sexta-feira, 17 de julho de 2015

O engano de negar a mudança climática

Graças à demora de mais de 20 anos na ação para reduzir as emissões globais de carvão já aumentamos significativamente a probabilidade de que o prejudicial aquecimento do planeta obrigue a realizar aquelas intervenções governamentais que eles [os negacionistas da mudança climática] tanto temem e tratam de evitar. (…) O significado disto é que o trabalho atual dos negacionistas do clima só ajuda a garantir que estaremos menos preparados para enfrentar o impacto total da mudança climática, o que por sua vez leva a cada vez maiores intervenções do Estado. Formulemo-lo de outra maneira: os negacionistas do clima estão fazendo todo o possível para criar o pesadelo que mais temem.”
Naomi Oreskes é professora de História da Ciência e professora associada de Ciências da Terra e do Planeta na Universidade de Harvard.
Quando estou com o meu neto, que ainda não completou três anos, sua ideia de diversão é brincar de esconde-esconde. Ele procura esconder-se atrás de uma árvore pequena demais para escondê-lo ou na entrada de uma casa onde está à vista enquanto eu ando por aí perguntando em voz alta onde será que ele se escondeu. Neste jogo há uma espécie de pensamento mágico e de negação da realidade que tem seu grande encanto.
Quando similares ações de negação são cometidas por adultos, quando se negam a ver o que está acontecendo na frente dos seus olhos – as calçadas e as estradas se derretendo na Índia, os reservatórios quase vazios em uma ressecada Califórnia, as chuvas extremas e as enchentes no Texas e em Oklahoma, as notícias de que o aquecimento global do ano passado foi um recorde histórico e que este ano já ameaça ser outro recorde, ou a de que o Alasca acaba de passar o maio mais quente de sua história, ou a de que 13 dos 14 anos desde que as temperaturas começaram a ser registradas aconteceram no século XXI, ou ainda a de que a suposta “pausa” no processo de aquecimento do planeta depois de 1998 foi uma fantasia –, o encanto se esfumaça rapidamente. Quando se descobre que por trás deste negacionismo da realidade há pelo menos 125 milhões de dólares de dinheiro ilícito, esse encanto se esfumaça ainda mais rapidamente.
Em apenas três anos, fontes conservadoras não identificadas postaram números alucinantes em um sítio da internet de laboratórios de ideias e grupos de ativistas que se dedicam a promover a negação da mudança climática (nesses números não estão incluídas enormes somas que a Grande Indústria Energética continua injetando na promoção do negacionismo, como vem fazendo desde a década de 1980). Em outras palavras, alguns dos interesses mais poderosos e lucrativos do mundo estão resolvidos a negar a realidade com uma notável ferocidade, com a finalidade de confundir o público e obstaculizar qualquer ação ou movimento que pretenda proteger o meio ambiente do planeta que sempre alimentou a humanidade. É um espetáculo carente de qualquer encanto.
Os bens financiados negacionistas da mudança climática e os políticos que os apoiam (que, por sua vez, são apoiados pelo mesmo conjunto de financistas) gritam repetidamente “engano”. A verdade é que eles são o engano e de momento, para onde quer que olhemos veremos que estão à entrada de uma casa próxima, desnudos e bem à vista. Mesmo assim, com o apoio de tanto dinheiro, controlam o Partido Republicano e o Congresso com maioria republicana em ambas as câmaras (hoje, por exemplo, 72% dos senadores republicanos negam a mudança climática). Isto significa que para o grupo cada dia maior de candidatos à presidência pelo Partido Republicano, a frase “Eu não sou cientista, mas…” seguida de dúvidas ou da negação da ciência do clima será um tópico do ano eleitoral de 2016. Não poderia ser um quadro mais sombrio, embora seja cada vez mais possível que nas décadas vindouras vivamos uma mudança do clima cada vez mais rápida devido à emissão de gases de efeito estufa.
Isto significa, evidentemente, que confrontar-se diretamente com os negacionistas da mudança climática não poderia ser mais importante. Por esta razão, Tom Tispatch tem a sorte de poder contar outra vez com a historiadora da ciência Naomi Oreskes – que testemunhou recentemente na comissão do Congresso controlada pelos republicanos na qual militam numerosos negacionistas do clima – para rebater suas falsas alegações, fantasias e mentiras.
Junto com Erik Conway, ela é coautora do já clássico Merchants of Doubt sobre os procedimentos utilizados pela corporação dos combustíveis fósseis, como já tinha feito anteriormente a indústria do tabaco, para criar a sensação pública de incerteza sobre o perigo dos seus produtos. Mais recentemente, novamente junto com Conway, escreveu The Collapse of Western Civilization: A View from the Future, um olhar retrospectivo sobre os efeitos do aquecimento global e do negacionismo climático do ponto de vista de um historiador de 2393.
De como a ciência “politicamente motivada” é uma boa ciência
Recentemente, o Washington Post publicou novos dados que mostravam algo que maioria de nós já sentíamos: que a maior polarização no Capitólio se deve à maneira como o Partido Republicano se inclinou para a direita. Os autores do estudo centram-se no senador John McCain para ilustrar esta questão. Para minha consternação pessoal, a odisseia política de McCain joga luz sobre o giro contra a ciência dos republicanos.
Embora hoje pareça impossível, na primeira metade do século XX o partido dos Republicanos era o partido que apoiava com mais força o trabalho dos cientistas; isso se devia ao seu reconhecimento das diferentes formas como a ciência podia sustentar a atividade econômica e a segurança nacional. Os democratas eram mais reticentes; costumavam ver a ciência como uma atividade elitista e preocupavam-se com os novos organismos federais como a Fundação Nacional da Ciência e o Instituto Nacional da Saúde chegaram a concentrar recursos das elitistas universidades da Costa Leste.
Nas últimas décadas, certamente, os republicanos se inclinaram para a direita em muitos temas e agora atacam com regularidade as descobertas científicas que ameaçam sua plataforma política. Na década de 1980, questionaram as provas da chuva ácida; na década de 1990, os ataques foram contra a ciência que se ocupava do ozônio; e neste século, lançaram os ataques mais ferozes não apenas contra a ciência que estuda o clima, mas também pessoalmente contra os próprios cientistas desta disciplina.
Embora o senador McCain não tenha se dedicado diretamente a atacar a ciência, teve um giro alarmante. Afinal de contas, junto com o senador democrata Joe Lieberman, apresentou as leis de administração climática de 2003, 2005 e 2007, que instituíam um sistema obrigatório de limitação e controle das emissões de gás estufa. Na época, estas leis foram apoiadas por muitos democratas e a maior parte dos grupos ambientalistas. No entanto, em 2010, McCain retrocedeu rapidamente e começou a negar sua própria lei e a insistir em que nunca havia apoiado uma limitação “em um nível determinado”. Agora defende o aumento das perfurações marinhas para a extração de gás e petróleo, e reclama que aspectos importantes da política energética devem ser deixados nas mãos do governo de cada Estado e das Administrações locais; além disso, criticou o presidente Obama e o secretário de Estado Kerry por proporem que a mudança climática deve ser um tema da segurança nacional, uma posição com a qual concorda o próprio Pentágono.
Mesmo assim, comparado com muitos de seus colegas, McCain parece um moderado; eles rechaçam a mudança climática por tratar-se de uma fraude e uma farsa, enquanto realizam indagações macarthistas sobre as atividades dos principais cientistas do clima. Muitos deles atacam a ciência do clima porque temem que seja utilizada para ampliar o âmbito da ação governamental.
Em uma audiência em que testemunhei no mês passado, membros republicanos da Comissão de Recursos Naturais denunciaram uma série de pesquisas científicas relacionadas com o cumprimento de leis ambientais já existentes por tratar-se de “ciência do governo”. Isto, sustentavam, significava que as leis eram – por definição – corruptas, politicamente enviesadas e irresponsáveis. A ciência em particular sob ataque envolvia os trabalhos realizados por – ou em defesa de – organismos federais, como o Serviço de Parques Nacionais, mas a ciência vinculada ao clima também teve seu quinhão de insultos.
À primeira vista, as acusações eram absurdas: o trabalho científico da maior parte das agências está sujeita a muito mais exame, explicação e fiscalização, incluindo vários níveis de revisão por pares, que a pesquisa científica. Pelo contrário, a pesquisa realizada sob o patrocínio da indústria muitas vezes não está sujeita a nenhuma responsabilidade pública.
No entanto, na preparação do meu testemunho me dei conta de que havia algo muito maior em jogo: a questão da própria ciência politicamente motivada. É frequente que se sustenha que a ciência ambiental realizada nos organismos federais esteja “politicamente enviesada” e, portanto, deve-se desconfiar dela. Dei-me conta de que era hora de desafiar a suposição de que essa ciência é uma ciência maligna. Embora defendida por amplos setores, é possível demonstrar que essa ideia é falsa. Além disso, a sugestão de que a “ciência do governo” é intrinsecamente problemática para os republicanos, que evitam o grande governo, ignoram o fato de que as maiores contribuições durante o século XX, ao menos nas ciências físicas, partiram justamente da ciência do governo.
A história mostra que muita – talvez a maior parte – da ciência é motivada por objetivos políticos, econômicos ou sociais. Boa parte da melhor ciência na história dos Estados Unidos esteve centrada em objetivos explicitamente políticos. Pensemos no Projeto Manhattan. Durante a Segunda Guerra Mundial, os cientistas se mobilizaram para resolver os detalhes da fissão nuclear, a separação de isótopos, a metalurgia a altas temperaturas e pressões, e muitas questões com o propósito de fabricar a bomba atômica. O objetivo político de deter Adolf Hitler e a sensação de que o mundo podia depender do êxito dessa missão proporcionaram uma poderosa motivação para a atividade científica.
Também há o programa espacial. O primeiro avanço no desenvolvimento de foguetes dos Estados Unidos foi para ameaçar a União Soviética com a destruição nuclear. O objetivo político de “conter” o comunismo foi um forte estímulo para os cientistas. Anos depois, o objetivo de manter a paz mediante a doutrina da destruição Mútua Assegurada também motivou os cientistas para garantirem que as armas que eles projetavam iriam ali onde foram enviadas e funcionariam como advertência de que chegariam ao alvo escolhido.
No programa Apollo, os cientistas da NASA sabiam que, trabalhando corretamente, não assegurariam apenas que nossos astronautas pusessem os pés na Lua, mas também que voltariam para casa. Saber que há vidas que dependem dos seus cálculos pode ser uma poderosa forma de promover responsabilidade.
Alguém poderia argumentar que todos esses projetos eram tecnológicos, não científicos, mas esta distinção significa bem pouco. Se tais projetos levaram a novas tecnologias, também estiveram fundados sobre ciência recentemente desenvolvida. Além disso, a política pode dirigir boa ciência mesmo na ausência de metas tecnológicas.
A teoria das placas tectônicas, por exemplo, é a teoria unificadora da moderna ciência da geodinâmica, que – também – foi uma produção política. O trabalho fundamental que favoreceu isto proveio da oceanografia implicada nos programas da Marinha dos Estados Unidos destinados a desenvolver procedimentos de detecção de submarinos soviéticos enquanto escondíamos os nossos. Da sismologia também surgiu o trabalho dos militares para distinguir os terremotos dos ensaios de artefatos nucleares. Com outras palavras, os objetivos militares e políticos impulsionam a pesquisa necessária para a compreensão dos processos geológicos do planeta; alcançar essa compreensão, não por acaso, constitui o conhecimento básico para a exploração de jazidas de petróleo e gás, a busca de jazidas de minérios e a mineração, e a prevenção de movimentos sísmicos.
Quase todo este trabalho foi realizado por cientistas que trabalhavam diretamente para o governo ou por acadêmicos de universidades e instituições de pesquisa financiada pelo governo. O Projeto Manhattan era ciência do governo. O estudo das placas tectônicas era ciência do governo.
Salvos do buraco na camada de ozônio
A ciência ambiental é algo diferente?
Pensem nos homens e nas mulheres que sentaram as bases do Protocolo de Montreal para a Conferência para a Proteção da Camada de Ozônio. Instituída em 1985, esta conferência nos protege das potencialmente devastadoras consequências da redução do ozônio. Neste momento, o buraco da camada de ozônio está se recuperando e os cientistas esperam que esta recuperação se complete nas próximas décadas, algo que não teria ocorrido sem o trabalho daqueles cientistas ambientalistas que na década de 1970 reconheceram a ameaça à qual o ozônio estratosférico se via exposto.
Depois, os cientistas que trabalham na NASA e na Universidade da Califórnia se deram conta de que os produtos químicos liberados na atmosfera pelos aviões supersônicos e os ônibus espaciais poderiam reagir com o ozônio da estratosfera e destruí-lo. Devido a esta ameaça, a NASA começou a financiar estudos sobre as reações químicas nela implicadas. Enquanto isso, Sherwood Rowland e Mario Molina, no instituto científico Irvine da Universidade da Califórnia, reconheceram que determinados produtos químicos conhecidos como fluoretos clorados (CFC), presentes nos aerossóis para o cabelo e outros produtos de consumo, podiam destruir a camada de ozônio na estratosfera. No começo, esta possibilidade foi vista com ceticismo, inclusive por seus próprios colegas. Podia realmente um aerossol capilar acabar com a vida no planeta Terra? Isso parecia uma afirmação demasiado aventureira, se não ultrajante.
No entanto, em 1985, Joseph Farmer, do Serviço Antártico Britânico, anunciou a descoberta de uma zona da Antártida na qual o ozônio estratosférico havia se reduzido espetacularmente: o “buraco de ozônio”. No ano seguinte, uma equipe chefiada por Susan Solomon, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), insinuou que realmente o ozônio estava diminuindo devido aos produtos químicos, clorados derivados dos CFC em consequência das reações catalíticas produzidas nas nuvens estratosféricas nos Polos.
Em 1987, o professor de Harvard, James Anderson, realizou um experimento a bordo de um avião U-2 da NASA que sobrevoou a Antártida no qual se estabeleceu, mediante medições diretas, que a camada de ozônio havia sido intensamente prejudicada e que esses danos estavam relacionados com os gases CFC. Tratava-se de uma surpreendente confirmação de uma hipótese formulada anos antes. Mais tarde, a equipe de Anderson obteve medições similares no Ártico. Toda a sua pesquisa foi financiada pela NASA.
Em base a este trabalho, o presidente George W. Bush, republicano, o secretário de Estado George Schultz e o secretário de Estado-adjunto John Negroponte deram seu apoio ao Protocolo de Montreal para a Convenção de Viena e deste modo comprometeram o mundo, primeiro, na redução, e mais tarde, na retirada paulatina dos gases CFC. Em 1988, com o apoio do presidente Bush, o Congresso ratificou o Protocolo de Montreal.
Desde então, Susan Solomon foi eleita para integrar a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, a Academia de Ciências Europeia e a Academia de Ciências da França. Em 2008, a revista Time mencionou-a como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. James Anderson, por sua vez, ganhou muitos prêmios. Em 1995, Rowland e Molina compartilharam o Nobel de Química por seu trabalho sobre a destruição da camada de ozônio.
Se a ciência relacionada com o ozônio tivesse sido tergiversada, corrompida ou mesmo realizada incorretamente, nenhum deles teria recebido semelhantes honras. Mais importante ainda, se a ciência tivesse sido errada, agora mesmo estaríamos em apuros porque o buraco de ozônio não estaria se recuperando. Entre outras coisas, os índices de câncer de pele nos Estados Unidos teriam aumentado em mais de 60% em relação à incidência atual. O gado, os cultivos e as plantas e animais silvestres também teriam sido afetados.
Bush, um presidente republicano, não foi enganado. Ele fez a coisa certa e nos protegeu de um dano, mas poucas pessoas percebem quão bem o Protocolo de Montreal funcionou e do baixo custo de seu êxito. O protocolo foi ratificado por 197 países – para dizê-lo de outra maneira, por todo o mundo! – e a produção e o consumo dos gases destruidores do ozônio caíram 98%.
Na medida em que os fabricantes substituíram rapidamente os fluorocarburos por novos produtos mais inofensivos, não somente o custo foi reduzido; o mundo tirou proveito da mudança. O protocolo estimulou a competição na inovação tecnológica e reduziu os custos de fabricação, melhorou a eficiência e a segurança e baixou os preços ao consumidor, enquanto evitamos grandes perdas econômicas na agricultura, pesca e nos impactos adversos na saúde humana. Os benefícios indiretos em matéria de saúde – só em termos de cânceres e cataratas evitados – foram estimados em 11 vezes os custos diretos de implantação. E não houve perdas de postos de trabalho, embora houvesse uma passagem para empregos mais qualificados, que foram tomados por trabalhadores mais bem formados trabalhando em condições mais seguras.
Nos anos 1990, segundo avançava o reconhecimento de uma prejudicial mudança climática, a história do êxito na recuperação do buraco de ozônio converteu-se em um modelo de como poderíamos enfrentar essa mudança, especialmente à medida que forem refutados os argumentos conservadores que acreditam que a proteção ambiental restringe o crescimento, prejudica a economia, destrói postos de trabalho ou que, embora represente um benefício para os ursos polares, em nada beneficia as pessoas. Mas a guinada republicana para a direita já estava em andamento. Quando chegou a questão da regulação, o GOP – Grand Old Party, ou seja, o Partido Republicano – estava na estrada para rechaçar qualquer expressão da ciência que apontasse nessa direção.
No começo do século XX, os republicanos foram pioneiros na proteção do meio ambiente: na metade do século, trabalharam junto com os democratas para aprovar leis como a da Política Nacional do Meio Ambiente ou do Ar Limpo. No entanto, nos anos 1980, a resistência contra medidas ambientais que poderiam limitar as prerrogativas do setor privado começou a obscurecer seu histórico compromisso com os Estados Unidos seguros e bonitos. Na década seguinte, toda regulação em princípio era vista como má, mesmo quando – como no caso do ozônio – na prática era clara e demonstravelmente boa.
A ciência climática e os fraudadores
A tinta com que se escreveu o Protocolo de Montreal ainda não tinha secado completamente quando a ciência que se ocupava do ozônio foi atacada como corrupta e politicamente motivada (mais ou menos da mesma maneira como hoje é atacada a ciência ambiental). Em 1995, a congressista republicana Dana Rohrabacher organizou um encontro sobre “integridade científica”, com a intenção de desafiar essa ciência. Representantes da indústria privada e de laboratórios de ideias conservadoras começaram a manifestar que a ciência que estava por trás do Protocolo de Montreal estava incorreta, que solucionar o problema seria devastador para a economia e que os cientistas envolvidos nisso estavam exagerando a ameaça para conseguir mais dinheiro para as suas pesquisas. A hoje tão familiar afirmação de que “não havia nenhum consenso científico” – que poucas semanas mais tarde mostrou sua completa falsidade com a concessão do prêmio Nobel a Rowland e Molina – em relação à diminuição do ozônio foi incorporada no Registro do Congresso.
Caso tirássemos os nomes e a data dessa conferência, seria possível imaginar que o tema da convocatória era a mudança climática e que teria sido realizada na semana passada. De fato, a ciência do clima vem sofrendo o ataque das mesmas pessoas e organizações que atacaram os cientistas que trabalharam com a camada de ozônio e utilizaram muitos dos mesmos argumentos, tão equivocados hoje como naquela época.
Pensemos no que sabemos sobre a história e a integridade da ciência climática.
Há mais de 100 anos os cientistas sabem que os gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CO4), capturam calor na atmosfera de um planeta. Se aumentarmos a concentração desses gases, o planeta se aquece. Vênus é incrivelmente quente – 460 graus centígrados –, não apenas pelo fato primordial de que está muito mais perto do Sol do que a Terra, mas também porque sua atmosfera é várias centenas de vezes mais densa e composta principalmente de CO2.
O oceanógrafo Roger Revelle foi o primeiro cientista estadunidense a centrar sua atenção no risco de colocar quantidades cada vez maiores de CO2 na atmosfera em consequência da queima de combustíveis fósseis. Durante a Segunda Guerra Mundial, Revelle serviu no Escritório Hidrográfico da Marinha dos Estados Unidos e continuou trabalhando em estreita colaboração com a marinha durante toda a sua carreira. Na década de 1950, defendeu a importância da pesquisa científica sobre a mudança climática ocasionada pela atividade humana e chamou a atenção para a ameaça do aumento do nível do mar em consequência do derretimento dos glaciares e da expansão térmica dos oceanos, uma ameaça que colocava em risco a segurança das grandes cidades, portos e instalações navais. Nos anos 1960, vários colegas seus se uniram a ele a partir de suas preocupações, entre eles o geoquímico Charles David Keeling, que – em 1958 – foi o primeiro a medir a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, e o geofísico Gordon MacDonald, que trabalhou no primeiro Conselho de Qualidade Ambiental, durante a presidência do republicano Richard Nixon.
Em 1974, o conhecimento científico emergente sobre a mudança climática foi resumido pelo físico Alvin Weinberg, diretor do Laboratório Nacional de Oak Ridge, que manifestou que era possível que a utilização de combustíveis fósseis tivesse que ser limitada bastante antes de seu esgotamento devido à ameaça que representavam para a benéfica estabilidade climática da Terra. “Embora seja difícil estimar quando deveremos fazer um ajuste nas políticas energéticas do mundo para ter em conta este limite”, escreveu, “se poderia chegar a esse momento em cerca de 30 ou 50 anos”.
Em 1977, Robert M. White, primeiro administrador da NOAA e mais tarde presidente da Academia Nacional de Engenharia, resumiu em Oceanus as descobertas científicas desta maneira: “Agora entendemos que os resíduos industriais, como o dióxido de carbono liberado pela queima dos combustíveis fósseis, podem ter consequências climáticas que colocam para a sociedade futura uma ameaça digna de consideração… Experiências na última década demonstraram as consequências de mesmo as pequenas flutuações nas condições climáticas [e] bosquejam uma nova urgência no estudo do clima… Os problemas científicos são formidáveis, os problemas tecnológicos não têm precedente algum e o potencial de impactos econômicos e sociais é execrável”.
Em 1979, a Academia Nacional de Ciências concluiu que “se a emissão de dióxido de carbono continuar aumentando, não vemos razão para duvidar que haverá uma mudança climática e não há razão alguma para acreditar que estas mudanças serão desdenháveis”.
Essas descobertas fizeram com que a Organização Meteorológica Mundial unisse forças com as Nações Unidas para criar o Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC). A ideia era estabelecer uma base científica sólida para as políticas públicas informadas. Assim como a boa ciência sentou as bases para a Convenção de Viena, também agora a boa ciência construiria os fundamentos para uma Conferência Marco sobre a Mudança Climática das Nações Unidas, ratificada em 1992 pelo presidente Bush.
Desde então, o mundo científico afirmou e reafirmou a validade das provas científicas. A Academia Nacional de Ciências, a Associação Estadunidense para o Progresso da Ciência e muitas outras organizações similares, assim como as mais importantes organizações científicas e acadêmicas do mundo, concederam sua aprovação ao trabalho da ciência climática. Em 2006, 11 academias nacionais da ciência, entre elas a mais antiga do mundo, a italiana Accademia Nazionale dei Licei, publicaram uma insólita declaração para destacar que a “ameaça da mudança climática é clara e está aumentando” e que “qualquer demora na ação provocará custos maiores”. Desde então passaram-se quase 10 anos. Hoje, os cientistas nos garantem que as provas da realidade da mudança climática induzida pela atividade humana são “claríssimas”, e o Banco Mundial nos diz que seus impactos e custos já se fazem sentir.
O trabalho científico que está na base deste consenso foi realizado por cientistas de todo o mundo; homens e mulheres, adultos e jovens e, nos Estados Unidos, tanto republicanos como democratas. De fato, isto é bastante curioso, uma vez que aqueles que foram denunciados recentemente como “enganadores” por congressistas republicanos, possivelmente a maior parte deles seja republicana e não democrata. Gordon MacDonald, por exemplo, foi um assessor muito próximo ao presidente Nixon e Dave Keeling foi premiado, em 2002, com a Medalha Nacional da Ciência pelo presidente George W. Bush.
Ainda assim, apesar da longa história deste trabalho e de sua natureza apolítica, a ciência do clima continua sendo insidiosamente atacada. Em maio passado, os cientistas climáticos mais prestigiados do mundo encontraram-se com o Papa Francisco para informá-lo sobre os fatos da mudança climática e da ameaça que esta representa para a saúde, a riqueza e o bem-estar de homens, mulheres e crianças, para não mencionar as numerosas espécies com as quais compartilhamos este único planeta. Nesse mesmo momento, em uma tentativa de impedir que o Papa falasse sobre o significado moral da mudança climática, negacionistas do aquecimento do planeta se reuniam perto do Vaticano. Onde quer que haja sinais de que o panorama político está mudando e de que o mundo poderia estar preparado para agir contra a mudança climática, as forças negacionistas não fazem outra coisa senão redobrar os esforços.
A organização responsável pela reunião dos negacionistas em Roma foi o Instituto Heartland, um grupo com um longo histórico não apenas no rechaço da ciência do clima, mas da ciência em geral. Por exemplo, este instituto foi o responsável pelos infames informes publicitários que comparavam os cientistas do clima com o Unabomber [apelido de Theodrore John “Ted” Kaczynski, prisioneiro estadunidense, matemático por formação, escritor e ativista anticivilização, preso sob a acusação de terrorismo e condenado à prisão perpétua por sua participação em uma série de atentados a bomba que mataram três pessoas e feriram outras 23, entre cientistas, engenheiros e executivos]. Tem uma documentada história de trabalho junto com a indústria tabagista com a finalidade de questionar as provas científicas do mal produzido pelo consumo de tabaco. Como Erik Conway e eu demonstramos em nosso livro Merchants of Doubt, muitos dos grupos que hoje negam a realidade e as importâncias da mudança climática produzida pela atividade humana trabalharam anteriormente para colocar em dúvida as provas científicas dos danos produzidos pelo fumo.
Hoje, sabemos que milhões de pessoas morreram em consequência de doenças relacionadas ao fumo. Devemos esperar que as pessoas morram em quantidades parecidas para que aceitemos a evidência da mudança climática?
O financiamento privado cria um buraco na atmosfera
A ciência que pesquisa a camada de ozônio não foi atacada porque estivesse equivocada do ponto de vista científico, mas porque tinha importância política e econômica, ou seja, ameaçava poderosos interesses. O mesmo vale para a ciência que se ocupa da mudança climática, que nos alerta para o fato de que o conceito de “negócios são negócios” coloca em perigo a nossa saúde, a nossa riqueza e o nosso bem-estar. Nestas circunstâncias, não nos deveria surpreender o fato de que alguns setores da comunidade dos negócios – especialmente o Complexo da Combustão do Carvão, a rede de poderosas indústrias que dependem fundamentalmente da extração, comercialização e queima de combustíveis fósseis – tenham tratado de socavar essa mensagem. Este complexo apoiou ataques contra a ciência e os cientistas ao mesmo tempo que financia pesquisas de distração e conferências enganosas para criar a falsa impressão de que há um debate científico fundamental e incertezas em relação à mudança climática.
O objetivo de tudo isso é, evidentemente, confundir os estadunidenses para atrasar toda ação, o que nos traz ao miolo do assunto quando se fala de ciência “politicamente motivada”. Sim, a ciência pode ser parcial, sobretudo quando o apoio financeiro dessa ciência provém de grupos que têm interesses criados relacionados com um resultado em particular. No entanto, a história nos diz que é muito mais provável que esses interesses criados sejam uma característica própria do setor privado e não do público.
O exemplo mais surpreendentemente documentado sobre isso está relacionado ao tabaco. Durante décadas, as companhias fumageiras financiaram pesquisas científicas em seus próprios laboratórios, bem como em universidades, escolas de medicina e inclusive em institutos de pesquisa do câncer. Agora sabemos, graças aos seus próprios arquivos, que o propósito dessas pesquisas não era chegar à verdade em relação aos perigos vinculados ao fumo, mas criar a imagem de um debate científico e instalar a dúvida acerca de se o fumo era realmente prejudicial quando, na verdade, os donos da indústria já sabiam que era. Deste modo, a intenção da “pesquisa” era proteger a indústria contra as demandas legais e as legislações.
Talvez ainda mais importante – como é o caso, sem dúvida, com muitos daqueles que financiam o negacionismo climático –, a indústria sabia que a pesquisa que financiava era parcial. Na década de 1950, seus executivos tinham plena consciência de que o fumo causava câncer; na década seguinte, sabiam que provocava um grande número de outras doenças; nos anos 1970, sabiam que o tabaco viciava; e na década de 1980, sabiam que a fumaça do tabaco também provocava câncer nos fumantes passivos e a síndrome de morte súbita infantil. Mesmo assim, era muito menos provável que este trabalho de pesquisa financiado pela indústria relacionasse o consumo de tabaco com as doenças do que a pesquisa independente. Então, evidentemente, aumentou-se o falso financiamento.
Que lições podemos extrair desta experiência? Uma é a importância de revelar as fontes de financiamento. Quando preparava o meu testemunho perante os congressistas, foi-me pedido para que revelasse todas as fontes de financiamento governamental de minhas pesquisas. Esta solicitação foi inteiramente razoável. Mas não houve uma solicitação comparável para que revelasse qualquer financiamento privado que pudesse ter tido; uma omissão muito pouco razoável. Perguntar só sobre financiamento público, mas não sobre o privado é como fazer uma inspeção de segurança em apenas metade de um avião.
Desastres anormais e o pesadelo do negacionismo
Muitos republicanos resistem em aceitar as esmagadoras provas científicas da mudança climática por temerem que sejam utilizadas como desculpa para expandir o âmbito e o alcance governamentais. Eis o que deveria animá-los a repensar toda a questão: graças à demora de mais de 20 anos na ação para reduzir as emissões globais de carvão já aumentamos significativamente a probabilidade de que o prejudicial aquecimento do planeta obrigue a realizar aquelas intervenções governamentais que eles tanto temem e tratam de evitar. De fato, a mudança climática já está provocando o aumento dos fenômenos climáticos extremos – sobretudo enchentes, secas rigorosas e ondas de calor – que quase sempre acabam em respostas governamentais em grande escala. Quanto mais tempo deixamos passar, tanto maiores serão as intervenções necessárias.
Como demonstram as devastadoras consequências da mudança climática nos Estados Unidos, os futuros desastres redundarão em uma cada vez maior dependência do governo, sobretudo do federal (evidentemente, nossos netos não vão chamá-los de desastres “naturais”, já que saberão muito bem quem os produziu). O significado disto é que o trabalho atual dos negacionistas do clima só ajuda a garantir que estaremos menos preparados para enfrentar o impacto total da mudança climática, o que por sua vez leva a cada vez maiores intervenções do Estado. Formulemo-lo de outra maneira: os negacionistas do clima estão fazendo todo o possível para criar o pesadelo que mais temem. Eles estão garantindo o mesmíssimo futuro que afirmam querer evitar.
E não apenas nos Estados Unidos. Dado que a mudança climática afeta todo o planeta, os desastres climáticos proporcionarão às forças antidemocráticas a justificativa que buscam para apropriar-se dos recursos naturais, declarar a lei marcial, intrometer-se na economia de mercado e impedir os processos democráticos. Isto significa que os estadunidenses que se importam com a liberdade política não deveriam conter-se quando se trata de apoiar os cientistas do clima e de agir para impedir as ameaças que eles documentaram tão clara e intensamente.
Agir de outra maneira só pode aumentar as possibilidades de que no futuro se desenvolvam formas autoritárias de governo. Um futuro no qual os nossos filhos e netos – entre eles, os dos negacionistas do clima – serão os perdedores, como será também a Terra e a maior parte das espécies que vivem nela. Admitir e destacar este aspecto da equação climática pode trazer alguma esperança de que alguns republicanos – os mais moderados – se afastem da suicida política do negacionismo. (ecodebate)

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