terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Uma UTI para nossas águas

É comum vermos, até no mesmo veículo informativo, notícias sobre excessos e faltas de água. Também constatações de que a água está acabando em muitos lugares, com as referências, já antigas, sobre possíveis guerras futuras por esse recurso essencial à vida. Mas, na verdade, não há alteração no volume total de água em nosso planeta, apenas distribuição irregular e demandas crescentes por sociedades que se avolumam em regiões com reconhecidos históricos de escassez ou que ocupam cada vez mais as superfícies e as áreas de escapes dos cursos d’água nas épocas de cheias. As águas interiores estão inseridas nos ciclos hidrológicos, compostos essencialmente por fenômenos como precipitações, evaporações, escoamentos superficiais (enxurradas e cursos d’água) e infiltrações. Estas últimas, as responsáveis primeiras pelo abastecimento dos reservatórios subterrâneos, os aquíferos, que alimentam as nascentes e perenizam os cursos d’água (córregos, ribeirões e rios). Mas os ciclos hidrológicos estão doentes, maltratados pela ação do homem que vem interferindo em seus metabolismos e usando paliativos nas tentativas de cura. As canalizações, as dragagens, os piscinões, os reservatórios artificiais, as recomposições das áreas de preservação permanentes etc., não passam de analgésicos. As causas permanecem e as dores acabam voltando, mesmo que a médio e longo prazo. A UTI sugerida no título é, portanto, o reconhecimento da complexidade dos males que afetam as nossas fontes de água e, lembrando que Unidade de Terapia Intensiva, hospitalar, é um ambiente apropriado ao tratamento de doentes graves, a dos ciclos hidrológicos permitirá que eles sejam mantidos vivos por intensivistas (hidrologistas) e possam, assim, ser analisados com mais profundidade, evitando os tratamentos superficiais que seguem receituários únicos para quaisquer situações. Ou, então, os conselhos de charlatões, curiosos que gostam de palpitar sobre assuntos técnicos, de quaisquer naturezas. Salvados os doentes, vamos aos diagnósticos. Comecemos pelas precipitações e vamos admitir que os ciclos hidrológicos internados na UTI sejam os mantenedores dos rios Tietê, em São Paulo, do Arrudas, em Belo Horizonte, e do Itajaí, em Santa Catarina, que representam bem os demais doentes brasileiros. Mas será que as precipitações aí têm sofrido alterações além das normais de um ano para outro? Está havendo frequência maior de precipitações intensas? Os eventos, mesmo que extraordinários, são realmente inéditos ou já ocorreram no passado? No caso do rio Itajaí, é realmente clara e consistente a afirmação, muito ouvida, de que os fenômenos meteorológicos estão em crescente descontrole? E as enchentes do passado? Se uma análise apenas científica dos dados meteorológicos (deixando de lado os palpites e as emoções ambientalistas) mostrarem que não há nada de extraordinário, vamos buscar outras razões para os males, concentrando-nos, por exemplo, no comportamento da superfície da bacia hidrográfica quanto às infiltrações e enxurradas. E aí fica óbvio o fato de as áreas urbanas estarem cada vez mais impermeabilizadas e as áreas rurais também, pela exploração intensiva, resultando no aumento dos volumes de enxurradas e na diminuição do abastecimento dos aquíferos. Daí as cheias e os alagamentos, nos períodos chuvosos, e as diminuições de vazões, nos períodos de estiagens. O diagnóstico foi fácil, pelo neste caso. Mas e agora, quais os tratamentos eficazes para a cura? Recompor áreas de preservação permanente, promover algumas arborizações urbanas esparsas, construir reservatórios para armazenar temporariamente os excessos de enxurradas (piscinões) ou coisas semelhantes? Meros analgésicos para alívios provisórios. Até as florestas naturais em topos de morros (preservação permanente) não são efetivas, muitas vezes, pois infiltrações concentradas em solos rasos podem provocar deslizamentos, arrastando grandes massas arbóreas (aconteceu em Santa Catarina). Com quaisquer das soluções, a dor vai acabar voltando, como já foi dito anteriormente. Precisamos, em primeiro lugar, de um estudo geológico da área para identificação dos aquíferos e dos pontos importantes para suas recargas. Depois, como a área já está com muitas alterações e sem retornos economicamente viáveis, programar sistemas artificiais, complementares, de captação de enxurradas, tais como: construção de caixas e valas no solo, com bases porosas para percolação das águas em direção dos aquíferos (em condomínios, em praças, em propriedades rurais etc., bem distribuídas por toda a superfície da bacia), transformação das tubulações de água pluviais (meros drenos atualmente) em galerias de bases também porosas, armazenamentos de águas de chuvas para usos domésticos em casas, condomínios verticais e em propriedades rurais, para atividades de irrigação, por exemplo. Mas quaisquer que sejam as tecnologias escolhidas, elas têm de estar de acordo com as necessidades específicas de cada caso. Não existe a tecnologia previamente salvadora da pátria. Os tratamentos, entretanto, não podem ser preconizados por administradores ou pelos fornecedores de remédios e serviços. Têm que ser receitados por uma junta de especialistas, integrada, no caso das águas, por hidrologistas (com conhecimentos de relações solo/água/planta/clima), geólogos, urbanistas, sanitaristas e profissionais de ciências agrárias. Geradas as alternativas de tratamentos, os especialistas irão discuti-las com as sociedades e seus representantes. Depois de selecionadas, serão detalhadas, pelos mesmos especialistas e, só então, repassadas para os aplicadores. É difícil o procedimento indicado, mesmo sendo tão simples? Não há como colocá-lo em prática? Isso tudo não passa de um sonho? Se a resposta for sim para todas as perguntas, vamos desistir e deixar que fique “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. E voltarmos aos analgésicos.

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