Repensar a forma de desenhar, produzir e
comercializar produtos para garantir o uso - e reuso - inteligente dos recursos
naturais. Esta é a proposta da economia circular, que está ganhando o mundo e
já tem boas iniciativas no Brasil.
Criação de Ecoparques: a saída para o uso
inteligente de resíduos sólidos urbanos no Brasil.
A gestão de resíduos sólidos tem se tornado um
assunto cada vez mais comentado ao redor do mundo na última década. O grande
volume de consumo nas cidades resulta em uma geração de resíduos sólidos
urbanos bastante alta, crescimento este que, infelizmente não possui gestão
adequada. Essa gestão inadequada traz consequências danosas para o meio
ambiente e para a saúde das pessoas com contaminação do solo, do ar e dos recursos
hídricos. Grande parte dos resíduos poderiam ser reaproveitados ou
transformados em produtos de valor agregado (Economia Circular), poupando
recursos naturais, financeiros e emissões de gases do efeito estufa (GEE).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
sancionada em 2010, foi um marco importante para o setor e a iminência da
aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES) traz à tona metas
importantes para o gerenciamento adequado de resíduos sólidos, como metas de
redução de aterramento, reciclagem e estabilização da fração orgânica.
Entretanto, há poucas adequações no país, os lixões ainda existem e o Brasil
precisa evoluir bastante em todos os setores, públicos e privados. Após 10 anos
da Lei Federal nº 12.305/10, os índices relacionados à coleta regular, coleta
seletiva, reciclagem, estabilização dos biodegradáveis e destinação final
adequada dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) ainda são insatisfatórios.
De acordo com dados divulgados pela Associação
Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) em
2020, através do “Panorama dos Resíduos Sólidos”, a geração de RSU no Brasil na
última década registrou crescimento considerável, passando de 67 milhões para
79 milhões de toneladas por ano. Deste total, foram coletados 58,7 milhões de
toneladas em 2010 e 72,7 milhões de toneladas em 2019. Isso equivale a 140
maracanãs cheios de lixo.
A coleta regular é a etapa inicial necessária para viabilizar um sistema adequado de gestão de resíduos, e, apesar do avanço registrado, o país ainda apresenta déficit na abrangência desses serviços e 6,3 milhões de t/ano seguem abandonadas no meio ambiente – impactando diretamente na saúde de 77,65 milhões de brasileiros, com um custo ambiental e para tratamento de saúde de cerca de USD 1 bilhão por ano.
Já sobre a coleta seletiva, os dados mostram que, em 2010, 3.152 municípios registravam alguma iniciativa de coleta seletiva, enquanto na década seguinte esse número aumentou para 4.070 municípios. Apesar do crescimento, em muitos municípios as atividades de coleta seletiva ainda não abrangem a totalidade de sua área urbana. As iniciativas ainda são bastante iniciais e a falta de separação, de infraestrutura e de logística refletem na sobrecarga do sistema de destinação final e na extração de recursos naturais.
Maior parte dos RSU coletados no Brasil seguem para
disposição em aterros sanitários, tendo sido registrado um aumento de 10
milhões de toneladas em uma década, passando de 33 milhões de t/ano para 43
milhões de t/ano. Por outro lado, a quantidade de resíduos que segue para
unidades inadequadas (lixões e aterros controlados) também cresceu, passando de
25 milhões de t/ano para pouco mais 29 milhões de t/ano. Atualmente, 40,5% dos
resíduos no Brasil têm sua destinação final feita de maneira inadequada.
A gestão da fração orgânica é outro grande desafio.
Apesar de representar a maior fração dos RSU (51,4%), a gestão adequada ainda é
insignificante. Segundo o PLANARES, em 2018 foram coletadas 37 milhões de
toneladas de orgânicos e apenas 127.498 toneladas, ou seja, apenas 0,34% desta
fração foi submetida a um tratamento adequado, que poderia ser utilizada para
gerar eletricidade, combustível veicular e industrial, composto orgânico
(reciclando carbono e nutrientes), material de cobertura de aterro, dentre
outros. Lembrando que o tratamento desta fração caracteriza-se como índices de
reciclagem de materiais.
Para evoluirmos na quantidade de resíduos
reciclados, do ponto de vista da hierarquia das alternativas de tratamento de
resíduos está o Ecoparque, uma instalação que segrega, processa e transforma as
frações dos resíduos em produtos de valor agregado (recicláveis secos, resíduos
para aproveitamento energético (RSUE), composto, biogás/biometano, energia
elétrica, energia térmica, material de cobertura de aterro, dentre outros).
Neste sentido, precisamos aumentar o número de
Ecoparques no país, gerando possibilidades de uso dos resíduos, reduzindo
significativamente a destinação final diretamente no aterro. Pensando nisso,
nós, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, em parceria com a
Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), estamos
trabalhando em um plano para elaborar normas que definam o que é um Ecoparque e
quais devem ser os processos, etapas e a caracterização desde o ponto de coleta
até o processamento e entrega dos produtos finais. Além disso, estamos fazendo
uma força-tarefa para atualizar e elaborar novas normas referentes aos setores
de meio ambiente, resíduos e saneamento que trabalharão todas integradas.
Somente a regulamentação e a transparência das etapas dos processos relacionados poderá facilitar a estruturação deste modelo de negócios, trazendo segurança jurídica para que o mercado possa investir na criação de Ecoparques, como aconteceu em diversos países na Europa, possibilitando ao Brasil ter uma escala maior de resíduos destinados adequadamente e de acordo com uma normalização nacional e procedimento único.
E-Cycle ou economia circular propõe uma mudança em toda a nossa maneira de consumir, da matéria-prima até o produto final, com a destinação dele para ser utilizado na matéria prima inicial.
As normas também auxiliam no ciclo de
desenvolvimento positivo gerado através da Economia Circular, que propõe que os
resíduos de um setor sejam aproveitados por outros como matéria-prima,
permitindo que os produtos e serviços retornem à natureza com menor impacto
ambiental.
*Mario William Esper é Presidente da ABNT,
Engenheiro Civil, Mestre em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo e Diretor de Relações Institucionais da Associação
Brasileira de Cimento Portland – ABCP. (ecodebate)
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