quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Água, os cientistas e as tecnologias de manejo

A Água, os cientistas e as tecnologias de manejo de bacias hidrográficas
Confesso, para começar, que ando um pouco cansado desta história ‘hilariante’ que envolve as discussões sobre o novo Código Florestal. Além dos políticos, dos ambientalistas e dos ruralistas, até os cientistas se envolveram mal nessa batalha, que tem tudo para terminar com cheiro de água podre. Mas o uso do cachimbo acaba entortando a boca e aqui estou eu de novo, batendo bumbo, como diz o Henrique Cortez, nosso anfitrião aqui no Portal EcoDebate.
Com respeito aos cientistas, vale lembrar que os tempos atuais, com a ampliação do horizonte científico e com a rapidez com que as descobertas se multiplicam, não há mais lugar para a existência de pessoas querendo ser novas versões de Leonardo da Vinci.
Infelizmente, nas discussões do Código Florestal, vemos a qualificação de cientista como sendo uma pessoa apta a dar palpites sobre assuntos para os quais não têm preparo prévio. Vemos biólogos, por exemplo, falando em comportamentos de ciclos hidrológicos em bacias hidrográficas, não de maneira genérica, o que ainda poderia ser aceitável, mas com ares de que transmitem conhecimentos científicos. Tal comportamento é grave, pois pode estar passando para a sociedade uma versão equivocada dos fenômenos hidrológicos. Ao colocarem a mata ciliar como ícone da salvação de nascentes e cursos d’água, podem induzir os produtores rurais a acreditarem que elas são suficientes, provocando o desprezo dos trabalhos de conservação em outras áreas de importância para o abastecimento dos aquíferos subterrâneos. O mesmo erro, repetido à exaustão, é o que nomeia topos de morros como sendo as áreas de recarga de aquíferos. Em resumo, nas versões vendidas (até por muitos cientistas de outras especialidades), se protegidos os topos e as áreas ciliares, a produção de água estará garantida. A bacia hidrográfica passa a ser, nestas versões, apenas um acidente geográfico, servindo de endereço para os cursos d’água.
As chuvas, ao atingirem a superfície de uma pequena bacia hidrográfica, por exemplo, precisam ter a maior parte possível dos seus volumes de água retidos e infiltrados nos pontos de queda. Não há nenhuma lógica em justificar a mata ciliar como elemento de retenção de enxurradas (água + partículas de solo arrastadas). É como usar analgésico para aliviar a dor em vez de antibiótico para curar a infecção. E o manejo de bacias hidrográficas, multidisciplinar, tem o objetivo básico de analisar o comportamento hidrológico da bacia e propor tecnologias de conservação adequadas às condições físicas e socioeconômicas existentes e reinantes.
O manejo de bacias está em consonância com a Lei 9.433 (Lei das Águas) que diz que a bacia deve ser a unidade básica de planejamento para produção e uso de água. Se quiserem apontar a mata ciliar e de topo como unidades fundamentais para a fauna e a biodiversidade, tudo bem, não é minha especialidade e não discuto, mas deixem de lado muitas ilações que são feitas com relação a suas importâncias hídricas. Aí existem prós e contras que precisam ser analisados caso a caso e por quem entende do assunto. Num sistema já alterado pela atividade humana, os fluxos de energia, responsáveis pelo desenvolvimento do ciclo hidrológico em determinada área, não se comportam mais como no antigo estado natural e alguns capões de mata aqui ou ali podem ter comportamentos muito diversos daqueles esperados, com base na memória passada.
Há muitos casos de pequenas bacias que, ao serem novamente cobertas com florestas, formando uma ilha de vegetação no meio de áreas exploradas, acabam por secar os cursos d’água previamente existentes. Já discutimos isso aqui no EcoDebate, no artigo “A vegetação, o solo e a água em pequenas bacias hidrográficas”, publicado em 19/10/2011.
Há muitas tecnologias de conservação capazes de fazer com que ecossistemas hidrológicos funcionem bem, mesmo na ausência de florestas, pois elas, felizmente, não têm mais a primazia absoluta de proteção de recursos hídricos. No caso de áreas rurais, eu mesmo acabo de publicar um livro sobre os fundamentos hidrológicos de conservação de nascentes, com exemplos de tecnologias aplicáveis. O Álvaro Rodrigues dos Santos, por sua vez, já publicou recentemente, aqui no EcoDebate, uma série de artigos apontando soluções aplicáveis ao meio urbano, visando retenção de enxurradas em seus pontos de origem.
O jornalista André Trigueiro, em uma série de programas de televisão, com o título de Cidades e Soluções, tem mostrado inúmeras tecnologias de conservação ambiental, incluindo as relacionas com o uso racional da água, que merecem ser vistos e analisados. Não há nenhuma necessidade, portanto, de ficarmos a mercê de legislações que generalizam soluções para um território cheio de especificidades ambientais. Não há nenhuma razão, também, para tirarmos os problemas ambientais das respectivas áreas tecnológicas e jogarmos nas promotorias e nos juizados. Já temos uma massa de cientistas (relacionados com o assunto) e de profissionais capazes de realizar excelentes trabalhos de conservação ambiental. É só acreditar nisso e substituir parte da fiscalização por inovações e assistência técnica.
Como há grande preocupação com o pensamento do mundo sobre nossas decisões, vale mencionar que em regiões montanhosas de países como Portugal, Espanha e França há rios com ótimas vazões, e límpidos, provenientes de regiões que cultivam a terra em encostas íngremes, até nas áreas ripárias. Mantêm casas e outras benfeitorias aí, sem os danos hidrológicos catastróficos que são previstos por aqui. Basta, primeiramente, que as cidades parem de jogar todo o esgoto diretamente nos cursos d’água e que programas de assistência técnica repassem, aos produtores rurais, as tecnologias apropriadas ao uso racional da terra, dentro de programas de zoneamento ecológico e de políticas agrícolas adequadas aos vários ecossistemas brasileiros. (EcoDebate)

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