sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mata ciliar – parte II

Mata ciliar – parte II: efeito oásis e consumo de água
Voltando, com este segundo artigo, para discutir aspectos científicos e técnicos relacionados com as relações da mata ciliar com as nascentes e os cursos d’água, começo transcrevendo um texto e apresentado uma informação.
O texto, extraído de “A floresta e a água”, disponível no Google, diz o seguinte: “Em regiões semiáridas, onde a água é limitante, a presença da mata ciliar pode significar um fator de competição. Isso se deve ao fato de que as árvores das matas ciliares apresentam suas raízes em constante contato com a franja capilar do lençol freático. Nesse caso, o manejo da vegetação ripária pode resultar numa economia de água. No caso de se pensar em aumentar a produção de água de uma bacia mediante o corte da vegetação da mata ciliar em regiões semiáridas, deve-se considerar que a eliminação da vegetação deve ser por meio de cortes seletivos e jamais por corte raso. Isso porque as funções básicas das matas ciliares, manutenção de habitat para fauna, prevenção de erosões e aumento da temperatura da água devem ser mantidas. Na região sul do Brasil, onde o clima é subtropical sempre úmido, e chove em média 1350 mm por ano, a competição das matas ciliares não compromete a produção de água nas bacias hidrográficas a ponto de serem feitos cortes rasos”.
A informação foi extraída do livro “Água subterrânea – Uma introdução” do geólogo Dagfin John Cedestron que ministrou hidrologia para o primeiro curso de Geologia, da então Escola Nacional de Geologia, entre 1961 e 1963. Nele o prof. Cedestron faz referências a plantas de raízes profundas e que são capazes de provocar abaixamento de lençóis freáticos. Cita trabalho feito por dois pesquisadores norte-americanos, em 1965, mostrando que árvores de carvalho provocavam abaixamentos significativos de lençóis freáticos, pela transpiração daria, chegando a valores de 495.000 litros por dia e por hectare.
O texto e a informação foram escolhidos de propósito, pois o texto é recente e a informação mostra que o assunto tem raízes bem mais antigas. Os norte-americanos já conhecem o fenômeno desde a primeira metade do Século 20. O que eu quero deixar claro, antes de tudo, é que as discussões que serão desenvolvidas a seguir têm sido preocupações de pesquisadores e de instituições já há muito tempo. Mas exposta a preocupação, vamos analisar as razões do consumo de água pelas matas ciliares.
Figura 1 – Relações entre mata ciliar e aquífero
Comecemos pela Figura 1, onde está representada uma encosta com mata ciliar e o córrego no fundo do vale (ac e c, respectivamente). Também está representado o aquífero (lençol) subterrâneo (aq), responsável pelo abastecimento do córrego. Já foi dito, no outro artigo (parte I), que as vazões de estiagem são mantidas pelos volumes de água das partes mais distantes do aquífero e que se deslocam lentamente para o córrego. Com tal movimento, enquanto houver água no aquífero, haverá, também, presença de água subterrânea na área ripária, onde está a mata ciliar. Como está no fundo do vale, onde o aquífero está emergindo, garantindo o córrego, é normal que ele esteja, aí nessa região ripária, a pequena profundidade. Imaginemos, agora, que as árvores formadoras da mata ciliar tenham raízes que possam chegar próximas da superfície do aquífero, pelo menos até a região conhecida por “franja capilar” (fc), onde a presença da água é garantida pela ação de capilares do solo que estão em contato com a superfície do aquífero. Nessas condições, e em períodos secos e com bons níveis de energia no meio, como ocorre em muitas regiões brasileiras, as árvores terão todas as facilidades para absorver e transpirar grandes volumes de água do aquífero para a atmosfera, pois as taxas de transpiração dependem de duas disponibilidades ambientais: água no solo e energia no meio. Em toda região Sudeste, por exemplo, é comum termos, no final de agosto e no mês setembro, temperaturas bem altas, indicando bons níveis de energia no meio, e ausência de chuvas, ou com chuvas muito esparsas. O consumo de água pela mata ciliar pode ser alto, nesses casos, concorrendo com os volumes destinados ao córrego. As vazões passam a ser menores. E apesar de o texto transcrito no início do artigo dizer que o consumo de água pela mata ciliar só ocorre em regiões semiáridas, isso não é totalmente verdade, pois mesmo na região Sul tudo está na dependência das variações climáticas.
Mas vamos adicionar mais uma preocupação nossa, que trabalhamos com hidrologia de pequenas bacias. Se a época é de final de período de estiagem, a região do entorno da área ripária (assinalada como “as” na Figura 1), está sem água no solo para as plantas transpirarem. Portanto, a energia que seria utilizada na evapotranspiração, nesse entorno, está sobrando no meio. Como a energia na área ripária está sendo consumida na transpiração, porque tem água disponível, também, ela fica mais fria do que o entorno, provocando o deslocamento de energia deste para aquela (caminho indicado pelas setas representadas por “E”). Passa a haver, por isso, um excesso de energia disponível para a mata ciliar carregar na transpiração, e o coitado do córrego acaba pagando o pato, quase secando, às vezes, quando o aquífero não for muito rico em volume d’água. O fenômeno descrito recebe o nome de “efeito oásis”, muito conhecido na irrigação, pois áreas irrigadas em ambientes secos podem ter o mesmo comportamento. 
Figura 2 – Foto de mata ciliar sob efeito oásis
A foto da Figura 2 mostra mata ciliar em desenvolvimento ao longo de um pequeno córrego (com vazão média de estiagem igual a 80 litros por minuto), que drena uma pequena bacia. É caso típico de efeito oásis, podendo ser notado que as árvores maiores ou mais próximas do córrego (que está no meio da faixa de vegetação) estão demonstrando pleno vigor vegetativo. A foto foi tirada em 10/09/2011 e a região está com bons níveis de energia no meio há mais de trinta dias.
Mas será que todas as matas ciliares, em quaisquer situações, apresentam os comportamentos discutidos? Claro que não! Daí a nossa preocupação em mostrar como o fenômeno se desenvolve, permitindo que ele seja analisado para ecossistemas específicos. Um exemplo de exceção pode ser o dos córregos encaixados em áreas rochosas, onde a vegetação ripária tem sistema radicular desenvolvido em substrato raso, formado essencialmente da decomposição de resíduos produzidos pela própria vegetação, como folhas e galhos. As poucas raízes que penetram em fendas e falhas não são suficientes para a retirada de muita água. Esta situação é muito comum em regiões serranas. O problema, portanto, é de fundamentação científica e de uso de tecnologias apropriadas para otimização dos resultados esperados. Se a vegetação ripária consome muita água, proporcionalmente à vazão do córrego, e se tal consumo estiver prejudicando a disponibilidade necessária ao consumo humano, por exemplo, ela não deveria existir. Se por problemas ambientais ou meramente legais (?), isso não for possível, a pequena bacia precisa ser trabalhada com tecnologias capazes de contrabalançar tais consumos. O que não pode acontecer é a crença cega de que a simples presença da mata ciliar (às vezes com a mata de topo) pode ser medida suficiente para garantir quantidade de água em épocas de estiagens, ideia ainda muito comum até mesmo em meios científicos não afeitos ao assunto, mas que cometem a indelicadeza de emitirem opiniões com base em conceitos genéricos.
Chegando a este ponto, e para não alongar mais o artigo, tornando-o cansativo, eu decidi que precisarei escrever outro texto para dar conta de discutir aspectos que faltam nos assuntos que prometi no final de “Mata ciliar – parte I: da metragem ao sonho”. E ele virá com o título de “A vegetação, o solo e a água em pequenas bacias hidrográficas”. Até lá, então. (EcoDebate)

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