quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Garantir sustentabilidade ecológica não basta reduzir o consumo

Para garantir a sustentabilidade ecológica não basta a redução do consumo.
Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés” - (Enough is Enough, 2010)
A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra. O aumento das atividades antrópicas excedeu a resiliência do Planeta. A pegada ecológica superou os limites da biocapacidade. A presença humana no mundo está sufocando os ecossistemas e provocando um colapso na vida selvagem. Portanto, é preciso reduzir o volume das atividades econômicas para possibilitar a restauração da vida natural.
O gráfico abaixo, da Global Footprint Network, mostra que o mundo tinha superávit ambiental de 2,6 bilhões de hectares globais (gha) em 1961. Porém, com o crescimento demoeconômico, o superávit se transformou em déficit a partir dos anos de 1970 e, em 2016, a pegada ecológica total (de 20,6 bilhões de gha) superou a biocapacidade total (de 12,2 bilhões de gha). Portanto, o déficit ecológico foi de 8,4 bilhões de gha. A Terra está sobrecarregada em 70%.
Existem pessoas preocupadas com a sustentabilidade ecológica que defendem a ideia de que a degradação ambiental e o déficit ecológico são provocados, essencialmente, pelas parcelas ricas da população global, especialmente, dos ricos dos países ricos. Por conta disto, consideram que o fundamental para o equilíbrio homeostático do Planeta é a redução do consumo e ignoram, ou relegam para o segundo plano, a questão demográfica.
Porém, a decomposição do déficit ambiental por faixas de renda mostra que não se pode ignorar a contribuição das parcelas de classe média e dos pobres do mundo sobre o déficit existente entre a pegada ecológica e a biocapacidade.
Ainda segundo a Global Footprint Network, a população classificada como alta renda perfaz um montante de cerca de 1,13 bilhão de habitantes em 2016, com uma pegada ecológica per capita de 6 gha (a pegada ecológica dos EUA é de cerca de 8 gha). Assim, os ricos do mundo possuem uma pegada ecológica total de 6,8 bilhões de gha. É um montante elevado, mas que é menor do que os 8,4 bilhões do déficit global existente em 2016.
Assim, mesmo que se todo o consumo dos ricos fosse zerado, o restante da população mundial (sem os ricos) continuaria vivenciando um déficit ambiental de cerca de 1,6 bilhão de gha. Ou seja, se as pessoas de alta renda do mundo fossem “eliminadas num passe de mágica”, ainda assim, o restante da população mundial teria uma pegada ecológica total de 13,8 bilhões de gha, para uma biocapacidade global de 12,2 bilhões de gha. A Terra sem os ricos continuaria tendo um déficit ambiental de 13% (gastando 1,13 planetas).

Portanto, não é verdade que se pode descartar o volume da população total e considerar que exclusivamente “a distribuição desigual de recursos, o desperdício e o excesso de consumo dos ricos são as causas reais da insustentabilidade ecológica”. Para exemplificar, vamos construir uma situação hipotética.
Imaginemos um mundo perfeito, sem desperdício, e com todos os recursos igualmente distribuídos e todas as pessoas tendo exatamente o mesmo impacto ecológico (mesmo nível de consumo). E imaginemos que, graças aos incríveis avanços tecnológicos e um estilo de vida frugal, esse impacto fosse muito baixo: por exemplo, uma pegada ecológica de apenas 2 gha por habitante (inferior à atual pegada ecológica per capita da Namíbia e menor do que os 2,75 gha do mundo em 2016). Lembrando que a biocapacidade total do Planeta é de 12,2 bilhões de gha, haveria sustentabilidade ambiental neste cenário de pegada ecológica média de somente 2 gha?

Bem, haveria superávit ambiental se a população fosse inferior a 6,1 bilhões de habitantes. Mas uma população acima de 6,1 bilhões ou de quase 8 bilhões de habitantes como o mundo está se aproximando viveria em déficit ambiental. Mesmo que a pegada ecológica per capita mundial ficasse em 1,75 gha (como em Papua Nova Guiné, em 2016) só haveria superávit ambiental com uma população inferior a 7 bilhões de habitantes.
Portanto, não dá para se atingir a sustentabilidade ambiental apenas reduzindo o consumo, pois se a população continuar crescendo continuamente o déficit ambiental aconteceria mesmo com um consumo médio do padrão do Haiti. Como explicou Herman Daly, em entrevista recente (2018):
O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes que o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante. No entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia maior atenção. Nesse sentido, eu diria que, certamente, para os Estados Unidos, o consumo per capita é o fator crucial – mas ainda estamos multiplicando pela população, então não podemos esquecer a população”.
Portanto, para evitar o superconsumo e a superpopulação, podemos colocar mais ênfase na redução do consumo ou mais ênfase na redução da população. Poderíamos até eliminar todos os ricos do Planeta. Mas em termos globais, neste momento em que a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra, torna-se necessário a diminuição do consumo global e a redução da população global.
Segundo Theodore P. Lianos (2018), o ponto de equilíbrio ambiental estaria em uma população global de cerca de 3 bilhões de habitantes:
Este artigo analisa brevemente a ideia de uma economia de estado estacionário dos tempos antigos até o presente. Ele discute algumas das sugestões feitas por H. Daly em seu modelo de economia de estado estacionário e particularmente no ideia de uma população estável. Sugere que a população deve ser estável em um nível compatível com o equilíbrio ecológico. Esse nível é cerca de três bilhões de pessoas e, portanto, a população mundial deve ser drasticamente reduzido. Isso pode ser alcançado se cada família for estimulada a ter menos de dois filhos. Para alcançar essa redução da população este artigo propõe a criação de um mercado internacional para efetivar os direitos reprodutivos” (p.75).
Do ponto de vista climático, o IPCC mostra que o mundo tem apenas até 2030 para reduzir pela metade as emissões de CO2 e zerar as emissões líquidas até 2050, pois o “orçamento carbono” vai se esgotar. Porém, embora o países ricos sejam responsáveis pela maior parte das emissões históricas de gases de efeito estufa, atualmente são os países pobres e de renda média que mais emitem e que mais aceleram as taxas de emissão, como indica Alves (Ecodebate, 23/10/2019).
Por tudo isto, fica claro que o decrescimento populacional é uma condição necessária para evitar um colapso ambiental e minorar os danos de uma grave crise ecológica. Porém, não é uma condição suficiente. É preciso também reduzir o consumo e mudar o estilo de vida.
Portanto, não cabe simplesmente culpabilizar os ricos e vitimizar os pobres. O esforço para evitar o colapso ambiental terá que ser de todos, mesmo que haja responsabilidades diferenciadas. Cabe considerar o decrescimento demoeconômico como 1º passo para o estabelecimento de uma relação mais amigável entre o ser humano, as demais espécies e a natureza. (ecodebate)

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