“Uma temperatura mais quente
significa maior taxa de evaporação e, portanto, mais chuva, tornados e
inundações, como estamos vendo este ano. Um resultado conexo será a seca na
medida em que as geleiras se derretam e deixem de alimentar os rios nos quais
foram construídas represas para gerar energia elétrica”, escreve Michael
Hudson, professor de economia da Universidade de Kansas City e ex-analista de
Wall Street.
“A aparente ironia é que
estes efeitos do aquecimento global e o clima extremo se tornaram um baluarte
do aumento do PIB dos Estados Unidos. Os custos de limpeza da poluição do ar e
da água, os gastos de reconstrução das moradias inundadas, a destruição das
colheitas, o aumento do custo do ar condicionado, a propagação de insetos
nocivos e o aumento dos custos médicos podem explicar em grande parte o
crescimento, a partir do ano de 2008”, comenta Hudson.
O controle do petróleo foi
durante muito tempo um objetivo chave da política exterior dos Estados Unidos.
Os acordos climáticos de Paris (e qualquer outro programa verde) para reduzir o
aquecimento global é considerado uma ameaça aos mercados energéticos
dependentes do petróleo que estão sob o controle dos Estados Unidos.
Como é fácil presumir, o
poder econômico e, portanto, político da indústria petroleira bloqueou qualquer
iniciativa para deter a mudança climática. Estas empresas não apenas obtêm
lucros com a energia, como também com a poluição plástica.
A fatal combinação da
“segurança nacional estadunidense” e o lobby da indústria petroleira estão
ameaçando destruir o clima do planeta. O aumento do nível do mar, da
temperatura e as secas são considerados simplesmente um dano colateral na
geopolítica do petróleo. Nos últimos anos, o Departamento de Estado destituiu os
diplomatas que se atreveram a denunciar o impacto negativo do aquecimento
global.
De fato, a nova Guerra Fria
para isolar a Rússia, Irã e Venezuela tem como objetivo aumentar a dependência
estrangeira do petróleo estadunidense, britânico e francês. O que está fazendo
os estrategistas estadunidenses “disciplinar” os países que negam a aceitar sua
hegemonia.
Com o objetivo de controlar o comércio mundial
de petróleo – e o manter dolarizado –, os Estados Unidos derrubaram o governo
iraniano, em 1953, invadiu o Iraque, em 2003, e agora pune o Irã, ao mesmo
tempo em que apoia a Arábia Saudita e a sua legião estrangeira wahabi na Síria,
Iraque e Iêmen.
Há mais de sessenta anos, a
CIA e a Grã-Bretanha uniram forças para derrubar o presidente eleito do Irã,
Mohammed Mossadegh, com a finalidade de impedir que nacionalizasse a
Anglo-Iranian Oil Company. Uma estratégia similar explica as tentativas dos
Estados Unidos de “mudar os regimes” da Venezuela e da Rússia.
Ao mesmo tempo em que a
diplomacia militar dos Estados Unidos tenta fazer com que outros países
dependam do petróleo (que suas grandes companhias controlam), o estado
norte-americano se propôs, há muito tempo, a autossuficiência energética.
Nos anos 1970, a
Administração de Pesquisa e Desenvolvimento Energético (ERDA) desenvolveu um
desastroso plano para promover a independência energética da América do Norte,
aproveitando as areias betuminosas do Athabasca, no Canadá. (Eu era o
economista principal do Instituto Hudson que avaliava os planos da ERDA, e fui
afastado do estudo quando apontei os problemas que o excesso de consumo de água
provocaria).
Hoje, está claro que o
subproduto da autossuficiência energética faz com que a água se torne mais
escassa e mais cara. A fratura hidráulica polui os recursos hídricos locais e
desperdiça um imenso fluxo de água doce no processo produtivo.
Embora ninguém medianamente
lúcido possa negar a mudança climática, nada mudou na diplomacia petroleira dos
Estados Unidos.
Porque Washington não se
preocupa que toda a Europa seja sufocada com uma onda de calor sem precedentes
ou que as cidades norte-americanas sejam devastadas pela seca, os incêndios
florestais e as inundações?
O petróleo na balança de
pagamentos dos Estados Unidos
O petróleo foi durante muito
tempo um dos principais suportes ao comércio dos Estados Unidos e, portanto,
não apenas protege a capacidade do dólar para controlar o comércio
internacional, como também permite manter a enorme quantidade de gastos
militares do Pentágono.
Em 1965, realizei um estudo
para o Chase Manhattan Bank e descobri que em termos de balança de pagamentos,
cada dólar investido na indústria petroleira é recuperado em apenas 18 meses.
Vejamos o motivo. Quando os
Estados Unidos importam petróleo do estrangeiro, esta compra é realizada apenas
com as grandes petroleiras estadunidenses (e suas subsidiárias) por motivos de
“segurança nacional”. Só uma pequena proporção do preço é paga em moeda
estrangeira.
As companhias estadunidenses
compram petróleo cru de suas subsidiárias a preços muito baixos, e atribuem
todo o pagamento a suas filiais navais, junto com os custos de envio, frete,
dividendos, juros, encargos administrativos, investimento de capital e
depreciação.
A maior parte do que é
considerado investimento estadunidense em petróleo assume a forma de
exportações de maquinaria, materiais e administração, razão pela qual, na
realidade, não representa um fluxo de saída de dólares. O “milagroso” efeito é
obter importações de petróleo a um custo mínimo para a balança de pagamentos.
Agora, como as tecnologias de energia solar e
alternativas “amigáveis com o meio ambiente” não contribuem para a balança de
pagamentos – da mesma forma que a indústria petroleira –, estas opções foram
menosprezadas pelos estadunidenses. (O resultado é que hoje a China assumiu a
liderança no desenvolvimento destas tecnologias).
Desde 1974, disseram para a
Arábia Saudita e os países árabes vizinhos que podem cobrar o preço mais alto
que desejarem por seu petróleo. Quanto mais alto for o preço que cobrarem,
maiores serão os lucros para os produtores estadunidenses de petróleo.
A “condição” é que devem
reciclar seus ingressos no mercado financeiro estadunidense. Estes países são
obrigados a manter suas reservas de divisas e a maior parte de sua riqueza
financeira em valores, ações e bônus do Tesouro dos Estados Unidos. Uma perda
do controle do petróleo prejudicaria este fluxo circular de lucros para os
mercados financeiros estadunidenses que sustentam os preços das ações em Wall
Street.
Há muito tempo, as companhias
petroleiras dos Estados Unidos registraram o refinamento e distribuição do
petróleo no Panamá e na Libéria. Este fator reforçou o poder econômico da
indústria petroleira, já que estas grandes corporações evitaram o pagamento de
impostos mediante suas “bandeiras de conveniência”, situadas em centros
bancários extraterritoriais.
Há mais de cinquenta anos, o
tesoureiro da Standard Oil of News Jersey me explicou como a indústria
petroleira pretendia obter seus lucros nos paraísos fiscais que não tinham
imposto sobre a renda: pagando um preço baixo aos países produtores de petróleo
e cobrando um preço alto das refinarias e empresas de comercialização.
Isto significa que há bem
poucas possibilidades de se evitar a evasão fiscal. De fato, os políticos
corruptos e uma oligarquia criminosa mundial são os principais beneficiários da
indústria petroleira e mineira. Portanto, fragilizar o poder do lobby para
impedir a evasão fiscal afetaria diretamente o tremendo poder econômico e
político da indústria petroleira.
A política exterior
estadunidense se baseia em fazer com que outros países dependam do petróleo dos
Estados Unidos
A estratégia dos Estados
Unidos é fazer com que outros países dependam de uma matéria vital como o
petróleo, desta maneira, podem aplicar um torniquete econômico quando
considerarem conveniente.
O primeiro exemplo foram as
sanções alimentares impostas à China, nos anos 1950, para estimular a
resistência à revolução liderada por Mao.
Se outros países produzem
energia solar, eólica e nuclear serão independentes da diplomacia petroleira
dos Estados Unidos. Isto explica por que a Administração Trump se retirou do
acordo climático de Paris para frear o aquecimento global.
Na realidade, esta política e
a autossuficiência energética que Washington se propôs possuem um complemento
estratégico: a Europa deve se tornar totalmente dependente do Freedom Gas
estadunidense. Também não deve permitir a construção do gasoduto Nord Stream 2,
que lhe permitiria obter gás a um preço muito mais baixo da Rússia.
A Administração Trump
sustenta que para evitar a dependência da Rússia, a Europa deveria comprar o
gás e o petróleo dos Estados Unidos a um preço cerca de 30% mais alto. “Estamos
protegendo a Alemanha da Rússia, no entanto, a Rússia continua recebendo
milhares de milhões de dólares da Alemanha”, queixou-se Trump aos jornalistas
da Casa Branca, durante uma reunião com o presidente polonês Andrzej Duda.
Nesta mesma linha, no dia 31
de julho de 2019, a Comissão de Relações Exteriores do Senado votou por 20 a 2
em prol da Lei de Proteção da Segurança Energética da Europa, patrocinada pelo
republicano Ted Cruz e a democrata Jeanne Shaheen.
Aquecimento global e
contabilidade do PIB
Uma temperatura mais quente
significa maior taxa de evaporação e, portanto, mais chuva, tornados e
inundações, como estamos vendo este ano. Um resultado conexo será a seca na
medida em que as geleiras se derretam e deixem de alimentar os rios nos quais
foram construídas represas para gerar energia elétrica.
A aparente ironia é que estes
efeitos do aquecimento global e o clima extremo se tornaram um baluarte do
aumento do PIB dos Estados Unidos. Os custos de limpeza da poluição do ar e da
água, os gastos de reconstrução das moradias inundadas, a destruição das
colheitas, o aumento do custo do ar condicionado, a propagação de insetos
nocivos e o aumento dos custos médicos podem explicar em grande parte o
crescimento, a partir do ano de 2008.
Os neoliberais comemoraram o “Fim da História”,
após a dissolução da União Soviética, em 1991, prometendo uma era de
crescimento porque “o mercado” se tornaria o planificador mundial. Mas, não
explicaram que este crescimento seria produto da indústria petroleira e de
outras empresas de extração que vivem dos lucros de curto prazo e que,
portanto, obtêm seus lucros à custa de hipotecar o futuro da humanidade e do
planeta terra.
Quais fatores deveriam ser
enfatizados por uma política verde?
Como brincava Mark Twain:
“Todo mundo fala do tempo, mas ninguém faz nada a respeito”. No mundo político
de hoje, fazer algo em relação ao aquecimento global significa enfrentar um
conjunto de gigantes das finanças que vão além da indústria do petróleo e do
gás.
Uma coisa é dizer que o
aquecimento global ou a mudança climática são ameaças existenciais para a
civilização e as economias atuais. Outra muito diferente é resolver o problema
realmente, fazendo uma reforma econômica e mudando a política de “segurança
nacional” dos Estados Unidos.
Um programa verde não pode
ter êxito sem confrontar esta política de “segurança” que se assenta na
supremacia petroleira dos Estados Unidos
Para todos os efeitos
práticos, a segurança nacional estadunidense se tornou uma guerra que ameaça a
segurança de todo o mundo. Quando ameaçam “congelar” os países que não seguem sua
política, os Estados Unidos estão queimando a si mesmos, junto com o restante
do planeta.
Deter o aquecimento global
requer uma política fiscal que acabe com os privilégios que promovem os lucros
da indústria petroleira, incluindo, é claro, as “bandeiras de conveniência” dos
centros bancários offshore que são utilizados como meio para sonegar impostos.
Um programa verde deveria
incluir um imposto sobre a renda adquirida pela extração dos recursos naturais
(um imposto que os economistas clássicos defenderam ao longo do século XIX).
Também deveriam fazer encargos pelas chamadas “externalidades”, ou seja, os
custos sociais que não contam no balanço geral das corporações.
As empresas deveriam ser
responsáveis por reembolsar a sociedade por estes custos.
Aplicar um imposto sobre o
uso do petróleo aumentaria o preço da gasolina, mas não deterá o consumo em
curto prazo porque os condutores de automóveis e grande parte dos serviços
públicos estão presos nos investimentos de capital que utilizam petróleo.
Uma resposta eficaz seria
reduzir a rentabilidade do petróleo, impedindo a evasão fiscal e as “bandeiras
de conveniência” que criaram os grupos de pressão da indústria. A
“contabilidade da indústria petroleira” é muitíssima mais obscura que a
“contabilidade de Hollywood” e a contabilidade imobiliária ao estilo de Donald
Trump.
Este problema é tão grave que
hoje obter lucros sem pagar impostos sobre a renda se generalizou tanto que já
é ‘uma prática mafiosa habitual’ utilizada pelos gigantes da informática, da
indústria e dos bens de raízes.
Contudo, acabar com sonegação
de impostos pode ameaçar a “segurança nacional”, segundo as elites de
Washington. De acordo com sua visão, convém ao “interesse nacional” atrair o
capital mundial (e criminoso) para estes enclaves de “livre comércio”, que
servem para o balanço de pagamentos dos Estados Unidos.
As corporações mais ricas do
mundo e os sonegadores de impostos estão fortemente alinhados contra uma
política econômica que ajudaria a reduzir a pegada mortal do carbono, para além
do consumo de petróleo e gás.
Portanto, para implementar
com êxito uma política ecológica é necessário combater uma ampla gama de
interesses criados. Os empresários citarão sem vergonha “a ideologia do livre
comércio” para justificar seus lucros a curto prazo, sem se preocupar pelo
desastre climático que estão causando.
Isto faz que com a tarefa
seja muito mais difícil, pois coloca em evidência os limites dos programas do
capitalismo verde.
Na Islândia e na Alemanha, os
partidos verdes são neoliberais. Suas políticas são centristas e conservadoras
quando se trata dos bancos e o setor financeiro. De fato, apoiaram uma bonança
baseada no mercado de direitos de comércio do carbono, que são comprados e
vendidos pelos especuladores de Wall Street.
O problema é que estas
soluções “baseadas no mercado” fracassaram, porque os mercados são a curto
prazo e não levam em conta as “externalidades”. Os verdes estão dispostos a
criticar a “ideologia de mercado”?
Sem enfrentar este desafio, o
que os partidos verdes e socialdemocratas fazem é “acariciar as costas de seus
eleitores” para que se sintam bem, mas, na realidade, não farão nada para
resolver realmente o problema subjacente.
Ao que parece, o “Fim da
História”, que era celebrado como a vitória do livre mercado sobre a União
Soviética, se tornou o “Fim dos Tempos”… do capitalismo neoliberal. E claro…, o
que aparentemente não tem mais discussão é que estamos vivendo uma crise
integral da civilização ocidental. (ecodebate)