domingo, 27 de agosto de 2017

Agrobiodiversidade e sustentabilidade ambiental

A promotora de Justiça do distrito federal e uma das fundadoras do Instituto Socioambiental no Brasil, Juliana Santilli, realiza abordagem congruente com muitas reflexões seguidamente desenvolvidas. A inspiração das lavouras de “coivara”, desenvolvidas pelos pretéritos indígenas, guarda mais sabedoria do que a simples observação traduz.

Este procedimento, além de preservar as matas por se constituir em agricultura itinerante, também faz esmerada reprodução do conceito de resistência ecossistêmica.
Os elos de uma corrente sofrem rupturas nas conexões mais fracas. Ao mobilizarem as resistências de diferentes plantas e animais em espaço territorial reduzido, se cria e se fortalecem ecossistemas locais, que passam a ser dotados de grande resistência.
É a diversidade de plantas cultivadas e animais domésticos, e a sua capacidade de se adaptar a condições ambientais como clima, solo e vegetação dentre outros, e também as necessidades humanas específicas, que asseguram aos agricultores a possibilidade de sobrevivência em muitas áreas sujeitas a “estresses” ou vulnerabilidades ambientais. Parece que os nativos que precederam os colonizadores europeus tinham claro conhecimento ou sabedoria tradicional desta realidade.
É o cultivo de espécies diversas que protege os agricultores, em muitas circunstâncias, de uma perda total da lavoura, em casos de peste, doença, seca prolongada e outras. Todas as monoculturas vegetais ou animal, apresentam bases genéticas muito reduzidas, e ocorre que as pestes, doenças e outras efemérides que atingem a única espécie cultivada ou criada, vulnerabilizam muito os sistemas em que a cultura ou criação está inserida.
Como se vê, as mesmas apropriações são válidas para os cultivos vegetais e as criações restritas de animais, como aviários, pocilgas e outros arranjos, centradas em monoculturas animais, em vez de monoculturas vegetais.

Uniformidades genéticas criam enormes riscos e incertezas para os cultivos agrícolas e para as criações animais, que se tornam especialmente vulneráveis. A situação de vulnerabilidade genética se caracteriza quando uma planta cultivada em larga escala, ou uma espécie animal criada, se tornam muito suscetíveis a doenças, ataques de patógenos, ou outros estresses ambientais.
Ainda que uma variedade moderna de vegetal ou uma espécie animal, tenha sido desenvolvida para ter resistência contra um determinado patógeno, qualquer mutação nesse patógeno, por menor que seja, poderá ser suficiente para quebrar tal resistência, tornando vulnerável toda a lavoura ou a criação.
Um dos mais eloquentes exemplos representados pela uniformidade genética foi a “Grande Fome” ocorrida na Irlanda, entre 1845 e 1851, provocada pela devastação generalizada das plantações de batatas, por um fungo. A maioria da população da Irlanda dependia da batata como alimento principal e o fungo acabou com as plantações de batata e a fome matou 2 milhões de irlandeses que correspondiam a cerca de 25% da população para se ter uma ideia da magnitude da efeméride.
Nesse período, se estima que 1,5 milhão de irlandeses migraram para os Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, sendo que muitos morreram durante a viagem ou logo na chegada, fragilizados pela subnutrição.
Existem exemplos mais recentes. Nos anos 70 do século passado, uma doença causada por um fungo, em uma moléstia conhecida como “praga da folha do milho sulino”, atacou as plantações de milho de Estados norte-americanos. Alguns Estados chegaram a perder metade de suas lavouras.
Isso ocorreu também em 1971, numa plantação soviética de uma mesma variedade de trigo, em uma área de 40 milhões de hectares, que se estendia de Kuban à Ucrânia. Tal variedade apresentava altos rendimentos quando cultivada em Kuban, onde as temperaturas eram mais amenas.
Naquele ano, a Ucrânia sofreu um inverno extremamente rigoroso, que devastou suas plantações e levou à perda de 20 milhões de toneladas de trigo, que correspondiam de 30% a 40% da lavoura.
Conforme destacam Cary Fowler e Pat Mooney, citados por Juliana Santilli, em ambos os casos a culpa pelas perdas das lavouras de milho e trigo, nos Estados Unidos e na Ucrânia, não deve ser atribuída aos patógenos que desenvolveram as pragas que infestaram as plantações de milho ou ao inverno rigoroso da Ucrânia.
É mais lógico e mais decente e verdadeiro, atribuir estas ocorrências com a uniformidade genética dos cultivos. As lavouras não teriam sido tão drasticamente devastadas se tivessem sido plantadas variedades diversas.
A agrobiodiversidade é essencial para a segurança alimentar e nutricional, que consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Considerando a de práticas alimentares convencionalmente realizadas.
E que sejam promotoras de saúde, e que respeitem a diversidade cultural, sendo ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Esse é o conceito estabelecido pelo artigo 3º da Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a fim de assegurar o direito humano à alimentação.
A agrobiodiversidade está não só associada à produção sustentável de alimentos, como tem também papel fundamental na promoção da qualidade dos alimentos. Uma alimentação diversificada é recomendada por nutricionistas, e condição fundamental para uma boa saúde.
Somente os sistemas agrícolas diversificados favorecem dietas mais nutritivas e equilibradas. A erosão genética no campo afeta a todos, tanto aos agricultores como também aos consumidores.

Os modelos de produção agrícola têm implicações diretas para a alimentação, a nutrição e a saúde humana. O chamado “agribusiness” estimula este modelo, e o cultivo de poucas espécies agrícolas favorecem a padronização dos hábitos alimentares e a desvalorização cultural das espécies nativas.
A diversificação dos agroecossistema pode ser realizada de várias formas, que vão desde o consórcio de culturas, passando pela rotação de culturas, até os sistemas agroflorestais, que são sistemas de manejo florestal que visa conciliar a produção agrícola e a manutenção das espécies arbóreas.
Estes sistemas promovem o aumento da matéria orgânica nos solos, diminuindo a erosão de solos e conservando a diversidade de espécies. Quando as matas ciliares são recuperadas, ocorre também a redução da turbidez da água e uma ampliação da disponibilidade de recursos hídricos.
Cada agroecossistema apresenta características distintas, e exige soluções específicas. A agricultura e a pecuária e a criação sustentáveis, requerem uma compreensão das complexas interações entre os diferentes componentes dos ecossistemas e das paisagens locais. Cada agroecossistema deverá encontrar as soluções adequadas às suas condições ambientais, econômicas e sociais.
A especialização dos sistemas produtivos e a homogeneidade genética que é sua característica provocam a diminuição da diversidade de espécies e variedades. Reduzindo também espécies importantes ao equilíbrio dos agroecossistemas, como as bactérias fixadoras de nitrogênio, os fungos que facilitam a absorção de nutrientes, os polinizadores, dispersores de sementes etc.

Desta forma se compromete a resiliência dos agroecossistemas, que se tornam mais vulneráveis ao ataque de pragas, secas, mudanças climáticas e outros fatores de risco.

Por bem ou por mal, a civilização humana determinará nova autopoiese sistêmica, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio. Que é um sistema instável, muito frágil e vulnerável e vai impor uma metamorfose efetiva. (ecodebate)

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