Água e saneamento: ‘O risco da privatização ocorre em um ambiente de regulação débil’.
O Senado aprovou em
24/06/2020 o novo marco legal do saneamento básico (PL 4.162/2019). O projeto,
de iniciativa do governo, que havia sido aprovado em dezembro do ano passado na
Câmara dos Deputados, segue agora para sanção presidencial. O texto abre
caminho à privatização, pela concessão de serviços de estatais do setor
para empresas que visam ao lucro, além de prejudicar a prestação do serviço
pelas empresas públicas, ao tornar obrigatória a realização de licitações. A
tendência à privatização do setor vai na contramão das tendências
internacionais. Países como Estados Unidos e Alemanha reestatizaram seus
serviços.
Em comentário ao blog
do CEE–Fiocruz, o pesquisador da Fiocruz Minas Léo Heller,
relator especial das Nações Unidas para água e saneamento, afirma que não há
evidências de que ampliar a participação privada seja solução para o “quadro
dramático” que vive o país, quanto ao acesso a saneamento básico. “O
cenário é bastante preocupante, os argumentos dos senadores são muito frágeis e
mostram ou má-fé de alguns ou despreparo de outros. O sofismo é a marca
principal da racionalidade dos votos, cuja narrativa expõe a existência de
um déficit enorme de saneamento no país, principalmente nas regiões Norte e
Nordeste e nas favelas”, observa, ponderando que embora esse seja um
diagnóstico do qual ninguém discorda, “não há casos na história do Brasil e na
contemporaneidade em outros países, em que um quadro dramático como esse foi
solucionado via privatização”.
“O risco da privatização ocorre
em um ambiente de regulação débil, como é a regulação no Brasil, muito
recente”. Existem reguladores muito despreparados, tecnicamente frágeis.
Trata-se de um ambiente que deixa em aberto às empresas privadas o exercício
do que elas têm de mais nítido em seu DNA, que é a produção de
lucro.
Esses riscos para
os Direitos Humanos – ou para sua a violação – se apoiam em três
pilares: a premissa da maximização de lucros, que caracteriza a ação das companhias privadas; o
entendimento do saneamento como um monopólio natural, existindo, assim, uma
enorme dificuldade de regular um prestador único, em ambientes em concorrência
e monopolista; e a assimetria de poder, em que muitas vezes as companhias
privadas são muito poderosas, ou as empresas nacionais com grande capacidade de
lobby, são favorecida sem sua relação com governos geralmente frágeis. Qual é a
resultante disso? Mais exclusão, ou a não inclusão daquelas populações que sem acesso aos serviços,
além de aumento de tarifas e acessibilidade financeira comprometida.
Sem uma
regulação adequada é muito provável que as companhias privadas não se
interessem por atuar em determinados locais – Léo Heller
É sempre bom relembrar que quem não tem acesso a serviços adequados de água e saneamento no Brasil são, principalmente, grupos concentrados em zonas rurais, onde esses serviços sempre foram abandonados pelo governo brasileiro, e as periferias das grandes ou médias cidades, ou cidades muito pequenas. São populações e regiões pouco atrativas para o capital privado, e esse é o grande risco. Sem uma regulação adequada, em um país que ainda não amadureceu na sua democracia, na forma como gere os serviços públicos fica muito arriscado, e é muito provável que as companhias privadas não se interessem por atuar nesses locais. E, não há mecanismos que as façam atuar. Seria, por exemplo, interessante que, em processos licitatórios para as novas prestações de serviços, fosse incluído um mix de situações, em que uma companhia que se interessasse em atuar no Rio de Janeiro, por exemplo, tivesse que abranger as vilas e favelas, independentemente da situação de regularização fundiária dessas áreas.
Um subsídio cruzado que pode
ser salutar para proteger as populações em situação de maior vulnerabilidade.
(ecodebate)
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