segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A crise financeira e o impacto ambiental

A crise financeira surge em meio à outra crise, tão relevante em nossas vidas quanto o problema econômico: a crise ambiental. Os problemas previstos com a questão do clima no mundo suscitaram debates, discussões e pouca adesão. A crise financeira promoveu uma mobilização mundial para reestabilizar o mercado mundial. Precisamos colocar o problema das finanças no plano de fundo do reequilíbrio da desigualdade planetária e no financiamento da problemática ambiental. Analisar a relação entre as duas crises, as emergências para repensar o meio ambiente a partir do que será construído para reorganizar o mercado financeiro e também sobre as oportunidades que surgem para a natureza a partir da crise no sistema econômico. Há uma gigantesca esperança com a eleição de Obama porque os Estados Unidos, como economia mais forte do planeta, generalizou políticas que eram contrárias ao ambientalismo, políticas unilaterais sem consulta, o desprezo pelas Nações Unidas e sistemas multilaterais de governança. Tudo isso, junto com políticas irresponsáveis na área de energia de finanças, gerou um buraco negro para o planeta. Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política, pela Université de Lausanne, na Suíça. É especialista em Planificação Nacional, pela Escola Superior de Estatística e Planejamento da Polônia, onde também obteve o título de mestre em Economia Social e doutor em Ciências Econômicas. Atualmente, é professor da PUC-SP. Sua mais recente obra é Democracia econômica: alternativas de gestão social (Petrópolis: Editora Vozes, 2008). Confira a entrevista. IHU On-Line - Qual o impacto da crise financeira sobre o meio-ambiente? Ladislau Dowbor - No conjunto, trata-se de um problema central que na economia chamamos de regulação econômica. Os bancos e o sistema de intermediação financeira não trabalham com dinheiro próprio, mas com poupanças que são da população. Se você olhar na nossa constituição, verá que os nossos intermediários financeiros recebem autorização para trabalhar com o dinheiro do público com o objetivo de promover o desenvolvimento e assegurar o uso produtivo das poupanças. É óbvio que o sistema financeiro desgarrou completamente dessa visão e se transformou num sistema especulativo mundial. Isso vale para o conjunto de derivativos. Na véspera da crise, a circulação diária de aplicações especulativas era da ordem de 1,8 trilhões de dólares por dia, quando o volume de importações e exportações que justificariam transações financeiras como contrapartida gira em torno de 30 bilhões por dia. Então, é uma irresponsabilidade generalizada dos grandes bancos e dos investidores institucionais que passaram a fazer dinheiro com dinheiro sem se preocupar com a sua aplicação produtiva. Isso é a base da crise, porque você monta um castelo de cartas entre especuladores baseado na incompreensão dos comuns mortais de como funciona essas coisas e o resultado é a quebra. O problema não está na crise em si. Esse é um sistema que simplesmente não funciona. Estamos nos reorientando para a redefinição das regras do jogo. Breton Woods do fim dos anos 1940 criou o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a ONU, enfim, criou regras do jogo que já estão ultrapassadas. O que está na mesa é como serão as regras do jogo para resgatar o eixo central. As poupanças, que são das populações e não dos intermediários financeiros, devem ser utilizadas para atividades produtivas, para o progresso social e para o equilíbrio ambiental; esse é o eixo central. IHU On-Line - Em relação às mudanças climáticas, que urgências são suscitadas a partir da crise financeira? Ladislau Dowbor - Ignacy Sachs fala sobre as oportunidades que saem dessa crise, e Jeffrey Sachs segue outra linha, que também é importante. Juntando essas visões, você descobre que podemos colocar na mesa o problema da crise financeira de forma mais ampla e discutir, então, a organização econômica e social do planeta. Ou seja, coloca o problema das finanças no plano de fundo do reequilibramento da desigualdade planetária e no financiamento da problemática ambiental. Esses são os dois grandes eixos de desafiam o planeta: a desigualdade - nós temos quatro bilhões de pessoas, segundo o Banco Mundial, que estão fora do chamado beneficio da globalização - e o aquecimento global que, na realidade, é a ponta mais visível, que implica no esgotamento das vidas nos mares, na erosão dos solos, na perda de cobertura vegetal por desmatamento irresponsável, na contaminação generalizada da água doce no planeta. Afora isso, um detalhe: o petróleo fácil está acabando, ou seja, a matriz energética precisa ser repensada. A crise é bem mais ampla e, de certa maneira, ao desencadear, com extrema visibilidade para todo o planeta, a irracionalidade e a fraude sistemática que existe nos mecanismos financeiros põe em discussão as regras do jogo para a regulação planetária para o conjunto dos problemas sociais e ambientais. O planeta está frente a frente com a responsabilidade. São problemas demasiadamente amplos. Nós acreditamos tempo demais que o mercado resolveria que uma mão invisível resolveria. Nós precisamos de governança planetária que funcione. Há uma gigantesca esperança com a eleição do Obama porque os Estados Unidos, como economia mais forte do planeta, generalizou políticas que eram contrárias ao ambientalismo, políticas unilaterais sem consulta, o desprezo pelas Nações Unidas e sistemas multilaterais de governança. Tudo isso, junto com políticas irresponsáveis na área de energia de finanças, gerou um buraco negro para o planeta. Os Estados Unidos têm um peso tal para o planeta que não se conseguem soluções sistêmicas sem que eles contribuam. Então, essa virada atual abre imensas esperanças. IHU On-Line - Como avalia a posição dos governos frente às duas crises? Ladislau Dowbor - O Brasil vive uma situação bastante particular. Em primeiro lugar, o fator crítico no Brasil é a desigualdade social e nesse plano é um país que está indiscutivelmente fazendo a lição de casa. A partir do governo Lula, temos o Bolsa Família, que atingiu cerca de 45 milhões de pessoas, a capacidade real de compra com o salário mínimo superior a 30%, o que favoreceu cerca 26 milhões de trabalhadores. O aumento do salário mínimo, como ele é um regulador das pequenas aposentadorias, atingiu também a melhoria de cerca de 16 milhões de aposentados. Tivemos ainda um aumento em cerca de dez milhões de empregos nessa gestão e o aumento do Pronaf. Regiões mais pobres do país vivenciaram o Programa Territórios da Cidadania. Esse conjunto de iniciativas que inclui outros projetos, como o ProUni, está ajudando a reequilibrar socialmente o país. O outro eixo é o ambiental, em que vivemos uma situação particular. Porque nós temos uma matriz energética que é das menos agressivas no planeta. O Brasil está baseado essencialmente em energia hidrelétrica. Onde nós somos mais vulneráveis é nas queimadas, por exemplo, aquelas utilizadas na produção de açúcar e na Amazônia. O terceiro eixo nessa problemática ambiental é que o Brasil tem a maior reserva planetária de terras agrícolas paradas, ao mesmo tempo em que possui imensas reservas de água. Com a necessidade de evolução para biocombustíveis, é óbvio que um país com gigantescas reservas de terra e água tem trunfos na mão extremamente poderosos. O Brasil é, em grande parte, o eixo das soluções, não dos problemas. O problema está e continua nos Estados Unidos, que têm 4% da população e mais de ¼ da produção de gases estufas do planeta. É ali que realmente está se gerando a ameaça. Complementarmente, temos fortes ameaças da China e outros países com bastante peso populacional. Pense que a China e a Índia representam 40% da população mundial. Na visão mais ampla, o planeta deve repensar a sua sustentabilidade. Nós usamos, para essa mudança institucional necessária, a visão de que há três personagens sem voz: a natureza é silenciosa, os quatro bilhões de pobres do planeta não têm voz e nem aparecem na mídia, e as futuras gerações que serão privadas de água limpa, de vida nos mares, também não estão presentes para protestar. Esse sistema de desenvolvimento que nos enche de publicidade na televisão, com imagens de bonecas Barbie dizendo que está tudo uma maravilha, é muito demagógico e irresponsável. IHU On-Line - Com as proporções que a crise financeira tomou, há uma perspectiva diferente para a abordagem ecológica? Como essa abordagem deve acontecer? Ladislau Dowbor - Isso é justamente o que está se colocando embaixo do título geral de Breton Woods II. É interessante lembrar que Breton Woods surge a partir de uma gigantesca crise gerada por uma guerra mundial, 60 milhões de mortos e uma disposição do planeta de dizer um basta. De certa maneira, nesse sentido, a crise é geradora de oportunidades porque balança as visões do planeta. Se não fosse a crise financeira, o Obama não teria sido eleito, e então estaríamos com a continuação da exploração do petróleo e mais irresponsabilidades mundiais e mais guerras. Essa crise leva o presidente da França, um conservador liberal, a dizer: “Não é possível continuar sem recuperar o poder da política sobre os mecanismos econômicos”. Pensemos que há toda uma atitude brasileira no sentido de se construir alternativas. IHU On-Line - Pensar no meio ambiente estimularia uma nova forma de desenvolvimento econômico? Que oportunidades para o meio ambiente surgem diante dessa crise financeira? Ladislau Dowbor - Não tenho dúvidas. Isso passa por vários eixos. Precisamos mudar a matriz energética. Por isso, tantas empresas estão começando a produzir carros elétricos, sistemas mistos, enfim, estão buscando novas tecnologias. No mundo da agricultura, a simples extensão de grandes propriedades de monocultura com muitos pesticidas e contaminação, essa visão que chamamos de revolução verde, está sendo colocada de lado. Isso gerou um relatório planetário muito importante sobre a aplicação das tecnologias da agricultura.

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