As cidades mais envelhecidas
do Brasil não são as mais atingidas pela covid-19.
A pandemia do novo coronavírus
causa mais vítimas fatais entre a população idosa. Na China 80% dos óbitos
foram pessoas de 60 anos e mais, no Brasil são 73%. Alguém poderia imaginar que
os municípios mais envelhecidos (com maior proporção de idosos na população)
seriam os mais atingidos. Mas não é bem assim que tem ocorrido, como veremos a
seguir.
O envelhecimento populacional
ocorre em função da transformação da estrutura etária que acontece em função do
aumento da proporção de idosos no conjunto da população e a consequente
diminuição da proporção de jovens. Populações envelhecidas é uma novidade na
história do mundo e do Brasil. No passado, a estrutura etária era rejuvenescida
em todos os lugares, pois a esperança de vida era baixa e os casais tinham que
gerar grande número de filhos para se contrapor ao elevado número de óbitos
precoces.
Porém, a partir do momento em
que as taxas de mortalidade e natalidade declinaram, teve início um processo de
mudança da estrutura etária, com redução imediata da base da pirâmide e um
alargamento, no longo prazo, do topo da distribuição de sexo e idade. Desta forma,
o envelhecimento é o resultado, esperado e inexorável, da transição
demográfica.
Uma maneira de medir o
envelhecimento populacional é por meio do Índice de Envelhecimento (IE), que é
a razão entre o número de pessoas idosas sobre os jovens (crianças e adolescentes).
Trata-se de uma razão entre os componentes extremos da pirâmide etária. O IE
pode ser medido pelo número de pessoas de 60 anos e mais para cada 100 pessoas
menores de 15 anos de idade, segundo a seguinte fórmula:
Uma população é considerada
idosa quando o topo da pirâmide é maior do que a sua base, ou seja, quando o
Índice de Envelhecimento (IE) é igual ou superior a 100. Como já dito, o
envelhecimento populacional é um fenômeno novo na história da humanidade. O
primeiro país do mundo a ter a quantidade de idosos (60 anos e mais) maior do
que a quantidade de jovens com menos de 15 anos foi a Suécia, em 1975. O número
de países idosos passou para 3 em 1980 e chegou a 52 países em 2015.
O Brasil ainda é considerado um
país jovem, mas em processo acelerado de envelhecimento. No ano 2010, segundo
as projeções do IBGE (revisão 2018), havia 48,1 milhões de jovens de 0 a 14
anos e 20,9 milhões de idosos com 60 anos e mais. O Índice de Envelhecimento
(IE) era de 43,4 idosos para cada 100 jovens, conforme mostra o gráfico abaixo.
Em 2018, o número de jovens caiu para 44,5 milhões e o de idosos subiu para 28
milhões, ficando o IE em 63 idosos para cada 100 jovens.
O Brasil vai se tornar um país
idoso em 2031, quando haverá 42,3 milhões de jovens (0-14 anos) e 43,3 milhões
de idosos (60 anos e mais). Nesta data, pela primeira vez, o IE será maior do
que 100, ou seja, haverá 102,3 idosos para cada 100 jovens (veja a coluna
vermelha no gráfico). Mas o envelhecimento populacional continuará sua marcha
inexorável ao longo do século XXI. No ano de 2055, as projeções do IBGE indicam
o montante de 34,8 milhões de jovens (0-14 anos) e de 70,3 milhões de idosos
(60 anos e mais). O IE será de 202 idosos para cada 100 jovens. Ou seja, haverá
mais do dobro de idosos do que jovens.
O gráfico acima não deixa
dúvidas quanto à diminuição da população jovem (0 a 14 anos) e do aumento da
população idosa (60 anos e mais) ao longo do século XXI. Durante mais de 500
anos, o Brasil foi um país com uma estrutura etária jovem, mas a partir de 2029
será um país com uma estrutura etária idosa. E não haverá mais volta. O futuro
do Brasil é ser um país “grisalho”.
Mas este processo de
envelhecimento do país não acontece de forma uniforme, pois existem municípios que
já estão mais avançados na transformação da estrutura etária e outros que ainda
possuem uma estrutura muito rejuvenescida. Em geral, os municípios que foram
pioneiros na transição da fecundidade também são pioneiros no envelhecimento.
Mas a estrutura etária também é afetada pela migração, assim há municípios
envelhecidos em função da perda de jovens e/ou do ganho de idosos.
A tabela abaixo, com base na
estimativa populacional municipal de 2015, do IBGE, mostra os 10 municípios com
a estrutura etária mais envelhecida (maior IE) do país. Nota-se que os 10
municípios recordistas do envelhecimento estão todos no Rio Grande do Sul (RS)
e são municípios com menos de 5 mil habitantes. O município de Coqueiro Baixo
com apenas 1.563 habitantes tinha, em 2015, 660 idosos (de 60 anos e mais) e
apenas 94 jovens (de 0 a 14 anos). Ou seja, tinha 7 vezes mais idosos do que
jovens e o IE era de 702,1 idosos para cada 100 jovens. Forquetinha era o
segundo município mais idoso (com IE de 480,2) e Cotiporã o décimo município
mais idoso do país (com IE de 233). O Rio grande do Sul é um dos estados
brasileiros pioneiros na transição da fecundidade. Mas o alto envelhecimento
populacional destes 10 municípios pequenos, provavelmente, foi reforçado pela
perda de população jovem que procura os grandes centros em busca de
oportunidades de estudo e/ou trabalho.
Segundo o Ministério da Saúde,
até 24 de junho de 2020, Coqueiro Baixo, Rolador e Capão Bonito do Sul não
registraram nenhum caso da covid-19. Forquetinha registrou 1 caso, Cruzaltense
7 casos, Canudos do Vale 4 casos, Santa Cecília do Sul 14 casos, Coronel Pilar
1 caso, Cotiporã 7 casos e nenhuma morte entre estes municípios. Santa Teresa
teve 12 casos e 1 morte.
A tabela abaixo, também com
base nas estimativas do IBGE, para 2015, mostra os 10 municípios mais populosos
com a estrutura etária mais envelhecida (IE acima de 100) do país. Niterói, no
Rio de Janeiro, com quase meio milhão de habitantes, tinha 96,8 mil idosos (60
anos e mais) para 80 mil jovens (0 a 14 anos), com um IE de 120,9 idosos para
cada 100 jovens. Santos, em São Paulo, com população de 433,9 mil habitantes,
tinha 93,4 mil idosos e 73,3 mil jovens, com IE de 127,4. São Caetano do Sul,
em São Paulo, a cidade com maior IDH do país, tinha 33,7 mil idosos e 25 mil
jovens, em 2015, com IE de 134,6. Em décimo lugar, Socorro, em São Paulo, com
39,5 mil habitantes, tinha 7,5 mil idosos e 7,1 mil jovens, com IE de 105,1.
Niterói é, entre as grandes
cidades do país (mais de 40 mil habitantes) a mais envelhecida. Mas como mostra
a tabela abaixo não foi a mais atingida pela pandemia. O coeficiente de
incidência de Niterói é de 10,7 mil casos por milhão (acima da média da cidade
do Rio de Janeiro), mas o coeficiente de mortalidade foi de 349 óbitos por
milhão (bem abaixo da capital fluminense que tem uma estrutura etária menos
envelhecida).
Para efeito de comparação, a
tabela abaixo mostra os 10 municípios com a estrutura etária mais rejuvenescida
(menor IE) do país. Nestes 10 municípios, o número de idosos não chega nem a
10% dos jovens. Por exemplo, Ipixuna, no Amazonas, com uma população total de
26,8 mil habitantes, tinha 11,5 mil jovens de 0 a 14 anos e somente 1,1 mil
idosos (com 60 anos e mais) e um IE de 9,4 idosos para cada 100 jovens. O
município de Jordão, no Acre, com população total de7,5 mil habitantes, tinha
3,6 mil jovens e somente 175 idosos, com IE de apenas 4,8. Em geral, estes
municípios muito rejuvenescidos tem forte presença indígena.
Até o dia 23/06, Ipixuna teve 3
pessoas infectadas pelo novo coronavírus, Porto de Moz teve 392 casos e 22
mortes e Oiapoque teve 1.196 casos e 10 mortes. O contraste com os municípios
mais envelhecidos é muito grande, pois há mais mortes nos municípios mais
rejuvenescidos.
A tabela abaixo mostra os 10
maiores municípios brasileiros com IE abaixo de 20 idosos para cada 100 jovens.
Macapá, capital do Amapá, com população de 456 mil habitantes em 2015, tinha
141,6 mil jovens e apenas 24,7 mil idosos, com IE de 17,5 idosos para cada 100
jovens. Parauapebas, no Pará, com 189 mil habitantes tinha IE de 10,8 e o
município de Santana, no Amapá, com 112,2 mil habitantes, tinha IE de 18. Estes
10 municípios são de tamanho médio e possuem uma estrutura etária muito
rejuvenescida.
Dos 5.570 municípios
brasileiros em 2015, 531 cidades possuem Índice de Envelhecimento (IE) acima de
100, sendo, portanto, municípios envelhecidos. Em 2643 municípios o IE estava
entre 100 e 50 idosos para cada cem jovens. Em 2162 municípios o IE estava
entre 50 e 20 idosos para cada cem jovens. E em 234 municípios o IE estava
abaixo de 20 idosos para cada cem jovens. Observa-se, portanto, que menos de
10% dos municípios brasileiros em 2015 estavam classificados como cidades onde
a população tem uma estrutura etária envelhecida. Porém, como visto no primeiro
gráfico, o Brasil está em processo acelerado de envelhecimento e em 2029 terá,
na média, uma estrutura etária envelhecida. Assim, a tendência para as próximas
décadas é que um número cada vez maior de cidades passe a ter um Índice de
Envelhecimento acima de 100. O envelhecimento é inevitável e o Brasil precisa
se preparar para saber lidar com esta nova realidade demográfica.
Como mostrei no artigo “A
pandemia da covid-19 e o envelhecimento populacional no Brasil” (20/04/2020), a
região mais atingida no Brasil pela covid-19 foi a região Norte que é a que
possui a estrutura etária mais rejuvenescida, enquanto o Sul, que é a região
mais envelhecida, foi a menos impactada pela pandemia. Isto mostra que a
demografia não é destino e que existem outras variáveis que explicam o impacto
do Sars-CoV-2 sobre a população. O importante a destacar é que os municípios
mais envelhecidos não foram os mais impactados pela pandemia. (ecodebate)
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