domingo, 5 de julho de 2009

Atingir meta ambiental é atuar contra a pobreza

Para ativista sul-africano, crise financeira forma a “tempestade perfeita” que pode levar a um mundo mais equilibrado e limpo. Quem conhece o sul-africano Kumi Naidoo sabe que sua vida é uma busca por justiça social. Ativista antiapartheid aos 15 anos, quando foi expulso da escola por suas atividades, foi preso ainda jovem e exilado no Reino Unido na década de 1980. Retornou ao seu país após a libertação de Nelson Mandela e ajudou a formar e estabelecer um novo sistema eleitoral. Atuante na defesa pela democracia, educação, igualdade entre sexos e direitos sociais e econômicos, em janeiro fez uma greve de fome por 21 dias para chamar a atenção para violações de direitos humanos no Zimbábue. Agora, ele junta movimento social com ambiental: a partir de novembro, assume a direção executiva de uma das organizações ambientalistas mais conhecidas do planeta, o Greenpeace. Segundo ele, não existe justiça social sem a ambiental. "As pessoas dos países em desenvolvimento, as mais pobres, são as menos responsáveis pela catástrofe planetária em que nos encontramos e são as que pagarão o preço mais alto", afirmou. P - O que alguém com uma história voltada à luta pelos direitos humanos fará em uma organização ambientalista? R - Não vejo contradição. A primeira geração que lutou por direitos humanos foi atrás basicamente de direitos políticos e civis. A segunda lutou por direitos econômicos. E a terceira geração, por direitos ambientais. As pessoas dos países em desenvolvimento, as mais pobres, são as menos responsáveis pela catástrofe planetária em que nos encontramos, e são as que pagarão o preço mais alto. Isso acontece agora e continuará assim porque os governos não são capazes de se adaptar aos estragos das mudanças climáticas. P - Movimento ambientalista é também social? R - Em termos de direitos humanos básicos, é inaceitável que algumas pessoas nem mesmo pensem em ter acesso à água e a saneamento, por exemplo. Então, atingir essa meta ambiental também significa atuar contra a pobreza. Só que a comunidade dos direitos humanos não trabalha ao lado de quem luta contra a pobreza. Esses caras, por sua vez, não trabalham com a comunidade da justiça ambiental e assim vai, sucessivamente. É necessário fazer um trabalho mais integrado. E acho o Greenpeace realista, pois está engajado na negociação com governos e com o G-8, o G-20, o Fórum Econômico Mundial, mas não para com suas ações de resistência e de desobediência civil. P - Por que negociar com o governo? R - Os governos - dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento - não agem com a urgência necessária para lidar com as mudanças climáticas e outras catástrofes ambientais, assim como não agem para acabar com a pobreza. P - Não é uma questão de prioridade para o desenvolvimento? R - Veja qual é o tipo de dinheiro que circula pelo mundo durante essa crise financeira. Tirar todo mundo da pobreza custaria US$ 500 bilhões de dólares e os países ricos por muito tempo falaram que era muito dinheiro. Nos últimos oito meses, falar sobre US$ 1 bilhão é troco, porque bilhões de dólares estão indo para os bancos. P - O problema não é falta de verba. R - É totalmente injusto e inaceitável que em um mundo com tantas riquezas nós não sejamos capazes de atender as necessidades básicas das pessoas, como comida, água, educação, saneamento básico. O modelo de desenvolvimento leva a essa desigualdade. Se você olha para o G-20 - cuja reunião começa nesta semana com foco na crise financeira -, vemos esses governos usarem a fórmula antiga e ineficiente de sempre para lidar com os problemas globais com as mesmas ferramentas e análises. E usar a mesma lógica foi o que nos colocou nesta situação. P - Qual fórmula aplicar? R - Eu descrevo o que acontece no mundo como a tempestade perfeita. Primeiro tivemos a crise dos combustíveis. Depois, uma crise de preços dos alimentos - que não é uma crise de alimentos, porque há comida, o problema é sua distribuição e a especulação. Agora temos uma crise financeira que atinge a classe média. Todas elas vêm juntas, em uma tempestade perfeita. Nossos governos podem ser ousados e corajosos, incorporar a questão da crise climática, olhar para essas três crises e apresentar um compêndio de soluções. P - Que tipo de solução? R - Por exemplo: há muitas pessoas perdendo seus empregos tradicionais. O que pode ser feito é criar milhares de empregos "verdes", que ajudem a lidar com a questão das mudanças climáticas. (O presidente americano Barack) Obama está fazendo algo nesta direção. Mas por enquanto vemos muita conversa - e conversar é barato. Precisamos agora é agir com urgência, com um pensamento ousado e novo. P - Como os governos devem agir para obter justiça social e ambiental e equilíbrio financeiro? R - Você não pode viver esperando que o mercado se ajuste. Os governos precisam fornecer regulações sensíveis para equilibrar a economia global e dar a mais oportunidades às pessoas. Muitos não estão preparados para lidar com a crise climática, não querem sair da zona de conforto e repensar os padrões de consumo, o que significa repensar a forma de utilização de energia, e por aí vai. Acho que organizações como o Greenpeace podem levar essa perspectiva para as pessoas. Quem é Kumi Naidoo - Doutor em sociologia política pela Universidade de Oxford - Foi cofundador da Glogal Call to Action Against Poverty, coalizão de mais de cem países contra a pobreza Faz parte do conselho de organizações como o Clinton Global Initiative, Amnesty International, Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as mulheres e Fórum Econômico Mundial Foi secretário-geral da Civicus, voltada aos direitos civis

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