O Brasil
teve uma grande conquista com a transição demográfica. Em primeiro lugar, a
queda da taxa de mortalidade evitou a continuidade das mortes precoces, fato
absolutamente extraordinário e que é a base de todas as outras conquistas. A
esperança de vida ao nascer que estava abaixo de 30 anos no final do século
XIX, ultrapassou 70 anos no ano 2000. Em segundo lugar, a queda da taxa de
fecundidade foi acompanhada de uma mudança cultural fundamental, pois as
mulheres e os casais trocaram o investimento na quantidade para o investimento
na qualidade dos filhos.
Houve uma
mudança no fluxo Inter geracional de riqueza que beneficiou toda a sociedade
(Alves, 1994). A transição demográfica é sempre acompanhada por uma transição
da estrutura etária que, por sua vez, gera uma janela de oportunidade
demográfica, que favorece o desenvolvimento humano e possibilita um salto na
qualidade de vida da população.
O gráfico
1, com estimativas da Divisão de População da ONU (revisão 2017), mostra a
dinâmica da população total e da população em idade ativa (PIA) – assim com a
percentagem da PIA sobre a população total, para o período 1950 a 2100 no
Brasil. Em 1950, a população brasileira era de 53,9 milhões de habitantes e a
PIA era de 29,9 milhões, representando 55,5% do total. Nas décadas seguintes, ambas
as curvas cresceram. Mas o fenômeno bastante positivo foi que a PIA (pessoas em
idade ativa) cresceu em ritmo mais rápido do que a população total até o
quinquênio 2015-20. A ONU estima que a população brasileira deve ser de 213,8
milhões e a PIA de 149,2 milhões, em 2020, representando 69,8% do total. Ou
seja, a proporção de pessoas em idade ativa passou de 55,5% do total em 1970
para quase 70% em 2020 (como pode ser visto nas colunas do gráfico).
Gráfico 1
Este
período vantajoso para a economia e para o avanço social é conhecido como
janela de oportunidade ou bônus demográfico, pois é um momento de melhora na
relação entre “produtores líquidos” potenciais e “consumidores líquidos”. O
Brasil nunca teve e nunca mais terá cinco décadas tão favoráveis do ponto de
vista demográfico.
Outra forma
de apresentar o fenômeno do bônus demográfico é por meio da razão de
dependência (RD) – que mede a relação entre o número de pessoas em idade
considerada dependente (crianças, adolescentes e idosos) e o número de pessoas
em idade considerada produtiva (15 a 64 anos). Este indicador mostra as
potencialidades que a transição demográfica abre para o desenvolvimento
econômico e para a justiça social.
O
gráfico 2 mostra a RD para o Brasil e o mundo, indicando que na segunda metade
do século passado, o Brasil tinha uma RD maior do que a média mundial, pois
tinha uma estrutura etária mais rejuvenescida. Mas a RD brasileira que estava
em 88% (88 pessoas em idade dependente para cada 100 pessoas em idade ativa),
em 1965, caiu para menos da metade (cerca de 43%) no quinquênio 2015-20.
Portanto, no atual quinquênio, a RD está em seu nível mais baixo de todos os
tempos. Ela vai começar a subir, mas continuará em níveis baixos nas próximas
duas décadas. No final do século XXI, a RD brasileira voltará ao nível elevado
de 1950-65.
Gráfico 2
Portanto, a
demografia (estrutura etária) tem fornecido condições excepcionais para o
Brasil dar um salto no desenvolvimento humano e na qualidade de vida da
população. O Brasil tem uma vantagem comparativa em relação à média mundial,
pois a RD brasileira permanecerá abaixo da RD global pelo menos até a década de
2040. Todavia, o maior desafio para o aproveitamento do bônus demográfico não é
o aumento da RD nas próximas duas décadas, mas as condições econômicas e
sociais agravadas pela recessão, que não estão possibilitando o aproveitamento
adequado desta janela de oportunidade, que é única, pois só acontece uma vez na
história de cada país.
As
projeções mais recentes da população brasileira foram divulgadas pelo IBGE, em
25 de julho de 2018. O gráfico 3 mostra alguns marcos da dinâmica demográfica
do país. Entre 2010 e 2017, a População em Idade Ativa (PIA) passou de 132,5
milhões de pessoas para 143,6 milhões, enquanto, no mesmo período, a população
total passou de 194,9 milhões para 206,8 milhões. Desta forma, na projeção do
IBGE, o ponto máximo da abertura da janela de oportunidade ocorreu em 2017 (com
PIA de 69,5% em relação ao total).
A
PIA continuará crescendo até o ano de 2037, quando deve alcançar o seu pico de
152,9 milhões de pessoas, representando 66,3% da população total. Ou seja, a
PIA continua crescendo, mas em ritmo inferior ao conjunto da população. Isto
quer dizer que a janela de oportunidade começar a se fechar, saindo da situação
de abertura total, em 2017, para o fechamento total em 2037, quando a PIA
começa a diminuir em termos quantitativos. Esta data marcará o fim do bônus
demográfico, pois, a partir de 2038, a PIA terá decrescimento não só relativo,
mas também absoluto. A PIA passará de 152,9 milhões de pessoas (representando
66,3% da população), em 2037, para 136,5 milhões de pessoas (representando
59,8% da população), em 2060. O número de brasileiros atingirá o pico
populacional em 2047, com 233,2 milhões, decrescendo para 228,3 milhões de
habitantes em 2060.
Gráfico 3
Todos estes
números mostram que a janela de oportunidade demográfica começou a se abrir no
início da década de 1970, chegou em sua abertura máxima em 2017, iniciando o
fechamento a partir de 2018 e cerrando totalmente em 2037, quando o número e o
percentual de pessoas em idade ativa começará a encolher. Podemos dizer então
que o bônus demográfico brasileiro vai de 1970 a 2037.
Evidentemente,
estas datas estão sujeitas às revisões periódicas, mas a ideia é que o Brasil
teve um período demográfico muito vantajoso entre 1970 e 2017, terá um período
menos favorável que o precedente, mas ainda vantajoso em relação aos demais
períodos da história brasileira. Há que se observar que existem várias réguas e
várias fórmulas para se medir o bônus demográfico. Não existe uma fórmula
mágica. A metodologia apresentada acima é útil para mostrar que a melhor fase
do bônus já tem data de validade vencida, mas o “remédio” ainda pode ser
utilizado até 2037.
A partir de
2038, a demografia deixará de oferecer estímulo à economia, pois o país terá
uma estrutura etária envelhecida (maior quantidade de pessoas de 65 anos e mais
em relação ao grupo 0 a 14 anos). O Índice de Envelhecimento (IE), considerando
idosos de 65 anos e mais, ultrapassará a marca de 100 em 2039, data que o
Brasil será definitivamente um país idoso.
Em síntese,
o período áureo do bônus demográfico no Brasil (considerando a relação entre a
PIA e a população total) ocorreu entre 1970 e 2017. Contudo, é preciso reforçar
a ideia de que o período 2018 a 2037 não deixará de fornecer uma base
populacional adequada ao desenvolvimento, mesmo que a taxas decrescentes. Se
houver avanços na saúde, na educação e, principalmente, no mercado de trabalho
os próximos 20 anos podem representar uma oportunidade histórica para se
construir um país próspero e mais justo. Caso contrário, o Brasil pode ficar
permanentemente preso na “armadilha da renda média”.
Nas
eleições presidenciais de 2018 este tema não deve ficar de fora. Aliás, já há
candidatos/as abordando o assunto do bônus e do envelhecimento. O Brasil tem
pouco tempo para propiciar um salto nas condições de vida da população. Toda a
sociedade precisa reagir com presteza e as políticas públicas precisam avançar
nas áreas de formação cidadã dos indivíduos, pois só uma grande percentagem de
pessoas em idade ativa ocupada de maneira produtiva pode superar a pobreza, a
desigualdade e o atraso social.
Precisamos
lembrar a bandeira da OIT – “pleno emprego e o trabalho decente” – que é
essencial para que uma maior quantidade de pessoas em idade ativa se transforme
em uma força de trabalho produtiva capaz de aumentar a renda per capita do país
e garantir uma maior qualidade de vida para todos os brasileiros. (ecodebate)
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