Falta de água deve provocar outras formas de tensão pelo mundo; boa
notícia são as novas previsões sobre Amazônia.
O pesquisador
argentino radicado no Brasil José Antonio Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, coordenou o capítulo sobre América Central e do Sul e também fez
parte do grupo que elaborou o Sumário para Formuladores de Políticas do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em 30/03/14. Ele
fala das novidades, dos mais vulneráveis e o que podemos esperar para o
continente.
Qual
é a principal novidade desse relatório?
Alguns aspectos
regionais ficaram mais claros, o que podemos esperar de impactos e o que pode
ser feito para lidar com eles. Foi criada uma classificação do tamanho do
impacto com e sem adaptação. Um determinado risco pode ser menor com adaptação.
Já outros, não tem o que fazer. Por exemplo, se acabar a água das geleiras
andinas. Aí vai ter de procurar outras fontes de água. É um problema que vai
gerar conflitos. O relatório coloca essa como uma possibilidade para as
mudanças climáticas. Para entender, pense no Brasil, no caso da seca em São
Paulo, e o governador do Rio, Sergio Cabral dizendo que vai entrar na Justiça
se São Paulo usar a água do Rio Paraíba do Sul. Isso é uma forma de conflito.
Não chega a ser uma guerra entre São Paulo e Rio, mas é um conflito.
Mas não pode haver uma guerra de verdade por
água?
Com certeza tivemos
no passado guerras por recursos naturais e a água é o principal deles. Mas
aqueles saques que hoje já vemos no Nordeste são uma forma de conflito. Não
temos de esperar pelo futuro. Acho que já está acontecendo em algumas áreas,
principalmente nas mais vulneráveis. E a maior parte das áreas mais vulneráveis
são as mais pobres. E aí entram as discussões sobre adaptação, que deveriam ser
patrocinadas pelos governos e também pelo setor privado. Porque não existe uma
fórmula mágica, única, de adaptação para todas as regiões e isso é o que torna
tudo mais complexo.
Essa é a principal mensagem do relatório?
O grupo de
trabalho 1 (cujo relatório foi lançado em setembro passado) mostrou as
evidências físicas do que pode acontecer. O grupo 2 está mostrando quais são as
consequências disso em dois casos se nada for feito e se algo for feito. Quando
fala em vulnerabilidade, este documento mostra quem no mundo é mais vulnerável
àquilo que o grupo 1 mostrou como cenários. E que geralmente são os países mais
pobres: a região do Sahel, na África, a região da Centro-América, o Nordeste,
áreas da China. E aí obviamente a adaptação tem de entrar. Aqui não se discute
quem vai financiar isso, mas deixa as bases para que se discuta isso depois no
nível da conferência das partes da Convenção do Clima. E aí vai novamente se
lembrar que adaptação tem um custo, e alguém vai ter de pagar.
O relatório traz muitas mensagens sobre como
podem ser os impactos num cenário de mais 4 °C de temperatura. O painel imagina
que esse é o cenário mais provável?
A questão dos 4
graus é mais um caso de "o que pode acontecer, mas não queremos que
aconteça". É o futuro que não queremos. Porque falar em cenários ninguém
entende, mas 4 graus todo mundo entende que é quente demais, pode ter impactos
em muitos lugares. Com 2 tb haveria impactos e custos, mas bem menores. As
mensagens do sumário trazem o que pode acontecer com os 4 graus, como um nível
mais catastrófico. Com quem diz: se você não se cuida, pode ter um infarto.
Ninguém quer morrer de infarto. Mas se você se cuidar, talvez possa ter uma
pressão alta, mas tem como controlar. É meio essa ideia. Não é que o relatório
seja muito apocalíptico, mas na verdade ele coloca a situação como pode ser e a
situação como poderia ser se adaptação for feita e os governos investirem em
reduzir as vulnerabilidades.
O sr. coordenou o capítulo sobre América
Central e do Sul. Houve mudanças em relação ao estudo anterior?
Agora identificamos
maior número de impactos, não só enchente, inundações e secas, e impactos aos
ecossistemas, mas também impactos sociais, nas áreas urbanas. As mulheres
aparecem como sendo mais vulneráveis. Em muitos casos elas permanecem em casa.
Não veem quando uma enchente ou um deslizamento está chegando. Também está se
fazendo um resgate do conhecimento indígena em busca de forma natural de
adaptação às mudanças. Algo disso nós temos que aprender.
Também mudou o entendimento como a Amazônia vai ser afetada.
Sim, o risco
que aparecia no AR4, de savanização, ficou um pouco afastado. Era um modelo que
mostrava aquilo. Depois novos modelos mostraram que de fato pode haver uma
redução de chuvas, mas é justamente na parte do arco do desmatamento, que já
está mais degradada. O que se imagina agora é que mesmo que haja uma mudança na
vegetação, não seria para uma savana. Podemos ter um clima mais seco e talvez
em algumas áreas uma floresta mais sazonal. Mas veja que isso é tudo projeção
de modelos. Mantemos como possível aquele cenário da savanização, mas com uma
probabilidade baixa. Eu estudei a resiliência da Amazônia com um grupo inglês e
no nosso estudo que saiu no ano passado na revista Nature a nossa conclusão foi
que a Amazônia é mais resiliente do que nós achávamos. É de certa forma uma boa
notícia, mas não significa que a gente se livrou do problema. Não pode voltar a
ter grandes taxas de desmatamento. Porque isso poderia levar ao pior cenário.
(OESP)