A
promotora de Justiça do distrito federal e uma das fundadoras do Instituto
Socioambiental no Brasil, Juliana Santilli, realiza abordagem congruente com
muitas reflexões seguidamente desenvolvidas. A inspiração das lavouras de
“coivara”, desenvolvidas pelos pretéritos indígenas, guarda mais sabedoria do
que a simples observação traduz.
Este
procedimento, além de preservar as matas por se constituir em agricultura
itinerante, também faz esmerada reprodução do conceito de resistência
ecossistêmica.
Os elos de
uma corrente sofrem rupturas nas conexões mais fracas. Ao mobilizarem as
resistências de diferentes plantas e animais em espaço territorial reduzido, se
cria e se fortalecem ecossistemas locais, que passam a ser dotados de grande
resistência.
É a
diversidade de plantas cultivadas e animais domésticos, e a sua capacidade de
se adaptar a condições ambientais como clima, solo e vegetação dentre outros, e
também as necessidades humanas específicas, que asseguram aos agricultores a
possibilidade de sobrevivência em muitas áreas sujeitas a “estresses” ou vulnerabilidades
ambientais. Parece que os nativos que precederam os colonizadores europeus
tinham claro conhecimento ou sabedoria tradicional desta realidade.
É o
cultivo de espécies diversas que protege os agricultores, em muitas
circunstâncias, de uma perda total da lavoura, em casos de peste, doença, seca
prolongada e outras. Todas as monoculturas vegetais ou animal, apresentam bases
genéticas muito reduzidas, e ocorre que as pestes, doenças e outras efemérides
que atingem a única espécie cultivada ou criada, vulnerabilizam muito os
sistemas em que a cultura ou criação está inserida.
Como se
vê, as mesmas apropriações são válidas para os cultivos vegetais e as criações
restritas de animais, como aviários, pocilgas e outros arranjos, centradas em
monoculturas animais, em vez de monoculturas vegetais.
Uniformidades
genéticas criam enormes riscos e incertezas para os cultivos agrícolas e para
as criações animais, que se tornam especialmente vulneráveis. A situação de
vulnerabilidade genética se caracteriza quando uma planta cultivada em larga
escala, ou uma espécie animal criada, se tornam muito suscetíveis a doenças,
ataques de patógenos, ou outros estresses ambientais.
Ainda que
uma variedade moderna de vegetal ou uma espécie animal, tenha sido desenvolvida
para ter resistência contra um determinado patógeno, qualquer mutação nesse
patógeno, por menor que seja, poderá ser suficiente para quebrar tal
resistência, tornando vulnerável toda a lavoura ou a criação.
Um dos
mais eloquentes exemplos representados pela uniformidade genética foi a “Grande
Fome” ocorrida na Irlanda, entre 1845 e 1851, provocada pela devastação
generalizada das plantações de batatas, por um fungo. A maioria da população da
Irlanda dependia da batata como alimento principal e o fungo acabou com as
plantações de batata e a fome matou 2 milhões de irlandeses que correspondiam a
cerca de 25% da população para se ter uma ideia da magnitude da efeméride.
Nesse
período, se estima que 1,5 milhão de irlandeses migraram para os Estados
Unidos, Austrália e Nova Zelândia, sendo que muitos morreram durante a viagem
ou logo na chegada, fragilizados pela subnutrição.
Existem
exemplos mais recentes. Nos anos 70 do século passado, uma doença causada por
um fungo, em uma moléstia conhecida como “praga da folha do milho sulino”,
atacou as plantações de milho de Estados norte-americanos. Alguns Estados
chegaram a perder metade de suas lavouras.
Isso
ocorreu também em 1971, numa plantação soviética de uma mesma variedade de
trigo, em uma área de 40 milhões de hectares, que se estendia de Kuban à
Ucrânia. Tal variedade apresentava altos rendimentos quando cultivada em Kuban,
onde as temperaturas eram mais amenas.
Naquele
ano, a Ucrânia sofreu um inverno extremamente rigoroso, que devastou suas plantações
e levou à perda de 20 milhões de toneladas de trigo, que correspondiam de 30% a
40% da lavoura.
Conforme
destacam Cary Fowler e Pat Mooney, citados por Juliana Santilli, em ambos os
casos a culpa pelas perdas das lavouras de milho e trigo, nos Estados Unidos e
na Ucrânia, não deve ser atribuída aos patógenos que desenvolveram as pragas
que infestaram as plantações de milho ou ao inverno rigoroso da Ucrânia.
É mais
lógico e mais decente e verdadeiro, atribuir estas ocorrências com a
uniformidade genética dos cultivos. As lavouras não teriam sido tão
drasticamente devastadas se tivessem sido plantadas variedades diversas.
A
agrobiodiversidade é essencial para a segurança alimentar e nutricional, que
consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a
alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais. Considerando a de práticas alimentares
convencionalmente realizadas.
E que
sejam promotoras de saúde, e que respeitem a diversidade cultural, sendo
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Esse é o
conceito estabelecido pelo artigo 3º da Lei nº 11.346, de 15 de setembro de
2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a fim
de assegurar o direito humano à alimentação.
A
agrobiodiversidade está não só associada à produção sustentável de alimentos,
como tem também papel fundamental na promoção da qualidade dos alimentos. Uma
alimentação diversificada é recomendada por nutricionistas, e condição
fundamental para uma boa saúde.
Somente os sistemas
agrícolas diversificados favorecem dietas mais nutritivas e equilibradas. A
erosão genética no campo afeta a todos, tanto aos agricultores como também aos
consumidores.
Os modelos
de produção agrícola têm implicações diretas para a alimentação, a nutrição e a
saúde humana. O chamado “agribusiness” estimula este modelo, e o cultivo de
poucas espécies agrícolas favorecem a padronização dos hábitos alimentares e a
desvalorização cultural das espécies nativas.
A
diversificação dos agroecossistema pode ser realizada de várias formas, que vão
desde o consórcio de culturas, passando pela rotação de culturas, até os
sistemas agroflorestais, que são sistemas de manejo florestal que visa conciliar
a produção agrícola e a manutenção das espécies arbóreas.
Estes
sistemas promovem o aumento da matéria orgânica nos solos, diminuindo a erosão
de solos e conservando a diversidade de espécies. Quando as matas ciliares são
recuperadas, ocorre também a redução da turbidez da água e uma ampliação da
disponibilidade de recursos hídricos.
Cada
agroecossistema apresenta características distintas, e exige soluções
específicas. A agricultura e a pecuária e a criação sustentáveis, requerem uma
compreensão das complexas interações entre os diferentes componentes dos
ecossistemas e das paisagens locais. Cada agroecossistema deverá encontrar as
soluções adequadas às suas condições ambientais, econômicas e sociais.
A
especialização dos sistemas produtivos e a homogeneidade genética que é sua
característica provocam a diminuição da diversidade de espécies e variedades.
Reduzindo também espécies importantes ao equilíbrio dos agroecossistemas, como
as bactérias fixadoras de nitrogênio, os fungos que facilitam a absorção de
nutrientes, os polinizadores, dispersores de sementes etc.
Desta
forma se compromete a resiliência dos agroecossistemas, que se tornam mais
vulneráveis ao ataque de pragas, secas, mudanças climáticas e outros fatores de
risco.
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