Diplomatas e negociadores
internacionais alertam que o Brasil apenas recuperará sua credibilidade
internacional e passará a ser considerado como um "parceiro
confiável" quando der demonstrações reais e concretas de que está agindo
para frear o desmatamento na Amazônia.
Mas a estratégia do Planalto
de exigir uma compensação em troca de promover uma reviravolta na política
ambiental é vista nos corredores da diplomacia estrangeira como uma
"chantagem" que não será bem recebida.
Em 22/04/21 a Cúpula do Clima
convocada por Joe Biden coloca a floresta no centro do debate internacional e,
para experientes negociadores, poderá ser um "momento decisivo" para
a política externa nacional. "O que está em jogo é a posição do Brasil no
mundo", admite um embaixador brasileiro e que por anos acompanhou cada uma
das reuniões sobre questões ambientais.
Interlocutores explicaram à
coluna que a expectativa internacional é de que Bolsonaro faça um discurso no
qual ele não apenas se comprometa com a questão climática, mas também explique
o que vai fazer de concreto para atingir as metas estipuladas.
Não se trata do final das
negociações de um acordo mais amplo. Mas, segundo os diplomatas, do início de
um processo. Fontes em Washington confirmaram ao UOL que, desde o primeiro
momento, a meta de Biden não era fechar um pacto com Bolsonaro de imediato, e
sim o de tê-lo a bordo. "A batalha pode começar de forma mais intensa só
mesmo depois da cúpula", admitiu uma fonte na capital americana.
Nas reuniões preparatórias
com a equipe de Biden, a delegação brasileira fez questão de insistir que não é
o Brasil o grande responsável por emissões e que quem não está cumprindo sua
parte são os países ricos, que se comprometeram no Acordo de Paris a repassar
US$ 100 bilhões para ajudar os países em desenvolvimento a proteger o meio
ambiente.
A meta, portanto, é a de
conseguir dinheiro e, só então, agir para reduzir o desmatamento.
O mesmo discurso foi usado há
uma semana num encontro com negociadores europeus. Segundo Salles, o Brasil está
"disposto a agir". Mas insistiu que o apoio internacional até hoje
não ocorreu, da forma que estava previsto pelo Acordo de Paris.
O ministro indicou que, entre
2006 e 2017, o Brasil conseguiu evitar a emissão equivalente a 7,8 bilhões de
toneladas de gases. Se fossem remunerados com base no mercado interno europeu,
tais volumes representariam um valor de US$ 290 bilhões. "O Brasil recebeu
próximo de US$ 1 bilhão. Isso mostra que há espaço para o apoio da UE",
disse.
Seu tom não agradou e, nos
bastidores, a narrativa usada pelo Brasil foi qualificada como uma
"chantagem". "Se eles acham que podem fazer isso com a Amazônia,
a credibilidade do país será ainda mais afetada", alertou um embaixador
europeu, que pediu para não ser identificado.
Já o comissário da UE para
Meio Ambiente, Virginijus Sinkevicius, cobrou novas medidas por parte de
Brasília para que voltasse a haver confiança no país. "A UE e a comunidade
internacional esperam que o Brasil mostre mais ambição, tanto na questão do
clima como em biodiversidade, recriando confiança", declarou.
Nos bastidores, europeus
alertaram Biden sobre Bolsonaro
Segundo o comissário do bloco
europeu, o Brasil era "um dos países mais ambiciosos" em termos de
redução de CO2. Mas, em seu último compromisso apresentado às Nações
Unidas em dezembro de 2020, frustrou os parceiros. "Essa ambição não se
repetiu e foi uma oportunidade perdida", disse. Para a UE, o gesto do
Brasil "mandou um sinal ruim" para o mundo.
Na avaliação das autoridades
em Bruxelas, o governo brasileiro precisa ser consistente e ainda ampliar suas
medidas nacionais para fortalecer leis ambientais, regulamentações e
monitoramento da situação das florestas. "Esses são problemas que precisam
ser lidados de forma urgente", disse a UE, em um recado direto aos
ministros brasileiros. "O desmatamento precisa cair de forma
importante", insistiu.
Fontes diplomáticas também
revelam como diferentes governos europeus passaram a alertar a administração
Biden sobre os riscos de se negociar com Bolsonaro e Salles, sem provas reais e
mecanismos de monitoramento do que for prometido. "Exigir antes de mostrar
o que vai fazer é uma receita para continuar a ser visto com
desconfiança", alertou um negociador europeu.
Segundo esses negociadores, o
Departamento de Estado norte-americano teria entendido o recado dos aliados
europeus e recalibrado a pressão sobre Salles.
Acordo com agricultura e
Guedes
Nos bastidores, porém, a
diplomacia dos EUA ampliou seus contatos e foi buscar costurar entendimentos
também com o Ministério da Agricultura e com o Ministério da Economia. Do lado
da equipe de Paulo Guedes, a meta era a de conseguir um compromisso de que
haverá mais dinheiro do orçamento para garantir medidas de controle contra o
desmatamento.
Já com a ministra Teresa
Cristina, uma das opções discutidas seria um compromisso de metas para a
pecuária, na qual o Brasil se comprometeria a não exportar carnes que possam
ameaçar o meio ambiente ou gerar desmatamento.
Visto como uma figura
"caricata", porém, Salles é considerado como alguém que tem
influência sobre Bolsonaro e que continuaria a ter de ser incluído entre os
interlocutores.
Entre os americanos, as primeiras reuniões terminaram com diplomatas duvidando dos números que o ministro apresentava.
Carta de Bolsonaro é “mentirosa e cínica”
Nem mesmo a carta enviada por
Bolsonaro para Biden teria sido suficiente como sinalização. "É óbvio que
a carta de Bolsonaro é mentirosa e cínica, mentirosa porque alinha fatos falsos
ou meia verdades e cínica porque diz o que os americanos gostariam de ouvir,
mas faz o contrário", alertou o ex-ministro do Meio Ambiente, Rubens
Ricupero.
Segundo ele, o tweet de
16/04/21 do Enviado Especial sobre o Clima, John Kerry, em resposta à carta de
Bolsonaro a Biden, estabelece já claramente as quatro características da
posição dos Estados Unidos sobre desmatamento no Brasil. De acordo com
Ricúpero, elas são:
1ª) reconhece a importância
da reiteração do compromisso de eliminar o desmatamento ilegal;
2ª) espera ações imediatas;
3ª) engajamento com populações
indígenas e a sociedade civil;
4ª) esse engajamento é
condição para que o compromisso possa produzir resultados tangíveis.
"Ora, até o momento não
houve ações imediatas, engajamento com indígenas, com a população civil e muito
menos resultados tangíveis", alertou o ex-ministro.
"Ao contrário, horas
depois do envio da carta, o superintendente da Polícia Federal em Manaus foi
demitido por defender a apreensão de 200.000m³ de madeira ilegal, em seguida
Ricardo Salles adotou novas normas que praticamente algemam os fiscais do IBAMA
e do ICMBio e os impedem de aplicar multas", destacou o ex-ministro.
"Além disso, o mais
recente índice de desmatamento do Imazon indica que no mês de março e ainda
época de chuvas, a região registrou a maior taxa de destruição da floresta dos
últimos 10 anos, com 810 Km2, aumento de 216% em relação a março de
2020 (256 km²)", disse.
Para ele, a fim de recuperar
um mínimo de credibilidade, o governo brasileiro teria de substituir o ministro
do Meio Ambiente. "Essa seria uma condição indispensável, mas não suficiente
porque seria necessário não só colocar na pasta alguém empenhado sinceramente
em acabar com o desmatamento, e não outro general Pazzuelo", afirmou.
Ricupero acredita que a
mudança do ministro deveria ser a precondição para a mudança efetiva de políticas,
o restabelecimento do orçamento do ministério, a reconstituição do IBAMA e do
ICMBio, a escolha de funcionários competentes de carreira, "não policiais
militares incompetentes". "Não se vislumbra sinal de que isso venha a
acontecer em futuro previsível", lamentou.
Reverter "estrago
profundo" exigirá provas
Entre governos estrangeiros,
o sentimento é de hesitação sobre o comportamento do Brasil. A avaliação é de
que o "estrago" causado pelo atual governo no que se refere à
credibilidade do país foi profundo.
O Itamaraty se recusou a
receber uma reunião mundial sobre o clima, logo no início do governo e
obrigando a comunidade internacional e buscar outra sede. O governo ainda
rompeu com a Alemanha e Noruega no pacto para o financiamento de projetos na
Amazônia e passou a usar um tom agressivo contra países que questionassem a
situação na floresta.
Tampouco ajudou a narrativa
adotada pelo governo de que os incêndios eram causados por ongs e indígenas,
enquanto autoridades estrangeiras eram informadas de forma detalhada sobre os
profundos cortes nos orçamentos e atividades de controle de agências de
monitoramento.
Pressionados, governos
europeus suspenderam o processo de ratificação do tratado com o Mercosul,
enquanto o maior fundo soberano do mundo, na Noruega, reduziu seus
investimentos no Brasil.
Multinacionais tiveram de
explicar a seus consumidores que estavam buscando novas alternativas para o
abastecimento de produtos que poderiam vir do Brasil, enquanto supermercados
pela Europa passaram a anunciar de forma orgulhosa que suas prateleiras não
estavam contribuindo para desmatar a floresta.
Na ONU, a postura brasileira
passou de ser alvo de críticas contundentes para se transformar em uma
preocupação. A entidade, num gesto raro, excluiu o Brasil de sua cúpula no ano
passado ao se deparar com uma proposta de redução de emissões considerada como
insuficiente.
Biden, porém, precisa do mundo em seu evento para reafirmar a postura americana de retorno ao palco internacional. Ele também sabe que não existe cúpula do clima sem a Amazônia. Mas a enxurrada de alertas que recebeu deixou claro que não poderá simplesmente aceitar o discurso de Bolsonaro por seu "valor de face".
Cúpula do Clima 2021 liderada por Biden promete colocar os EUA na liderança da agenda do clima no mundo.
Cúpula do Clima deve frustrar
planos de Bolsonaro de acordo com Biden.
Cenário internacional
evidencia Estados Unidos na liderança da pauta climática e coloca Bolsonaro e
Brasil em xeque como párias ambientais. (uol)



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