Apesar
de o plástico não ser biodegradável
como os materiais orgânicos, que retornam ao estado de CO2 e água,
“do ponto de vista químico, todo plástico é reciclável”, diz a oceanógrafa e
mestra em Química Monica Costa à IHU
On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.
O
problema com esse tipo de material, adverte, não é em relação à possibilidade
de reciclagem, mas à excessiva escala de consumo, que torna a reciclagem
inviável. “A mudança de hábitos que ocorreu depois da Segunda
Guerra levou a uma mudança do padrão de consumo, a
qual foi direcionada para avanços tecnológicos, e, possivelmente, o maior
avanço tecnológico foi a manipulação do plástico”, relata. Com a mudança
nos hábitos de consumo pós-guerra, explica, o plástico se tornou “extremamente
desejável, barato, viável, interessante, fortemente ligado à alimentação, à
saúde, à prática de esportes, às tecnologias espaciais e às tecnologias que
permitiram explorar o fundo do oceano. Tudo isso se tornou dependente de
plástico. Com isso, o consumo se tornou estratosférico, imprevisto e está muito
além da nossa capacidade de lidar com os resíduos gerados”, informa.
De
acordo com a pesquisadora, atualmente não existem muitas alternativas tecnológicas
para dar ao plástico um uso mais nobre e digno. Apesar disso,
adverte, “precisamos olhar para o plástico não como um resíduo, mas
como uma matéria-prima extremamente nobre que nos custou muito dinheiro,
energia e recursos naturais e, portanto, não podemos jogá-lo fora”.
Monica Costa acompanha as
implicações do plástico nos oceanos desde 1999 e, segundo ela,
aproximadamente 10% de todo o plástico produzido pela humanidade já está
depositado nos oceanos. “Nessa época era difícil ver alguma coisa, mas hoje em
dia é cada vez mais frequente assistirmos a cenas como aquelas das baleias sem
rabo: elas ficam presas em resíduos plásticos e só se soltam se arrancam seus
rabos. Esse tipo de situação foi aumentando e hoje estamos no máximo de percepção
dela, mas tenho a impressão de que ainda veremos essa situação
piorar antes que as nossas ações consigam surtir algum efeito de reversão
nesse processo. A tendência é que não consigamos limpar o oceano e tirar todo
o plástico que está depositado nele. Talvez consigamos limpar e tirar
uma parte grande, aquela que ainda pode ser removida mecanicamente, mas a parte
que foi fragmentada e virou microplástico não poderá ser retirada”,
alerta.
Monica Costa é doutora em Ciências
Ambientais pela University of East Anglia,
na Inglaterra, mestra em Química pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e
graduada em Língua, Literatura e Civilização Francesa pela Université
Nancy 2, na França e
em Oceanografia pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ. Atualmente leciona na Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Por que
o plástico se tornou, em termos ambientais, um dos maiores desafios a serem
enfrentados neste século? É por conta da impossibilidade de degradação desse
tipo de material ou há outras razões?
Monica Costa — Essa questão que você
menciona é a razão química. O plástico não se degrada facilmente; ele
sofre alguns tipos de degradação como, por exemplo, a fotodegradação, que
é a exposição à luz, e a degradação física, que é a fragmentação. No entanto,
ele não faz a biodegradação, como fazem os materiais orgânicos, que retornam ao
estado de CO2 e água. Além dessa razão química, existem
razões sociais e mercadológicas que também contribuíram para esse processo:
depois da Segunda Guerra Mundial a sociedade mudou muito —
mudou mais rápido do que em 100 anos do século XIX até a Segunda
Guerra. Essa mudança de hábitos que ocorreu depois da Segunda
Guerra levou a uma mudança do padrão de consumo, a qual
foi direcionada para avanços tecnológicos, e, possivelmente, o maior avanço foi
a manipulação do plástico: inventamos o plástico, dando a ele praticamente
a forma e a utilização que quiséssemos. Essa mudança do padrão de consumo fez com
que o plástico se tornasse extremamente desejável, barato, viável,
interessante, fortemente ligado à alimentação, à saúde, à prática de
esportes, às tecnologias espaciais e às tecnologias que permitiram explorar o
fundo do oceano. Tudo isso se tornou dependente de plástico.
Precisamos
olhar para o plástico não como um resíduo, mas como uma matéria-prima
extremamente nobre que nos custou muito dinheiro, energia e recursos naturais –
Monica Costa.
Hoje
em dia temos dificuldades com os resíduos oriundos do plástico porque o consumo
se dá em quantidades muito maiores do que a nossa capacidade de lidar com
o que resta desse material. Essa é a razão pela qual ele está tão disseminado
no meio ambiente, porque depois que usamos o plástico não sabemos o
que fazer com ele. Ainda não temos tantas alternativas de tecnologia para
retornar esse material para um uso mais nobre e digno. De todo modo, precisamos
olhar para o plástico não como um resíduo, mas como uma matéria-prima extremamente
nobre que nos custou muito dinheiro, energia e recursos naturais e, portanto,
não podemos jogá-lo fora. Quando jogamos fora o plástico, também estamos
jogando fora energia, recurso natural e muita tecnologia.
IHU On-Line — Muitas
embalagens plásticas apresentam o selo de produto biodegradável. O plástico
chamado de biodegradável representa uma diferença considerável no consumo e na
reutilização do plástico?
Monica Costa — Em princípio, do
ponto de vista químico, todo plástico é reciclável. No entanto, dada a
escala de consumo de plástico atualmente, nem toda a quantidade de plástico
gerada pela sociedade é verdadeiramente reciclada, apesar de que
tecnologicamente poderíamos estar explorando isso. O que acontece é que alguns
plásticos são reciclados tantas vezes, que eles perdem algumas propriedades
importantes. Esse material poderia ter outra destinação, mas o problema é
recolhê-lo e alcançar um volume suficiente para que ele seja destinado
adequadamente. Então, aquilo que vem escrito na embalagem é parcialmente
verdade, porque alguns plásticos não são reciclados não por falta de
tecnologia, mas por falta de economia de escala.
Quando
jogamos fora o plástico, também estamos jogando fora energia, recurso natural e
muita tecnologia – Monica Costa.
Se
nos empenhássemos em trabalhar em um circuito fechado, em que
todo plástico que fosse fabricado pudesse ser usado à vontade por
todo mundo, desde que no final de sua vida útil ele voltasse para dentro de um
processo de reciclagem, o plástico que não poderia ser usado para absolutamente
mais nada seria muito pouco, como as embalagens de batata
frita, biscoito e
alguns tipos de copos; o problema
é recolher esse material em escala.
IHU On-Line — Que
percentual do plástico produzido no Brasil é reciclado? Qual seria o melhor
modo de enfrentar as dificuldades acerca da reciclagem de plástico?
Monica Costa — Eu não sei informar
esse número, mas do meu ponto de vista de cidadã um pouco mais esclarecida,
porque trabalho com isso, diria que esse percentual é pequeno. O pior gargalo é
o caminho de volta, porque o plástico é injetado na sociedade com muita rapidez e eficiência,
é barato, extremamente bem aceito e tem usos que, às vezes,
nos surpreendem. Mas o problema é o caminho de volta, de sempre fechar
esse ciclo.
IHU On-Line — A
reciclagem do plástico está contida na Política Nacional de Resíduos Sólidos –
PNRS. Quais são as diretrizes da PNRS acerca desse tipo de reciclagem?
Aquilo
que vem escrito na embalagem é parcialmente verdade, porque alguns plásticos
não são reciclados não por falta de tecnologia, mas por falta de economia de
escala – Monica Costa.
Monica Costa — Sim, esse tipo de
reciclagem está contido na Política Nacional de Resíduos Sólidos e em
lei. O que não está bem resolvido são as diretrizes, as normas específicas.
Apesar de a PNRS ser elaborada em cima da logística reversa, não
conseguimos fazer a regulamentação desses setores específicos, assim como não
conseguimos retirar do mercado aquele tipo de material que já sabemos que não
vamos conseguir reverter, como, por exemplo, as bandejas de isopor e o filme
que é usado para embrulhar os produtos nessas embalagens.
Temos
que lutar para que a logística reversa seja atendida, seja eficiente e
desejável pelo mercado de materiais recicláveis, e temos que retirar do mercado
os materiais que não serão facilmente reciclados. Tudo o que precisamos já está
na lei e na Política Nacional de Resíduos Sólidos; o que carecemos no
momento é de uma regulamentação dos
setores individuais.
IHU On-Line — Qual é
a dificuldade de aplicar a logística reversa? A dificuldade maior é do
consumidor ou do fabricante?
Monica Costa — Existe problema com
os dois, porque ainda passamos por uma desigualdade social muito
grande, e a desigualdade separa as pessoas das mais diversas formas. A questão
das possibilidades de tratamento de resíduos é uma delas. Então, as pessoas não
são só excluídas das escolas, dos hospitais e da habitação, mas são excluídas
também do processo de reciclagem de matéria e energia da sociedade. Hoje,
no Brasil, o nível de exclusão social reforça o
problema do plástico, porque algumas comunidades são atendidas por serviços
públicos e/ou privados que lidam com resíduos com tecnologias
de ponta, enquanto existe uma massa da população que não é
atendida por nenhum serviço. Essa discrepância tem que ser revertida e
reduzida, porque, caso contrário, não haverá teoria de logística reversa e
legislação nem fabricante que deem conta desse problema.
Catador
é uma profissão que não deveria existir, não deveríamos mais falar nessa
palavra, que é horrorosa; deveríamos estar falando de trabalhadores que
trabalham com materiais recicláveis – Monica Costa.
Quando
a garrafa de refrigerante, por exemplo, sai da indústria e vai para o
supermercado, ela vai atingir algumas comunidades onde será tratada como um
material nobre. Mas essa garrafa também atingirá comunidades, rincões do nosso
país, bolsões de pobreza, onde, após ser utilizada, não saberão o que fazer com
ela. Por isso, é altíssima a probabilidade de que não
haja controle sobre essa garrafa. Se não houver algum tipo de
gasto público ou privado para que essa garrafa retorne a uma linha
principal de coleta, ela vai se perder. Portanto, é preciso um ajuste tanto do
consumidor quanto do produtor.
Por
isso acredito muito nas novas economias,
nas economias que investirão na parte social, porque muitas empresas hoje
conseguem enxergar nessas dificuldades uma oportunidade de negócio. Essas
empresas, possivelmente, irão transformar a forma de funcionamento
das cooperativas de catadores. Catador é uma profissão que não
deveria existir, não deveríamos mais falar nessa palavra, que é horrorosa;
deveríamos estar falando de trabalhadores que trabalham com materiais
recicláveis. As pessoas não deveriam ter que catar, elas deveriam estar
recebendo para prestar esse serviço à sociedade.
IHU On-Line — Há
alguns anos se discutiu no país a legislação sobre o uso de sacolas plásticas
nos supermercados e alguns estados cogitaram proibir o uso dessas sacolas, mas
a medida não teve adesão popular. Por que, na sua avaliação, ainda há
resistência nesse sentido?
Monica Costa — A discussão em torno
do uso da sacola plástica faz parte de um ciclo: agora estamos
discutindo o uso de canudos e de cotonetes,
mas já tivemos a discussão do copinho e da sacola. Todos esses ciclos vêm e vão,
mas o importante é que eles continuem aparecendo e que não deixemos a peteca do
debate cair, porque não será no primeiro ciclo de debate que esses itens ou
outros semelhantes serão eliminados. Talvez a questão
das sacolas terá que ser discutida 20, 30 vezes até chegarmos a uma
solução viável. A mesma situação acontece com os copinhos, que estão sendo
demonizados há muitos anos, mas mesmo assim ainda vemos copinhos plásticos
circulando por aí.
Eu
mesma me vejo, muitas vezes, refém do copinho, porque chego a um restaurante ou
uma lanchonete e peço uma lata de refrigerante, mas não tenho coragem de beber
direto na lata. Diante dessa situação, tenho duas opções: usar o canudo ou o
copo. Se peço um copo, o garçom traz um copo plástico, e se peço um copo de vidro,
ele diz que não tem. Para resolver esse tipo de problema, eu passei a andar com
dois copos na minha bolsa: um copo de plástico duro,
desses infinitamente reutilizáveis, que uso para água e refrigerante, e outro
copo menor, para café. Mas quantas pessoas andam com dois copos na bolsa hoje
em dia?
IHU On-Line — Como o
depósito de plástico nos mares tem impactado os oceanos? É possível estimar
qual é o percentual de plástico depositado nos oceanos hoje em dia? Pode nos
dar exemplos de como a biodiversidade marinha tem sido afetada por conta disso?
Monica Costa — Existem estimativas,
em nível mundial, de que uma quantidade significativa, em torno de 10% do
plástico produzido na história, está nos oceanos hoje; isso é muito
plástico. A situação, quando vamos ao ambiente, é crítica. A frequência com que
temos nos deparado com exemplos de interação do plástico com organismos
marinhos, principalmente os animais, está aumentando violentamente.
Talvez
consigamos limpar e tirar uma parte grande, aquela que ainda pode ser removida
mecanicamente, mas a parte que foi fragmentada e virou microplástico não poderá
ser retirada – Monica Costa.
Comecei
a trabalhar com plástico no mar em 1999. Nessa época era difícil ver alguma
coisa, mas hoje em dia é cada vez mais frequente assistirmos a cenas como
aquelas das baleias sem rabo: elas ficam presas em resíduos plásticos
e só se soltam se arrancam seus rabos. Esse tipo de situação foi aumentando e
hoje estamos no máximo de percepção dela, mas tenho a impressão de que ainda
veremos essa situação piorar antes que as nossas ações consigam surtir algum
efeito de reversão nesse processo. A tendência é que não consigamos limpar o
oceano e tirar todo o plástico que está depositado nele. Talvez consigamos
limpar e tirar uma parte grande, aquela que ainda pode ser removida
mecanicamente, mas a parte que foi fragmentada e
virou microplástico não poderá ser retirada.
IHU On-Line — O que é
o microplástico e como ele impacta a cadeia alimentar marinha?
Monica Costa — Tecnicamente, microplástico são
partículas menores que cinco milímetros. O microplástico no oceano,
geralmente, tem duas origens: ou já chegou daquele tamanho ao mar, vindo
da indústria petroquímica ou de um nanoplástico dos cremes, sabonetes
ou creme dental, ou é o resultado da fragmentação de alguma coisa maior, como
um balde, um carro, uma parte de navio ou rede de pesca.
Tudo
o que é feito de plástico sofre degradação física e ressecamento e vai se
quebrando, mas o microplástico é extremamente complicado, porque pode
ser de qualquer polímero, pois todos os polímeros que usamos podem se
fragmentar e virar microplástico, embora eles tenham formatos e densidades
diferentes.
Em
termos de interação com a fauna, os microplásticos são
mais perversos, porque quanto menor for o microplástico, mais animais
vão ingeri-lo, e esse é um dos problemas. Se antes o plástico estava
prejudicando os golfinhos, as baleias e as tartarugas, agora o microplástico aumentou
o problema, porque essas partículas pequenas estão sendo ingeridas até pelo
plâncton [organismos que vivem em suspensão na água e encontram-se na base da
cadeia alimentar dos ecossistemas aquáticos]. Agora estamos com um problema
muito sério, pois temos uma situação totalmente fora de controle.
Hoje,
em alguns lugares, como na União Europeia, o microplástico já é um assunto de
segurança alimentar – Monica Costa.
Os
microplásticos podem ser colonizados por microrganismos que, se ingeridos, vão
parar no trato intestinal dos animais e soltam ali dentro tudo que absorveram
na água; o trato intestinal pode ficar entupido de bolinhas
plásticas. Todo esse material vai para a corrente sanguínea,
para o sistema nervoso central, para o rim, para as gônadas dos animais. E esse
plástico volta para dentro da nossa casa quando consumimos
animais marinhos. Hoje, em alguns lugares, como na União
Europeia, o microplástico já é um assunto de segurança
alimentar.
IHU On-Line — Além do
plástico, que outros elementos compõem o lixo marinho ou contribuem para que
esse lixo aumente?
Monica Costa — Além do plástico,
existem os poluentes clássicos, como o esgoto com organismos patogênicos,
como os medicamentos que ingerimos e que vão para o esgoto, os cosméticos,
ou seja, todos os produtos que usamos em nosso corpo, produtos de limpeza
doméstica, hospitalar e industrial, o óleo e os metais, produtos que são
utilizados na pecuária, produtos veterinários, produtos utilizados na
agricultura, vidros, madeiras, fibras, tanto sintéticas quanto naturais, e até
a poluição atmosférica, que eventualmente é transportada para o mar em
forma de fumaça de combustão de ônibus e de caminhão. Ou seja, tudo o que
observamos no nosso entorno está presente no mar.
Se
antes o plástico estava prejudicando os golfinhos, as baleias e as tartarugas,
agora o microplástico aumentou o problema, porque essas partículas pequenas
estão sendo ingeridas até pelos plânctons – Monica Costa.
Neste
ano elegemos falar dos plásticos, mas
todos esses fenômenos de poluição acontecem juntos. Logo, quando uma comunidade
marinha é atingida por microplástico,
ele não vem só, ele vem acompanhado de um aumento de outros problemas ou, às
vezes, esse plástico chega a uma comunidade que já está estressada por outros
poluentes e, com isso, a poluição cresce em progressão geométrica. Além
dos poluentes químicos, existem as poluições físicas — sol, calor e luz —,
que também são prevalentes em muitos ambientes costeiros. Estamos interferindo
de forma muito pesada no ambiente marinho.
IHU On-Line — Que
regiões marinhas do país estão mais contaminadas hoje?
Monica Costa — Regiões próximas de
grandes cidades e portos são as mais contaminadas, porque ali existem todas as
fontes de poluição. Exemplos são as grandes cidades costeiras, como Rio de
Janeiro, Salvador e Santos. Mas isso não quer dizer que
em outros lugares não existam também evidências da nossa interferência; a
evidência está em toda parte. No entanto, o tamanho do sinal a ser detectado é
sempre pior quanto mais perto estivermos de grandes cidades e grandes portos.
IHU On-Line — Que
iniciativas são feitas no Brasil para reduzir a poluição marinha no oceano? O
enfrentamento desse tipo de poluição é responsabilidade de quem? Existe uma
gestão compartilhada dos resíduos?
Monica Costa — A teoria diz que
todos somos responsáveis pela poluição marinha, tanto no plano de evitá-la
quanto no plano de tratá-la. O que existe hoje no Brasil é
uma obrigação dos municípios, que frequentemente é repassada para os estados e
até mesmo para a União, em relação
ao tratamento de esgoto e de água da chuva. Existem algumas
iniciativas privadas de tratamento de águas no interior, principalmente nas
indústrias e agroindústrias, porque elas devem tratar a água antes que ela
chegue ao corpo d’água receptor, para não poluir as bacias
hidrográficas, que, consequentemente, não deveriam estar
poluindo o oceano.
O
plástico invadiu as nossas vidas de forma muito rápida e eficiente, mas podemos
usá-lo de modo mais inteligente – Monica Costa.
Existem,
fora essas obrigações básicas de tratamento de esgoto, algumas iniciativas
muito interessantes que são capitaneadas pelo pessoal que trabalha com plástico
e lixo marinho. O plástico e o lixo marinho, de uma forma geral, são
extremamente visíveis e fáceis de relacionar com a sociedade. Existem muitos
grupos, até relativamente fortes, que vêm trabalhando em termos de promover a
visibilidade e ações de tratamento do problema, como as ações
de limpeza que, além de aumentarem a visibilidade dessa
situação, começam a convocar as pessoas a experimentarem a dificuldade que é
despoluir o mar. Essas iniciativas estão espalhadas por todo o litoral
brasileiro e por muitas bacias hidrográficas.
Algumas dessas iniciativas vieram — como deveria ser — de baixo para cima na
sociedade, brotaram de pessoas que se incomodaram com o assunto e que têm talento
mobilizador e conseguiram agregar outras pessoas em torno de si. Outras
iniciativas vêm de empresas que viram nisso uma oportunidade de investimento ou
uma oportunidade de visibilidade que, aos poucos, vem se transformando em
ações. Nesse sentido, as iniciativas são muito pulverizadas.
As
responsabilidades estão relativamente bem escritas em lei, mas não são
claramente executadas. Talvez essa seja uma fronteira importante para os
próximos anos, se quisermos continuar participando de acordos internacionais.
IHU On-Line — Seria
possível voltarmos atrás e não sermos tão dependentes do plástico? Temos
alternativas ao plástico hoje?
É uma
questão de escala de valores. Não se trata de não usar mais computadores ou
celulares. Use o celular e o plástico, sim; agora, use até o fim e depois
devolva ao fabricante – Monica Costa.
Monica Costa — Todo o material tem
uma alternativa. Não chegamos até a Segunda Guerra sem
ele? Nós ainda temos memória viva, na nossa sociedade, de pessoas que
viviam sem plástico. O plástico invadiu as nossas vidas de forma muito
rápida e eficiente, mas podemos usá-lo de modo mais inteligente. Basta negar o
uso de tudo aquilo que não precisamos, como os descartáveis, e guardar o
uso do plástico para aquilo que é realmente nobre e importante. Se fizermos
isso, o plástico começará a “entrar nos trilhos” da possibilidade de ser
recolhido e reutilizado como matéria-prima.
Vamos
proibir as pessoas de usarem plástico? Não, porque hoje isso não é mais viável,
mas podemos sugerir que elas usem itens que são duráveis, que podem ser
reutilizados quase que infinitamente, ou que guardem o plástico para
determinados fins. Por exemplo, não quero compartilhar minha seringa com
os outros. Antigamente a seringa era compartilhada. Eu tenho 50 anos e na minha
casa tinha uma seringa de vidro, que era guardada numa latinha de inox, e a
família toda usava a mesma seringa, a mesma agulha, mas era uma “seringa
familiar”. Isso não acontecia somente na minha casa, no
hospital também era assim. Não vou pedir que isso volte à baila porque não faz
mais sentido, pois somos bilhões de pessoas no mundo. Mas é possível deixar de
usar um monte de coisas de plástico, para que tenhamos uma seringa de uso
individual.
Dá para
vivermos, talvez, com 10% das coisas plásticas que usamos – Monica Costa.
É
uma questão de escala de valores. Não se trata de não usar mais computadores ou
celulares. Use o celular e o plástico, sim; agora, use
até o fim e depois devolva ao fabricante, que terá uma
saída interessante para esse produto. Dá para vivermos, talvez, com 10% das
coisas plásticas que usamos. Tantas coisas poderiam voltar a ser de vidro,
tantas poderiam deixar de ser descartáveis. Isso por si só já seria um avanço
fenomenal. Se conseguirmos descontinuar o uso do plástico de
forma programada, será ainda melhor. Acredito que é isso que vai acontecer,
porque o petróleo vai acabar.
IHU On-Line — Deseja
acrescentar algo?
Cuidar
das bacias hidrográficas é a nossa última chance de salvar os oceanos – Monica
Costa.
Monica Costa — Vi uma frase na
semana passada que é importante para nos ajudar nessa mensagem de que é
possível andar para frente. No Congresso Internacional Cidades Lixo Zero,
que aconteceu em Brasília recentemente, Charles
Moore, que é um campeão na luta contra o plástico há décadas,
falou algo muito simples, mas que me deixou admirada. Ele disse o seguinte:
“Cuidar das bacias hidrográficas é a nossa última chance de salvar os oceanos”.
E isso é verdade para o plástico também. Claro, sou oceanógrafa e penso mais no
oceano, mas isso que ele falou é de uma verdade enorme: “Cuidar das bacias
hidrográficas é a nossa última chance de salvar os
oceanos”. Essa é uma mensagem importante. (ecodebate)
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