IPCC relata que
as mudanças climáticas são reais – Conheça as principais conclusões do
relatório.
Novo relatório
do IPCC diz que influência humana no clima é “inequívoca” e que aumento de
temperatura pode superar 1,5ºC já em 2040.
Essas são
algumas das mensagens trazidas pelo Sexto Relatório de Análise (AR6, em inglês)
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), cuja primeira
parte foi divulgada em Genebra. É um documento de milhares de páginas, com 234
autores principais (mais 517 colaboradores), oriundos de 66 países (sete deles
do Brasil), que destrincha textualmente e graficamente todo o conhecimento científico
disponível no mundo sobre as mudanças climáticas globais — uma verdadeira
enciclopédia científica, com peso mais do que suficiente para esmagar qualquer
resquício de negacionismo que ainda circule por aí.
“É inequívoco
que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram
mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, no oceano, na criosfera e na
biosfera”, diz a primeira mensagem do Sumário para Tomadores de Decisão
(Summary for Policy Makers), um resumo executivo dos resultados, que acompanha
o relatório. “A mudança climática induzida pelo homem já está afetando muitos
extremos climáticos e meteorológicos em todas as regiões do globo”, conclui
outro trecho do documento.
Os relatórios
completos do IPCC são divididos em três partes, produzidas por diferentes
Grupos de Trabalho (GTs), com diferentes enfoques. O que foi divulgado agora é
o relatório do GT1, que analisa as evidências científicas da mudança do clima.
Os relatórios do GT2, que analisa os impactos da crise climática, e do GT3, que
analisa possíveis medidas de combate e adaptação a esse fenômeno, estão
previstos para o início de 2022.
Trocando em
miúdos, o que está sendo dito é que a culpa pelo aquecimento global é do ser
humano, sim, e que não há nenhuma dúvida pendente com relação a isso.
Tecnicamente falando, isso não é uma novidade — há muitos anos já existe um
consenso científico muito bem estabelecido de que atividades humanas estão
superaquecendo o planeta, e que essa elevação de temperatura é responsável
pelas mudanças climáticas, cada vez mais intensas, que temos vivenciado nas
últimas décadas. Ainda assim, o uso do termo “inequívoco” agrega uma camada
adicional de certeza e contundência ao fato. Comparativamente, o relatório
anterior (AR5), divulgado em 2013, dizia ser “extremamente provável que a
influência humana seja a causa dominante do aquecimento observado desde meados
do século 20”.
Não se trata de
uma opinião, mas de uma constatação científica. Mais de 14 mil estudos foram
analisados na elaboração do novo relatório, e as evidências não deixam dúvidas
nem sobre o papel do homem nem sobre a gravidade do problema. O que muda nesse
novo documento, em relação ao anterior é, principalmente, o grau de refinamento
das análises sobre o que está acontecendo e das projeções sobre o que pode vir
a acontecer no futuro, com base nos novos conhecimentos acumulados ao longo
desses últimos oito anos. Essa primeira parte do relatório não propõe soluções
nem avalia a efetividade de políticas públicas; apenas apresenta as evidências
científicas necessárias para embasar a tomada de decisões sobre o enfrentamento
da crise climática.
A coletiva de
imprensa do IPCC para a divulgação do relatório foi acompanhada ao vivo por
mais de sete mil pessoas. A diretora executiva do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e secretária-geral adjunta das Nações Unidas, Inger
Andersen, abriu sua fala ressaltando que as mudanças climáticas são um problema
do presente, não do futuro, e que “ninguém está seguro”. “Precisamos encarar as
mudanças climáticas como uma ameaça imediata”, destacou ela. “É hora de sermos
sérios, porque cada tonelada de CO2 emitida agrava o aquecimento
global.”
“É hora de agir, imediatamente”, reforçou o físico brasileiro Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), em um seminário online realizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) sobre o relatório. Sem uma reação imediata de todos os países, no sentido de reduzir significativamente suas emissões de gases de efeito estufa, segundo ele, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C pode se tornar “impossível”. As emissões globais de dióxido de carbono, por exemplo, teriam de ser reduzidas cerca de 7% ao ano até 2050. “A receita está dada”, pontuou Artaxo. “O IPCC já colocou claramente o que precisa ser feito.” (Assista ao seminário da FAPESP no final desta reportagem).
Limite à vista
Uma mudança que
chama a atenção no novo relatório é o recálculo da quantidade de carbono já
emitida pelo homem e o encurtamento da janela de tempo dentro da qual os
pesquisadores estimam que o aquecimento global ultrapassará a marca de 1,5°C
acima da temperatura “normal” da era pré-industrial.
Segundo os
cientistas, os seres humanos lançaram à atmosfera 2.390 bilhões de toneladas de
dióxido de carbono/CO2 entre 1850 e 2019, sendo que a maior parte
dessas emissões (entre 80% e 90%) foi gerada pela queima de combustíveis
fósseis (petróleo, gás e carvão mineral). Para limitar o aquecimento global a
1,5°C, esse total não poderia ultrapassar a marca de 2.900 bilhões de
toneladas; o que nos deixa um “saldo remanescente” de 400 a 500 bilhões de
toneladas de CO2 para serem emitidas nas próximas décadas. No ritmo
atual de 40 bilhões de toneladas emitidas por ano, esse limite seria
ultrapassado já por volta de 2040, segundo o relatório. A estimativa anterior,
publicada em um relatório especial sobre o tema de 2018, era de que essa marca
seria superada entre 2030 e 2050.
Ou seja, temos
menos tempo ainda do que imaginávamos para reduzir emissões e frear o avanço do
aquecimento global. Um aumento de 1,5°C não deixa de ter impactos
significativos sobre o clima — tanto é que as mudanças climáticas já estão em
curso e causando problemas gravíssimos em todo o planeta —, mas especialistas
consideram que este é um limite minimamente seguro, no sentido de evitar
mudanças climáticas mais severas, e minimamente factível, do ponto de vista das
ações políticas e econômicas que precisam ser tomadas para o seu cumprimento. O
objetivo do Acordo de Paris, firmado em 2015 (com base nas conclusões do último
relatório do IPCC), é justamente manter o aquecimento global “bem abaixo de
2°C” e, preferencialmente, até um limite máximo de 1,5°C.
“A temperatura
global da superfície continuará a aumentar até pelo menos meados deste século
em todos os cenários de emissões considerados. As taxas de aquecimento global
de 1,5°C e 2°C serão excedidas durante o século 21, a não ser que reduções
profundas nas emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa
ocorram nas próximas décadas”, é outra das mensagens centrais do novo
relatório, incluídas no Sumário para Tomadores de Decisão.
“A mensagem do
IPCC é cristalina: mudar agora e preparar para o impacto. As piores previsões
dos cientistas estão se tornando realidade mais rápido do que o esperado, os
pontos de ruptura estão se aproximando e o único nível aceitável de emissões é
zero”, declarou a especialista em políticas climáticas do Observatório do
Clima, Stela Herschmann.
Até agora,
segundo o IPCC, esse aumento foi de 1,1°C em comparação com a temperatura média
do período 1850-1900, que é usada como linha de base para representar a
temperatura “normal” (natural) do planeta na era pré-industrial, antes da
interferência humana. A velocidade de aquecimento observada nas últimas cinco
décadas é sem precedentes nos últimos 2 mil anos, segundo os cientistas, e a
última vez que a Terra esteve tão quente foi cerca de 125 mil anos atrás. Tudo
isso impulsionado, principalmente, pelo aumento da concentração de CO2
na atmosfera, que em 2019 atingiu 410 partes por milhão (ppm) — a concentração
mais alta nos últimos 2 milhões de anos, segundo o relatório.
“A escala das
mudanças recentes no sistema climático como um todo e o estado atual de muitos
aspectos do sistema climático não têm precedentes num período de muitos séculos
a muitos milhares de anos”, escrevem os cientistas. (Veja ao final deste texto
a lista das 14 declarações-chave do relatório).
Artaxo ressalta que essa marca de 1,5°C já foi ultrapassada nos continentes, que aquecem muito mais rápido do que os oceanos. Em áreas terrestres, o aumento já está em 1,6°C, comparado a 0,9°C nos oceanos (o que dá uma média de 1,1°C de aquecimento global total, comparado à era pré-industrial). Além disso, em escala global, esse limite só não foi superado, ainda, por causa de outro problema gerado pelo homem: a poluição do ar urbana, que contém partículas (aerossóis e fuligem, por exemplo) que refletem a energia solar de volta ao espaço e, dessa forma, causam um efeito de resfriamento — oposto ao causado pelos gases de efeito estufa. Segundo o relatório, essa poluição reduziu o aquecimento global até agora em 0,5°C. “Estamos mascarando cerca de um terço do aquecimento que já ocorreu”, ressalta o pesquisador, que é um dos sete autores brasileiros do relatório.
Eventos extremos
O excesso de CO2
(e outros gases de efeito estufa) produzido pelo homem transforma a atmosfera
numa espécie de cobertor mais grosso, que acaba aquecendo o planeta além do
desejado. É um cobertor transparente, que permite a passagem da radiação solar,
mas impede que o calor gerado por ela na superfície do planeta se dissipe no
espaço, tal qual os vidros de uma estufa (daí o nome “efeito estufa”, que é um
fenômeno natural e essencial à vida, mas que está sendo exacerbado pela ação
humana).
Um ou dois
graus a mais de temperatura pode parecer pouca coisa, mas é algo que altera
profundamente o funcionamento do sistema climático do planeta como um todo. As
consequências práticas, segundo os cientistas, não são nada agradáveis: aumento
na ocorrência e na intensidade de tempestades, secas, ondas de calor e outros
eventos climáticos extremos; derretimento acelerado de geleiras e da calota
polar do Ártico; aumento do nível e da temperatura do mar; mudanças drásticas
nos padrões de precipitação (chuvas) ao redor do mundo; e várias outras. Tudo
isso, claro, com implicações imensas para a produção de alimentos, a segurança
hídrica, a conservação da biodiversidade, a qualidade de vida nas cidades, a
saúde, a produção de energia e várias outras atividades essenciais à
sobrevivência da espécie humana no planeta Terra.
“Olhando
especificamente para o Brasil, o que salta aos olhos é uma redução drástica na
projeção da precipitação, particularmente no Nordeste e no Brasil central, o que
pode ter impactos muito importantes sobre a produtividade agrícola brasileira.
Além disso, o aumento do nível do mar terá impactos muito importantes nas áreas
costeiras do País”, destaca Artaxo.
Uma das
principais inovações deste relatório, segundo ele, é a maneira como ele
quantifica a ocorrência de eventos climáticos extremos e os relaciona às
mudanças climáticas induzidas pelo homem de forma muito mais clara do que nos
relatórios anteriores. De uma forma geral, a projeção é que quanto maior o
aquecimento, maiores a frequência e a intensidade de eventos extremos, e maior
a probabilidade de eventos que hoje são raros se tornarem relativamente comuns.
Eventos de seca que, antes da interferência humana no clima, só ocorriam uma
vez a cada dez anos, por exemplo, poderão passar a ocorrer duas a três vezes no
mesmo período, num planeta 2°C mais quente. Eventos de calor extremo que só
ocorriam uma vez a cada 50 anos, poderão ocorrer 14 vezes no mesmo período de
tempo.
“Não está se
mudando apenas o clima médio, mas também os extremos climáticos”, disse o
pesquisador Lincoln Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),
que também é autor do relatório do IPCC e foi um dos responsáveis pela
elaboração de um atlas digital interativo, que permite visualizar todas essas
alterações climáticas. Muitos dos eventos extremos que têm ocorrido nos últimos
anos ao redor do mundo, segundo ele, seriam “muito improváveis” de acontecer
sem o aquecimento global induzido pelo homem.
“É praticamente
certo que extremos de temperatura quente (incluindo ondas de calor) se tornaram
mais frequentes e mais intensos na maioria das regiões terrestres desde 1950,
enquanto extremos de temperatura fria (incluindo ondas de frio) tornaram-se
menos frequentes e menos severos, com alta confiança de que a mudança climática
induzida pelo homem é o principal motivador dessas mudanças. Alguns extremos de
calor recentes observados na última década teriam sido extremamente improváveis
de ocorrer sem a influência humana no sistema climático. As ondas de calor
marinhas dobraram de frequência aproximadamente desde a década de 1980, e a
influência humana muito provavelmente contribuiu para a maioria delas desde
pelo menos 2006”, diz o resumo executivo do relatório.
O relatório
reforça também a mensagem de que todos esses efeitos são consideravelmente mais
graves com 2°C de aquecimento do que 1,5°C. “Cada meio grau tem uma diferença
muito grande em termos de impactos”, pontuou Thelma Krug, pesquisadora do INPE
e vice-presidente do IPCC, no seminário da FAPESP.
Para entender melhor os resultados do relatório, veja os gráficos abaixo, que resumem algumas das principais conclusões e previsões do documento.
Jornal da USP (adaptado da versão original em inglês)
Influência
humana comprovada
O aquecimento
da Terra nos últimos 120 anos é um fato inequívoco, como mostram os gráficos
acima. O gráfico da esquerda (a) mostra como a temperatura da superfície do
planeta variou ao longo dos últimos dois mil anos, com base em registros
paleoclimáticos extraídos de rochas, gelo e sedimentos marinhos. Notem que a
temperatura oscila para cima e para baixo, mas não se descola muito da média
observada entre 1850 e 1900, que é a linha de base do gráfico (representada
pelo 0.0 na barra vertical do gráfico), usada como referência de temperatura
normal do planeta, antes do início da interferência humana no clima.
A partir de
1850, as temperaturas deixam de ser “reconstruídas” por meio de registros
paleoclimáticos e passam a ser medidas diretamente, por meio de termômetros. A
partir daí, o que acontece nesses últimos 170 anos é assustador: a linha do
gráfico sobe violentamente a partir do início do século 20, até ultrapassar a
marca de 1ºC de aquecimento, no início do século 21. Agora, segundo o
relatório, está em torno de 1,1ºC; e continua subindo.
Como se pode
ver no gráfico, não há precedentes para um aquecimento tão abrupto e tão
elevado nos últimos dois mil anos, pelo menos. A última vez que a Terra esteve
tão quente foi há cerca de 100 mil anos atrás, segundo os pesquisadores, por
conta de processos naturais (em que a elevação da temperatura ocorreu de forma
muito mais lenta e gradual, ao longo de milhares de anos, e não de décadas,
como está ocorrendo agora). Não por acaso, esse superaquecimento recente coincide
com a intensificação das atividades industriais e do aumento das emissões de
gases de efeito estufa para a atmosfera ao redor do mundo, principalmente em
função da queima de combustíveis fósseis para a geração de energia; pois é
justamente o acúmulo desses gases na atmosfera que faz a Terra esquentar.
O gráfico à
direita (b) mostra uma simulação de como a temperatura superficial do planeta
teria se comportado ao longo desses últimos 170 anos com base apenas em fatores
naturais (faixa verde), como atividades vulcânicas e incidência de radiação
solar — ou seja, como seria a temperatura natural da Terra atualmente, sem a
interferência humana. Já a faixa marrom mostra uma simulação de como a
temperatura teria se comportado com a somatória de fatores naturais e humanos.
Notem como as duas faixas se descolam uma da outra a partir do início do século
20 (ano 1900), e como a faixa da simulação marrom se encaixa perfeitamente com
a linha preta, que representa as temperaturas reais, registradas a cada ano
desse período — o que indica que a simulação está correta e corresponde à
realidade, tanto daquilo que aconteceu quanto daquilo que poderia ter
acontecido.
Esse é o
primeiro gráfico que aparece no Sumário para Tomadores de Decisão do relatório,
e por um bom motivo: ele solidifica uma conclusão que a comunidade científica
internacional já defende há muito tempo, de que o aquecimento global que
estamos presenciando é um fenômeno antrópico — ou seja, causado pelo homem — e
não um fenômeno natural. A culpa é da espécie humana, sim, e dos gases de
efeito estufa que ela vem lançando na atmosfera (principalmente dióxido de
carbono, metano, óxido nitroso e gases fluorados), em quantidades cada vez
maiores, desde o início da era industrial.
Como se pode ver no gráfico, não há precedentes para um aquecimento tão abrupto e tão elevado nos últimos dois mil anos (talvez nem mesmo nos últimos 125 mil anos, se compararmos com reconstruções climáticas ainda mais antigas). Não por acaso, esse superaquecimento coincide com a intensificação de atividades industriais e o aumento das emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera ao redor do mundo, principalmente em função da queima de combustíveis fósseis para a geração de energia; pois é justamente o acúmulo desses gases na atmosfera que faz a Terra esquentar.
Jornal da USP (adaptado da versão original em inglês)
Cenários
futuros
Por mais
sofisticadas que sejam as simulações feitas pelos cientistas, não há como
prever exatamente o que vai acontecer no futuro — porque esse futuro,
obviamente, é influenciado por uma enormidade de variáveis, não apenas
climáticas, mas também econômicas, políticas e sociais. Por isso, em vez de
fazer uma única previsão, o cientistas sempre trabalham com diversos cenários,
buscando projetar o que pode acontecer no futuro em diferentes circunstâncias.
Para este
relatório, o IPCC elaborou cinco novos cenários de emissões de gases de efeito
estufa para o período 2015-2100, incluindo: dois cenários mais otimistas, em
que as emissões decaem rapidamente nas próximas décadas; um cenário
intermediário, em que as emissões permanecem estáveis até 2050 e diminuem
gradativamente a partir daí; e dois cenários mais pessimistas, em que as
emissões continuam a crescer até o fim do século. (Esses cenários são identificados
pela sigla SSP, que significa Trajetória Socioeconômica Compartilhada, em
inglês).
No cenário mais
otimista de todos (linha azul clara do gráfico), as emissões antrópicas de
dióxido de carbono decairiam rapidamente nas próximas décadas, chegando a
“emissões líquidas zero” por volta de 2050, e tornando-se negativas a partir
daí — o que exigiria não só a redução de emissões, mas também a implementação
de medidas capazes de remover o excesso de carbono já acumulado na atmosfera,
como o plantio de árvores em larga escala por todo o planeta; ou seja, o homem
passaria a tirar mais carbono do atmosfera do que acrescenta. No segundo
cenário otimista (azul escuro), isso também aconteceria, mas só a partir de
2080.
No cenário
intermediário (amarelo), as emissões ainda cresceriam um pouco nos próximos
anos e começariam a diminuir só a partir de 2050, mas não o suficiente para
chegar a zero antes de 2100. Nos dois cenários mais pessimistas (vermelho e
violeta) as emissões continuariam subindo nas próximas décadas, porém em
intensidades diferentes.
O gráfico acima
mostra como a quantidade de CO2 emitido por ano evoluiria nesses
diferentes cenários. Os números à direita indicam o aumento de temperatura
projetado para cada cenário no curto prazo (período 2021-2040), médio prazo
(2041-2060) e longo prazo (2081-2100). Em todos eles, na melhor estimativa dos
cientistas, o aquecimento atinge ou ultrapassa a marca de 1,5ºC já nos próximos
20 anos — o que não significa que isso seja um futuro inexorável, pois a probabilidade
de acerto das previsões não é de 100%, mas é um indicativo fortíssimo de que
esse limite será rapidamente ultrapassado já nas próximas décadas, a não ser
que haja uma ação imediata e contundente da espécie no sentido de mudar essa
trajetória.
No cenário
intermediário, o mundo ultrapassaria 2ºC de aquecimento por volta de 2050 e,
mesmo reduzindo suas emissões a partir daí, chegaria ao final deste século com
3,6ºC de aquecimento, o que implicaria mudanças climáticas extremas e
potencialmente catastróficas para a espécie humana e todos os ecossistemas da
Terra. (A temperatura continua aumentando mesmo após a redução das emissões por
causa do acúmulo histórico de gases-estufa na atmosfera, que tem efeitos de
longa duração).
O cenário que melhor representa a trajetória atual do mundo, segundo Artaxo, é o SSP3-7.0 (linha vermelha do gráfico), no qual o aquecimento global ultrapassaria 2ºC por volta de 2050 e chegaria a 3,6ºC no fim do século — com potencial para chegar a 4,6ºC.
Mar em fúria
Uma das
consequências mais impactantes e mais irreversíveis do aquecimento global é a
elevação do nível do mar, causada por uma combinação de aumento da temperatura
da água (que aumenta o volume dos oceanos, por um processo físico de expansão
térmica) e do derretimento em massa de geleiras, tanto em terra quanto nos
oceanos.
Segundo o
relatório, o nível global do mar aumentou 20 centímetros entre 1901 e 2018, e é
“muito provável” (90% a 100% de probabilidade) que esse aumento é resultado do
aquecimento global causado pelo homem, principalmente nos últimos 50 anos. A
velocidade com que essa elevação está ocorrendo é sem precedentes nos últimos 3
mil anos, segundo os pesquisadores; e mesmo que os seres humanos zerassem
imediatamente suas emissões de gases-estufa, essa elevação continuará em curso
por pelo menos mais alguns séculos ou milênios, por causa do tempo que o calor
leva para ser absorvido e se dissipar no oceano. Os cientistas estimam que o
nível do mar subirá de 2 metros a 3 metros nos próximos 2 mil anos, se o
aquecimento global for limitado a 1,5ºC; ou até 6 metros, num cenário de 2ºC.
“É praticamente
certo que o nível médio global do mar continuará a se elevar ao longo do século
21”, diz o relatório. O gráfico acima mostra o grau de elevação projetado (em
metros) para cada um dos cinco cenários analisados pelo IPCC, até 2100. No
cenário intermediário, esse aumento ficaria entre 44 e 76 centímetros. É uma
mudança expressiva, que, combinada com o aumento do número e da intensidade de
chuvas e tempestades, pode ter efeitos devastadores sobre as zonas costeiras
continentais (onde vive a maior parte da população brasileira, por exemplo).
Num cenário
mais pessimista (linha pontilhada no gráfico), o nível do mar poderia subir até
2 metros em 2100, e 5 metros até 2150, dependendo de como os mantos de gelo das
regiões polares responderem ao aumento da temperatura. É um cenário pouco
provável, mas não impossível, e que não pode ser ignorado, segundo os
cientistas.
A previsão é
que as geleiras continentais e os mantos de gelo polar continuarão a derreter
por centenas de anos, assim como o solo congelado (permafrost) da Sibéria, que
contém uma quantidade imensa de carbono armazenada dentro dele. Outros efeitos
irreversíveis nos próximos séculos incluem o aquecimento, a acidificação e a
desoxigenação das águas oceânicas, com impactos gravíssimos para a
biodiversidade marinha global.
Ainda que não seja possível frear completamente esses processos que já estão em curso, os cientistas ressaltam que a diminuição das emissões de gases de efeito estufa (e, consequentemente, do aquecimento global) pode reduzir bastante a magnitude e duração dos seus efeitos a médio e em longo prazo. “Existe solução”, pontua Artaxo.
Panorama global
O aquecimento
global não se manifesta de forma homogênea em todo o planeta. Segundo o
relatório do IPCC, a temperatura de superfície global da Terra aumentou cerca
de 1,1ºC desde o início da era industrial, mas esse aquecimento foi maior sobre
áreas terrestres (1,6ºC) do que sobre os oceanos (0,9ºC) e algumas regiões
estão aquecendo muito mais rápido do que outras. A região do Ártico é a mais
preocupante, pois está aquecendo duas vezes mais rápido do que o resto do
planeta, e a cobertura de gelo marinho durante o verão vem diminuindo significativamente
nas últimas décadas. Até 2050, os pesquisadores estimam que já haverá verões
completamente sem gelo marinho na região.
“O relatório é
mais incisivo e claro quanto aos cenários nas regiões polares”, diz o
glaciologista brasileiro Jefferson Simões, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
O gráfico acima mostra as mudanças previstas nos padrões de temperatura, precipitação e umidade do solo em grande escala, para todo o planeta, sob diferentes níveis de aquecimento global. Vejam que a região central da América do Sul — que inclui a Amazônia e todo o Centro-Oeste brasileiro — se torna gradativamente mais quente e seca à medida que a temperatura global aumenta.
Consequências regionais
Esse gráfico
mostra como cada região do planeta deverá ser afetada por uma combinação de
eventos extremos, num cenário de 2ºC de aquecimento global. Olhando para o
Brasil, a previsão é que a região Norte se torne mais quente e seca, o que
poderá alterar gravemente o equilíbrio ecossistêmico da Amazônia como um todo.
O mesmo aconteceria na região Nordeste, que já é naturalmente muito seca, o que
traria impactos gravíssimos para a segurança hídrica, energética e alimentar da
região. A região Centro-Oeste, onde está concentrada a maior parte do agronegócio
brasileiro, também ficaria mais quente e seca, enquanto que o Sudeste ficaria,
além de mais quente, sujeito a mais extremos climáticos de natureza hídrica.
Mensagens
principais
Veja abaixo as
14 grandes conclusões listadas no Sumário para Tomadores de Decisão do sexto
relatório do Grupo de Trabalho 1 do IPCC (cada uma delas é explicada de forma
detalhada no documento):
1. É inequívoco
que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram
mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, no oceano, na criosfera e na
biosfera.
2. A escala das
mudanças recentes no sistema climático como um todo e o estado atual de muitos
aspectos do sistema climático não têm precedentes num período de muitos séculos
a muitos milhares de anos.
3. A mudança climática
induzida pelo homem já está afetando muitos extremos climáticos e
meteorológicos em todas as regiões do globo. Evidências de mudanças observadas
em extremos, como ondas de calor, precipitação forte, secas e ciclones
tropicais e, em particular, sua atribuição à influência humana, fortaleceram-se
desde o Quinto Relatório de Análise (AR5).
4. O
conhecimento melhorado dos processos climáticos, evidências paleoclimáticas e a
resposta do sistema climático ao aumento da forçante radiativa fornecem uma
melhor estimativa da sensibilidade climática de equilíbrio de 3°C, com uma
faixa mais estreita em comparação com a do AR5.
5. A
temperatura global da superfície continuará a aumentar até pelo menos meados
deste século em todos os cenários de emissões considerados. As taxas de
aquecimento global de 1,5°C e 2°C serão excedidas durante o século 21, a não
ser que reduções profundas nas emissões de CO2 e outros gases do
efeito estufa ocorram nas próximas décadas.
6. Muitas
mudanças no sistema climático tornam-se maiores numa relação direta com o
aumento do aquecimento global. Elas incluem aumentos na frequência e na
intensidade de extremos de calor, ondas de calor marinhas e fortes
precipitações, secas agrícolas e ecológicas em algumas regiões, proporção de
ciclones tropicais intensos, bem como reduções no gelo do mar Ártico, cobertura
de neve e permafrost.
7. Projeta-se
que a continuidade do aquecimento global irá intensificar ainda mais o ciclo
global da água, incluindo sua variabilidade, precipitação global das monções e
a gravidade dos eventos de chuva e seca.
8. Em cenários
com emissões crescentes de CO2, projeta-se que os sumidouros de
carbono oceânicos e terrestres se tornem menos eficazes na redução do acúmulo
de CO2 na atmosfera.
9. Muitas
mudanças devido a emissões passadas e futuras de gases de efeito estufa são
irreversíveis por séculos a milênios, especialmente mudanças no oceano, nos
mantos de gelo e no nível global do mar.
10. Os fatores
naturais e a variabilidade interna irão modular as mudanças causadas pelo
homem, especialmente em escalas regionais e no curto prazo, com pouco efeito no
aquecimento global centenário. É importante considerar essas modulações no
planejamento de toda a gama de mudanças possíveis.
11. Com o
aumento do aquecimento global, projeta-se que cada região experimentará cada
vez mais mudanças simultâneas e múltiplas nos fatores de impacto climático.
Mudanças em vários fatores de impacto climático seriam mais difundidas a 2°C,
em comparação com o aquecimento global de 1,5°C, e ainda mais difundidas e/ou
pronunciadas para níveis de aquecimento mais elevados.
12.
Consequências de baixa probabilidade, como colapso do manto de gelo, mudanças
abruptas na circulação oceânica, alguns eventos extremos compostos e
aquecimento substancialmente maior do que a faixa muito provável avaliada de
aquecimento futuro, não podem ser descartadas e fazem parte da avaliação de
risco.
13. Do ponto de
vista das ciências físicas, limitar o aquecimento global induzido pelo homem a
um nível específico requer a limitação das emissões cumulativas de CO2,
atingindo pelo menos zero emissões líquidas de CO2, junto com fortes
reduções de emissões de outros gases de efeito estufa. Reduções fortes, rápidas
e sustentadas nas emissões de CH4 (metano) também limitariam o efeito
de aquecimento resultante do declínio da poluição por aerossol e melhorariam a
qualidade do ar.
14. Cenários que preveem baixas ou muito baixas emissões de gases de efeito estufa (SSP1-1.9 e SSP1-2.6) levam a efeitos perceptíveis, num prazo de anos, nas concentrações de gases de efeito estufa e aerossóis e na qualidade do ar, em comparação com cenários de alta e muito alta emissão (SSP3-7.0 ou SSP5-8.5).
A conferência de Glasglow é uma nova oportunidade para atingir as metas climáticas.
Mudanças
climáticas: razões por que 2021 pode ser um ano crucial na luta contra o
aquecimento global.
Cenários
contrastantes, diferenças discerníveis nas tendências da temperatura da
superfície global começariam emergir da variabilidade natural em cerca de 20
anos, e em períodos de tempo mais longos para muitos outros fatores de impacto
climático. (ecodebate)
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