Relatório revela que as
atividades humanas já impactaram 75% da superfície terrestre.
Número
deve chegar a 90% até 2050, segundo o novo relatório sobre degradação e
restauração de áreas degradadas divulgadas pela Plataforma Intergovernamental
sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).
Apenas 25% da superfície
terrestre permanece livre de impactos substanciais causados por atividades
humanas. E o índice deve cair para meros 10% até 2050, segundo projeções da
Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos
(IPBES).
“Apenas
algumas regiões nos polos, desertos e as partes mais inacessíveis das florestas
tropicais permanecem intactas”, afirmou o sul-africano Robert Scholes, um dos
coordenadores do relatório temático sobre Degradação e Restauração de Terras
Degradadas divulgadas pela IPBES em 26/03/18, em Medellín, na Colômbia.
O
documento na íntegra e um sumário para tomadores de decisão foram aprovados
pelos 129 países-membros da entidade durante a 6a Reunião
Plenária, que ocorreu entre os dias 17 e 24 de março.
Segundo
o texto, até o ano de 2014, mais de 1,5 bilhão de hectares de ecossistemas
naturais foram convertidos em áreas agrícolas. Plantações e pastagens cobrem
atualmente mais de um terço da superfície do planeta. “Os processos mais
recentes de desmatamento estão ocorrendo nas regiões do globo mais ricas em
biodiversidade”, afirmaram os autores no texto.
De
acordo com Scholes, pode ser definido como degradação o processo que leva um
ecossistema terrestre ou aquático a sofrer um declínio persistente das funções
ecossistêmicas e da biodiversidade. “É quando uma determinada região tem sua
capacidade de sustentar a vida – humana ou não – persistentemente reduzida”,
explicou.
A
expansão não sustentável de áreas dedicadas à agricultura e à pecuária é
apontada no relatório como uma das principais causas do problema – que tende a
se agravar com a demanda crescente por comida e biocombustíveis. Segundo os
autores, o uso de pesticidas e fertilizantes deve dobrar até 2050.
“Esses
produtos químicos em excesso contaminam não apenas o solo como também os
sistemas aquáticos, terminando por afetar a zona costeira. Já temos centenas de
áreas mortas em regiões como o Golfo do México e isso ocorre por causa da forma
que manejamos a terra. Portanto, esta é também uma questão de segurança hídrica
e de preservação da costa”, disse Robert Watson, presidente da IPBES.
Outro
fator importante que tem contribuído para a degradação de ecossistemas, de
acordo com os cientistas da IPBES, é o estilo de vida de alto consumo dos
países desenvolvidos – bem como o consumo crescente observado nos países em
desenvolvimento.
O
combate ao problema, afirmam, deve necessariamente incluir a adoção de uma
dieta mais sustentável, com menos produtos de origem animal e maior preocupação
com os métodos usados na produção dos alimentos e demais produtos consumidos.
“Não
estamos dizendo para as pessoas pararem de comer carne, mas para se preocuparem
com o modo com que ela foi produzida. E, acima de tudo, acabar com o
desperdício de comida. Hoje, entre 35% e 40% do que é produzido nos países
desenvolvidos não é aproveitado”, disse Watson.
Para
o italiano Luca Montanarella, outro coordenador do relatório, é necessário um
esforço de comunicação que ajude moradores das áreas urbanas a se reconectarem
com a terra que os alimenta.
“Esperamos
que a solução para problemas como esse venha de fora, mas nós, como
consumidores, temos nossa carga de responsabilidade. Estamos dispostos a pagar
caro por celulares ou computadores, mas queremos que a comida seja barata. E
não percebemos os impactos de nossas escolhas alimentares porque, muitas vezes,
eles se manifestam em regiões distantes”, disse.
Para
Montanarella, a degradação da superfície terrestre é um problema que precisa
ser resolvido localmente, mas em um contexto global. Na avaliação de Scholes,
os subsídios oferecidos pelos governos aos produtores rurais tendem a promover
uma expansão não sustentável da produção, pois permitem que corram mais riscos.
“É
possível aumentar a produção sem avançar sobre áreas naturais e sem abusar de
produtos químicos. Intensificação é uma grande parte da resposta, mas por meio
de uma melhora das práticas de manejo da terra, promovendo a ciclagem de
nutrientes, por exemplo”, afirmou.
Para
Scholes, o Brasil está em uma posição favorável para lidar com essas questões
por ter fortalecido ao longo dos últimos anos sua capacidade de realizar
pesquisas científicas e por ter especialistas capazes de orientar soluções.
“Há
um clamor político pelo fim do desmatamento e da destruição de áreas alagáveis.
Temos uma oportunidade de começar a fazer as coisas de um jeito melhor. Há
espaço no mercado para isso. As pessoas cada vez mais vão se questionar se os
produtos que compram do Brasil são bons ou ruins [do ponto de vista
ambiental]”, disse Scholes.
Watson
reconhece que a produção de biocombustíveis, soja e carne é hoje a base da
economia brasileira e afirma ser valiosa para muitos outros países. “O desafio
é produzir esses bens de maneira mais sustentável. Avançar em direção das boas
práticas. Há um jeito mais esperto de fazer isso e seria uma grande
contribuição do Brasil”.
Três faces do mesmo problema
De
acordo com o relatório da IPBES, os processos de degradação da terra já
comprometem o bem-estar de dois quintos da humanidade – 3,2 bilhões de pessoas.
Isso tem sido uma das principais causas de migração humana – o que, por sua
vez, está relacionado com a intensificação de conflitos entre os povos e
empobrecimento de populações, na avaliação de Watson.
“A
degradação da superfície terrestre está nos conduzindo para a sexta extinção em
massa de espécies”, alertou Scholes.
Para
os autores do relatório, processos de degradação, perda de biodiversidade e
mudanças climáticas são três faces de um mesmo problema – um fator intensifica
o outro e não pode ser combatido isoladamente.
Segundo
o documento, os processos de degradação contribuem fortemente para a mudança
climática, tanto pelas emissões de gases-estufa resultantes do desmatamento
como pela liberação do carbono anteriormente armazenado no solo. Foram
liberados 4,4 bilhões de toneladas de CO2 somente entre os anos de
2000 e 2009, segundo a IPBES.
“Dada
a importância da função de sequestro e armazenamento de carbono pelo solo,
reduzir e reverter os processos de degradação da terra podem oferecer mais de
um terço das atividades de mitigação da emissão de gases estufa necessárias até
2030 para manter a elevação da temperatura média da Terra abaixo de 2oC, como propõe o Acordo de Paris, além de aumentar a
segurança alimentar, hídrica e reduzir conflitos relacionados à migração”,
disseram os cientistas.
Outro
objetivo do relatório temático foi avaliar processos de restauração de terras
degradadas já concluídos ou em andamento. Como explicou Scholes, foi definida
como restauração qualquer iniciativa intencional de acelerar a recuperação de
ecossistemas degradados.
“Fizemos
uma diferenciação entre restauração e reabilitação. Esta última corresponde a
iniciativas voltadas a recuperar algumas das funções críticas da terra e criar
condições para que talvez ela seja recuperada. Mas retornar ao que era antes da
degradação pode não ser possível em muitos lugares”, explicou.
Segundo
Scholes, a restauração de áreas agrícolas degradadas, por exemplo, pode
significar devolver ao solo sua qualidade original – bem como promover a
integração de culturas agrícolas, criação de animais e silvicultura.
Iniciativas
bem-sucedidas em áreas alagáveis incluem controle de fontes poluidoras e
reinundação de áreas úmidas danificadas por drenagem. Para áreas urbanas as
opções são planejamento espacial, replantio de espécies nativas,
desenvolvimento de “infraestrutura verde” (parques e rios), remediação de solos
contaminados e cobertos (sob asfalto, por exemplo), tratamento de águas
residuais e restauração de canais fluviais.
Para
os cientistas, a solução do problema requer a integração das agendas agrícola,
florestal, energética, hídrica e de infraestrutura e serviços. Isso, por sua
vez, necessita de políticas coordenadas entre os diferentes ministérios para,
simultaneamente, incentivar práticas mais sustentáveis de produção e de consumo
de commodities.
Os
benefícios obtidos por meio da restauração de áreas degradadas excedem em mais
de 10 vezes o custo dessas iniciativas, segundo a IPBES.
“Implementar
as ações adequadas pode transformar a vida de milhões de pessoas no planeta,
porém, quanto mais demoramos para agir mais difícil e cara se torna a reversão
do problema”, afirmou Watson.
O caso brasileiro
De
acordo com Carlos Alfredo Joly, coordenador do Programa BIOTA-FAPESP e da
Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), a
degradação está presente em todos os biomas e regiões brasileiras. É mais
intensa, porém, em áreas onde a ocupação humana é mais antiga, como é o caso da
Mata Atlântica.
Segundo
dados do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o
Brasil tem 200 milhões de hectares de áreas degradadas.
Exemplos
bem-sucedidos de restauração também estão presentes no país, ressaltou Joly, sendo
um dos mais antigos da época do Império, no século 19.
“A
restauração da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, foi ordenada por D. Pedro
II por recomendação do Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, para
recuperar e proteger as nascentes que abasteciam a cidade. O imperador mandou
desapropriar terras de fazendeiros e nobres nas encostas do maciço que divide a
cidade ao meio para recompor a área que, já no século 19, estava quase
totalmente ocupada por fazendas, pastos e lavouras de café. Poucos turistas que
visitam o Parque Nacional da Tijuca sabem que estão caminhando em uma área
restaurada”, disse Joly.
Dados
do BIOTA também embasaram a norma baixada pela Secretaria de Meio Ambiente do
Estado de São Paulo para regulamentar a restauração ambiental na região (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/4773/).
Rodrigues
e Brancalion – ambos membros do BIOTA e da BPBES – estão entre os brasileiros
que integraram a equipe de cientistas que elaborou o relatório divulgado nesta
segunda-feira pela IPBES, assim como Jean Paul Metzger. Também contribuíram
Marina Morais Monteiro (Universidade Federal de Goiás), Geraldo Wilson
Fernandes (Universidade Federal de Minas Gerais), Simone Athayde (University of
Florida, Estados Unidos) e Daniel Luis Mascia Vieira (Embrapa).
Para
produzir o documento, mais de 100 autores de 45 países revisaram mais de 3 mil
fontes de informação – que incluem artigos científicos, relatórios de governos
e reuniões com representantes de comunidades indígenas e locais.
“O
texto passou por um extenso processo de revisão por pares e foi melhorado com
mais de 7,3 mil comentários de revisores externos. Além disso, o sumário para
tomadores de decisão foi amplamente debatido com os representantes dos países
que integram a IPBES. O objetivo desse debate é aumentar a relevância do
conteúdo para a formulação de políticas públicas”, explicou Anne Larigauderie,
secretária executiva da IPBES. (ecodebate)