Em 30 anos o desmatamento no Cerrado extinguirá 1140
espécies
Desmatamento no Cerrado pode resultar na extinção de 1140
espécies nos próximos 30 anos.
Combinação
de políticas pode evitar extinções de proporções históricas projetadas para o
Cerrado.
Estudo
coordenado por brasileiros, publicado na Nature Ecology and Evolution, mostra
que o Brasil pode perder até 1140 espécies, entre elas, bromélias e Arara-Azul.
O
avanço do desmatamento no Cerrado poderá resultar na extinção de 1140 espécies
de plantas nos próximos 30 anos, um número oito vezes superior a todas as
espécies de plantas registradas como extintas desde 1500 em todo o mundo,
mostra um estudo internacional coordenador por brasileiros publicados nesta
quinta-feira, 23, na Nature Ecology and Evolution. Por outro lado, os autores
demonstram que este quadro é evitável sem prejudicar a agricultura, e apontam
para uma série de políticas públicas e privadas já em implementação ou
desenvolvimento que, caso coordenadas e com foco neste objetivo, poderiam
evitar o quadro de extinções projetado.
Segundo
Bernardo Strassburg, coordenador do estudo, Diretor Executivo do Instituto
Internacional para a Sustentabilidade e Coordenador do Centro de Ciências para
a Conservação e Sustentabilidade do Departamento de Geografia e Meio Ambiente
da PUC-Rio, o Cerrado já perdeu praticamente metade de sua área, mas ainda
reúne 4600 espécies de plantas que não existem em nenhum outro local do
planeta. Se o ritmo do desmatamento continuar, daqui a 30 anos, o Cerrado
ficará ainda menor, perdendo mais um terço do tamanho atual. Esse resultado
será causado pelo desmatamento para a expansão da soja, cana de açúcar e
pastagem. Nos últimos anos, o Cerrado já perdeu 88 milhões de hectares, 46% de
sua cobertura nativa. Entre 2002 e 2011, as taxas de desmatamento na região (1%
ao ano) foram 2,5 vezes mais altas do que na Amazônia.
Entre
as espécies mais vulneráveis estão um fruto bem conhecido, o babaçu (Attalea
brasiliensis), uma espécie de arnica (Lychnophora souzae e Lychnophora
humílima), a canela-de-ema-gigante, da Serra do Cipó (Vellozia gigantea), uma
espécie de sempre-viva (Actinocephalus cipoensis), além de várias bromélias e
orquídeas. Entre os animais, as espécies que poderão desaparecer estão o
Lobo-guará, Onça parda (Puma concolor), Tatu-canastra, Ariranha,
Tamanduá-bandeira, Arara-Azul e a Anta. “O Cerrado brasileiro abriga uma
coleção enorme de espécies únicas no mundo, que é a base deste bioma tão
fundamental para a economia, segurança hídrica e energética do país. O que
identificamos é que a progressão do desmatamento levará a um quadro de
extinções de espécies de plantas em escala jamais registrada no mundo. Este
quadro, irreversível e lamentável por si só por razões morais, teria impactos
graves para a manutenção deste ecossistema fundamental para a economia e a
sociedade brasileira”, diz ele.
É
justamente na combinação de políticas públicas e privadas que reside o
potencial maior para evitar o colapso do Cerrado. Os autores selecionam oito
grandes áreas e políticas estratégicas já em implantação ou desenvolvimento
pelo Ministério do Meio Ambiente e outro atores que, caso implementadas,
financiadas apropriadamente e executadas com um foco também em evitar as
extinções do cerrado, poderiam promover a conciliação entre a produção e a
conservação. É o caso, por exemplo, da Moratória da Soja, uma história de
sucesso na Amazônia, onde praticamente eliminou a conversão direta de floresta
para a soja. Caso fosse estendida ao Cerrado, como defendido publicamente pelo
Ministro de Meio Ambiente, Sarney Filho, seria um gigantesco passo para
assegurar um futuro sustentável para a região. A demarcação de áreas
protegidas, financiamento para conservação (inclusive relacionados às mudanças
climáticas) e um foco em identificar áreas prioritárias para a conservação,
restauração e expansão agrícola são outras medidas essenciais.
“Não
é preciso reinventar a roda, as políticas necessárias já existem e foram usadas
com sucesso na Amazônia no passado recente. O necessário agora é ter também
como foco prioritário evitar este quadro preocupante. Há espaço suficiente para
conciliar o aumento da produção agrícola e a conservação e restauração do que
sobrou do Cerrado. Não é simples, mas com um esforço concentrado dos atores
públicos e privados envolvidos, e a pressão adequada da sociedade para que as
políticas tenham o apoio e o financiamento necessários, o Brasil pode reverter
um gigantesco desastre em uma grande história de sucesso”, explica Strassburg.
A baixa proteção formal – menos de 10% do
Cerrado é coberto por Unidades de Conservação – e alta aptidão agrícola colocam
os remanescentes de cerrado como a grande fronteira de expansão do agronegócio.
Aliado a isso, a região ainda atrai poucos investimentos diretos em
conservação, embora seja fundamental para os recursos hídricos e até para as
metas nacionais e internacionais de combate as mudanças climáticas: o
desmatamento projetado levaria a emissão de 8,5 bilhões de toneladas de CO2,
o equivalente a duas vezes e meia tudo o que o Brasil deixou de emitir com a
grande queda do desmatamento da Amazônia entre 2005 e 2013.
“Esses
números colocariam em risco a reputação internacional do Brasil como líder em
economia verde ou desenvolvimento sustentável. Colocaria também o agronegócio
brasileiro como responsável por uma das maiores tragédias já registradas para a
biodiversidade mundial, justamente em um momento onde os principais mercados
consumidores estão construindo metas de exclusão de cadeias associados ao
desmatamento e degradação ambiental”, complementa Strassburg.
Os
pesquisadores mostram que é possível conciliar todo o aumento previsto de soja,
cana e pecuária em áreas já desmatadas, e ainda liberar áreas para a
recuperação da vegetação nativa exigida no código florestal. Aumentando a
produtividade das áreas já dedicadas a pecuária de 35% para 61% de seu
potencial sustentável, seria possível encaixar os mais de 15 milhões de
hectares de expansão de soja e cana e ainda 6,4 milhões de hectares para a
recuperação da vegetação nativa. “A chave para destravar um future sustentável
para o Cerrado está no potencial para aumentar a taxa de lotação das pastagens,
abrindo espaço para a expansão prevista de culturas agrícolas e ao mesmo tempo
poupando e restaurando ambientes naturais para a notável biodiversidade da
região. Com um apoio politico robusto, este desastre pode ser evitado”, diz o
Professor Andrew Balmford da Universidade de Cambridge, e co-autor do estudo.
“O
aumento da produtividade da pecuária pode ser feito através das técnicas que já
existem como pastejo rotacional ou suplementação alimentar. Porem vários
obstáculos, como escassez de mão de obra e aspectos financeiros, devem ser
superados para acompanhar os produtores nessa transição” complementa Agnieszka
Latawiec, Diretora Executiva do Instituto Internacional para Sustentabilidade e
Coordenadora do Centro para Ciência de Conservação e Sustentabilidade da
PUC-Rio.
Esta
recuperação da vegetação nativa tem papel fundamental para evitar o colapso: se
for realizada em áreas prioritárias para a biodiversidade, poderiam evitar até
83% das extinções projetadas. “A nova Política Nacional de Recuperação da
Vegetação Nativa, criada por decreto presidencial no mês passado, pode auxiliar
na promoção desta restauração em áreas prioritárias”, diz Carlos Alberto de Mattos
Scaramuzza, Diretor de Conservação de Ecossistemas do Ministério do Meio
Ambiente e um dos autores do artigo.
Espécies
que poderão ser extintas no Cerrado até 2030, caso o desmatamento continue no
ritmo atual (Foto cedida ao CNCFlora por uma licença de uso de imagem. Crédito
nas foto)
Flora:
Palmito
Araucária
Jacarandá-da-bahia
(Dalbergia nigra)
Vellozia
gigantea (canela-de-ema-gigante, da Serra do Cipó)
Podocarpus
barretoi e Podocarpus brasiliensis ( gimnospermas, parentes dos pinheiros, e
muito ameaçados)
Actinocephalus
cipoensis (uma espécie de sempre-viva)
Lychnophora
souzae e Lychnophora humílima (espécie de arnica)
Animais:
Lobo-guará
Onça
parda (Puma concolor)
Tatu-canastra
Ariranha
Tamanduá-bandeira
Arara
Azul
Anta
Fruto:
Babaçu (Attalea brasiliensis)
O
artigo intitulado “Moment of truth for the Cerrado hotspot” foi
escrito por pesquisadores do Brasil (Centro de Ciências para Conservação e
Sustentabilidade do Rio, Departamento de Geografia e Meio Ambiente, PUC-Rio;
Instituto Internacional para a Sustentabilidade; Universidades Federais do Rio
de Janeiro (UFRJ), Minas Gerais (UFMG) e Goiás (UFG), do Centro Nacional de
Conservação da Flora e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável), do Reino Unido (Universidade de Cambridge) e da Suíça (União
Internacional para a Conservação da Natureza. (ecodebate)
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