quinta-feira, 11 de junho de 2009

A poeira do deserto do Saara, na África, tem uma influência importante no regime de chuvas da Amazônia

Poeira do deserto faz chover na floresta. A poeira do deserto do Saara, na África, tem influência importante no regime de chuvas da Amazônia. A afirmação pode parecer inusitada à primeira vista, foi comprovada em um estudo realizado por um grupo internacional de pesquisadores com participação brasileira, publicado na revista Nature Geoscience. De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do trabalho, o objetivo foi realizar, pela primeira vez em uma região tropical do planeta, medidas de aerossóis conhecidos como núcleos de condensação de gelo – partículas que têm a propriedade de formar nuvens convectivas, influenciando a precipitação, a dinâmica das nuvens e a quantidade de entrada e saída de radiação solar. As nuvens convectivas na Amazônia, que ficam entre 12 e 15 quilômetros de altitude, têm suas gotas congeladas. Para que possam aparecer partículas de gelo nessas nuvens é preciso existir os núcleos de condensação de gelo. Pela primeira vez medimos as propriedades físico-químicas desses núcleos. Segundo Artaxo, ao fazer as medidas, o grupo descobriu que a vegetação da própria Amazônia e a poeira proveniente do Saara são as duas principais fontes dos núcleos de condensação de gelo. "A importância disso é que a maior parte da chuva na Amazônia é proveniente das nuvens convectivas. E é a primeira vez que detectamos essas partículas. Identificamos como núcleos de gelo e medimos suas propriedades físicas, químicas e biológicas", disse o também coordenador do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) e ex-coordenador da área de geociências da FAPESP. Para realizar o estudo, o grupo utilizou modelos matemáticos que simulam o comportamento das nuvens de gelo em condições amazônicas. Surpreendente é que a poeira do Saara é responsável por uma fração significativa dos núcleos de condensação de gelo da Amazônia, especialmente em altas altitudes e temperaturas mais baixas. O estudo sugere a contribuição de partículas biológicas locais para a formação de núcleos de gelo, aumenta em altas temperaturas atmosféricas e altitude mais baixa, enquanto a contribuição por partículas de poeira cresce nas baixas temperaturas das regiões mais altas. “Descobrimos que a vegetação da própria floresta alimenta os núcleos em altitudes que vão até 8 ou 9 quilômetros. Enquanto isso, a poeira do Saara nessa época do ano – o estudo foi feito entre fevereiro e março – predomina em altitudes acima de 9 ou 10 quilômetros”, disse. As análises apontaram que os núcleos são compostos principalmente de materiais carbônicos e poeira. Mostra-se que as partículas biológicas dominam a fração carbônica, enquanto a importação da poeira do Saara explica o aparecimento intermitente de núcleos contendo poeira. A poeira do deserto africano é um fenômeno atmosférico sazonal cujo pico se dá entre março e o fim de abril. É um fenômeno de transporte atmosférico de longa distância que já conhecíamos. Nunca se tinha medido as propriedades de nucleação dessas partículas. Continuidade em Temático Na primeira fase do estudo a equipe utilizou um equipamento supercongelador para esfriar as partículas a 50 graus negativos e lançá-las na Floresta Amazônica, a fim de fabricar cristais de gelo. A partir daí, analisamos as propriedades físicas, químicas e biológicas desses cristais, utilizando técnicas analíticas nucleares, especificamente o método Pixe, disponível no Instituto de Física da USP. Pudemos analisar a concentração de alumínio, silício, titânio e ferro nas partículas. A partir da análise, os pesquisadores descobriram que a assinatura elementar das partículas correspondia à assinatura da poeira do deserto do Saara. O segundo passo foi descobrir como essas partículas saem da África e chegam à Amazônia. Para isso rodamos modelos de circulação global da atmosfera e mostramos que, efetivamente, quando estavam presentes as concentrações de alumínio, silício, titânio e ferro que correspondiam à poeira do Saara, o modelo confirmava essa circulação. Com a pesquisa, o grupo concluiu que a concentração e a abundância de núcleos de condensação de gelo na Amazônia podem ser explicadas, em sua quase totalidade, por emissões locais de partículas biológicas complementadas pela importação da poeira saariana.

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