segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Temor de esvaziamento ronda a Rio+20

A seis meses do início da Rio+20, a hipótese de esvaziamento da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável já é comentada abertamente por algumas autoridades. Apesar da expectativa de que o encontro não vá resultar em um documento impactante, a ONU mantém a previsão oficial de que será a maior conferência realizada pela entidade e o Itamaraty informa que pretende receber de 100 a 120 chefes de Estado e de governo no Rio entre os dias 20 e 22 de junho de 2012.
Além da questão do temor de fracasso político da Rio+20, consulados e embaixadas relatam apreensão em relação aos preparativos para o evento. O Manual Operativo da Conferência, por exemplo, prometido pelo governo brasileiro para setembro, ainda não foi apresentado. Numa reunião em agosto, o convite oficial para chefes de Estado e de governo foi anunciado para antes da participação da presidente Dilma Rousseff na Assembleia-Geral da ONU, no fim de setembro, mas ainda não chegou.
O Itamaraty atribui os atrasos à mudança de data da conferência - do período de 28 de maio a 6 de junho para 13 a 22 de junho de 2012. O motivo foi a coincidência com as comemorações dos 60 anos de coroação da rainha Elizabeth II. Com o objetivo de garantir a presença de número significativo de chefes de Estado e de governo, Dilma solicitou a mudança. Apesar de acordada com o secretário-geral da ONU, a decisão necessita de aprovação pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, o que deverá ocorrer até o fim do ano.
Um diplomata de um país europeu no Rio disse ter a impressão de que a ONU entrou tarde no processo. Para ele, a coordenação não funciona plenamente. A ONU informou que a parte logística é de responsabilidade do anfitrião e não comentou.
Apesar de algumas indefinições na parte logística e do sigilo em relação ao orçamento total para a Rio+20 - o Itamaraty não divulgou valores, sob alegação de que isso teria impacto em licitações que estão em curso -, uma coisa é certa: não haverá tanques de guerra voltados para favelas, como ocorreu há duas décadas, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio em 1992, que teve a presença de 109 chefes de Estado.
'Haverá segurança ostensiva onde for necessário, mas não será como na Rio-92. Estamos em outro tempo, com mais segurança', disse o ministro Laudemar Aguiar, secretário nacional do Comitê Nacional de Organização da Rio+20. Estão previstos 50 mil credenciados, entre delegações oficiais, imprensa e representantes da sociedade civil.
Internamente, a questão do transporte é vista como 'grande desafio'. Está em estudo a decretação de feriado escolar na cidade, além da criação de pistas dedicadas aos comboios e ônibus que levarão delegações e participantes credenciados dos hotéis na zona sul para a zona oeste.
Não foi apenas a data da Rio+20 que mudou. O local também. Inicialmente, a prefeitura sugeriu que a conferência fosse realizada no Porto do Rio. Em janeiro de 2010, o prefeito Eduardo Paes disse que o Museu do Amanhã seria um 'ícone da conferência', mas as obras no Píer Mauá atrasaram e o museu projetado pelo espanhol Santiago Calatrava só começou a ser construído no mês passado. A ONU decidiu transferir a Rio+20 para o Riocentro, na Barra da Tijuca, zona oeste.
'Houve ajustes e está tudo sob controle', afirma Aguiar sobre a questão logística. Ele projeta a vinda de 100 a 120 chefes de Estado, diz que o governo está preparado para receber um número ainda maior, mas reconhece que a participação internacional depende das negociações. No entanto, afirma que o Brasil 'está confiante de que será possível chegar a resultados positivos'.
Grande risco. Ex-secretária nacional de Mudanças Climáticas e atual representante do governo do Rio na Comissão Nacional para a Rio+20, a pesquisadora Suzana Kahn é direta ao avaliar possíveis resultados da conferência: 'Tem um grande risco de a Rio+20 ser um evento sem consequência nenhuma', diz ela. Suzana, que integra o Painel do Clima da ONU, participou da Eco-92, da Rio+5, da Rio+10, da Rio+15 e de todas as conferências de clima da ONU desde Kyoto. 'A realidade é completamente diferente da época da Eco-92, quando foram criadas convenções e havia uma série de produtos muito importantes. Agora, não tem nada prático e objetivo que vá sair da Rio+20. Só isso já dá uma sensação de esvaziamento', disse.
Por outro lado, diz ela, isso faz com que os participantes tenham uma responsabilidade maior, de usar o espaço para buscar outros arranjos. 'Precisamos ser criativos para não perder essa oportunidade. A Rio+20 pode resgatar outros pilares, o econômico e o social. Se não é esperado um documento oficial impactante das partes, isso favorece termos um documento em que Estados e regiões concordem em realizar ações.'
Abismo. O economista Sérgio Besserman, presidente do Grupo de Trabalho para a Rio+20 da prefeitura do Rio, avalia que a conferência poderá ser frustrante do ponto de vista da declaração política final, mas também pode ter surpresas. 'O mais importante é o que já está assegurado: vamos ter aqui uma representatividade muito grande da sociedade civil planetária cobrando da ONU posicionamento e, se possível, ações. Isso vai ocorrer na cidade inteira.'
Para ele, o conjunto de eventos e processos relacionados ao tema da Rio+20 terá mais impacto que o resultado oficial. Segundo Besserman, a grande notícia será o abismo entre a demanda que será apresentada pela sociedade civil global e a capacidade da governança de ofertar alguma coisa. Ele avalia que o resultado de Durban traz o tema das mudanças climáticas de volta para a mesa, e a Rio+20 será o momento de a sociedade civil dizer aos governantes que eles 'estão muito aquém não do desejado, mas do indispensável'. 'Resultado efetivo não vai trazer muito não, mas a gente vai esquentar a orelha de muita gente. A imagem que o Rio vai mostrar é a de um Brasil engajado.'
Para o físico José Goldemberg, que foi secretário de Ciência e Meio Ambiente da Presidência da República na época da Eco-92, as perspectivas da Rio+20 não são muito promissoras, a menos que os movimentos sociais e ambientalistas façam pressão.
'O Brasil vai ter de fazer muita força para atrair um número significativo de chefes de Estado para a conferência', avalia. 'Há crise e as pessoas estão menos interessadas em discutir, porque sabem que qualquer coisa que se decida vai custar dinheiro. Por outro lado, há governos realmente preocupados com a questão climática. E há também, a meu ver, uma falta de liderança na própria ONU, que é prejudicial', acrescenta.
Para o ambientalista Carlos Henrique Painel, o governo está prevendo que o encontro oficial 'micou' e por isso decidiu organizar os eventos informais chamados de 'Diálogos da Sustentabilidade', previstos para ocorrer de 16 a 19 de junho, com 'ampla participação da sociedade civil'. 'Ninguém quer o nome do Rio associado a um fracasso. Por isso estão tentando tirar o peso do evento oficial', afirma Painel.
Segundo ele, as ONGs pretendem repetir a localização de 1992 e concentrar a Cúpula dos Povos (correspondente ao Fórum Global da Eco-92) no Aterro do Flamengo, na zona sul. O Itamaraty, no entanto, reservou vários outros espaços para eventos da sociedade civil, espalhados pelas zonas oeste, norte e central. (OESP)

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