
indivíduos que não têm acesso à agua, não se equivoca, é criminoso. Esses
criminosos que estão aí se servem de governos e fazem o que querem. Eu tenho
uma frase que parece um pouco feia: “Ou cortamos cabeças ou cortam as nossas
cabeças”. Felizmente temos inteligência e capacidade para não chegar a este
nível. Mas é lá que chegaremos se esse sistema continuar dessa forma. Eu não
quero isso porque sou humano. Mas depende muito da gente para construir um
mundo mais democrático.
A água do planeta
está acabando?
Quantitativamente,
não. O problema é a água que podemos utilizar para a vida, que pode ser
consumida, água potável. Percebo que falam que a água [em geral] vai terminar,
para justificar que se coloque um preço. Nossa sociedade balanceia a vida pelo
preço. Se eu digo que vai faltar algo, aceitam que ela custe mais. O símbolo é
o dinheiro. Esse capitalismo fica encantado em contaminar e descontaminar a
água. Em Singapura 80% da água vem da cloaca e contém minerais industriais.
Israel é o Estado que tem mais tecnologia e investe na dessalinização da água,
mas não resolve o problema das pessoas. E às vezes dessalinizar custa mais do
que preservar. É uma loucura. Gastamos cem vezes mais por uma coisa que só
serve momentaneamente quando poderíamos investir para preservar o que temos
livremente. (ecodebate)
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