sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Documento de Posicionamento da Sociedade Civil Brasileira sobre Cumprimento do Pidesc pelo Estado Brasileiro

Subsídio para Debate no Comitê DESC/ONU. O objetivo deste documento é apresentar o posicionamento da sociedade civil brasileira representada pelas redes que assumiram a tarefa de elaborar e apresentar um Contra Informe ao Comitê DESC/ONU: Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais e Ambientais (DHESCA Brasil), Parceiros de Misereor no Brasil e Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Européias e Contrapartes no Brasil (PAD). O documento é apresentado em duas partes: uma geral, na qual a sociedade civil aponta o que entende ser a questão central, o maior empecilho para a realização dos DESC no Brasil; e outra complementar, na qual são enunciados posicionamentos sobre questões estruturantes que apontam as principais contradições que estão na base dos desafios para que o Brasil dê passos significativos para a realização do previsto no PIDESC. Os posicionamentos aqui assumidos tomam por referência as informações e análises produzidas no Contra Informe, já apresentado ao organismo das Nações Unidas. Os dados são atualizados em razão da oferta de argumentos para sustentar os posicionamentos. POSIÇÃO GERAL Modelo de desenvolvimento adotado pelo País não faz frente às desigualdades estruturais e persistentes, além de atingir diretamente populações cujos direitos são violados, constituindo-se em claro impeditivo para a realização dos DHESC As Observações Conclusivas (2003) do Comitê DESC/ONU foram enfáticas ao dizer que, entre os fatores e dificuldades que impedem a implementação do PIDESC no Brasil estão as desigualdades e a injustiça social, junto com as conseqüências do impacto do ajuste estrutural. A sensibilidade do Comitê apontou a principal ferida estrutural da sociedade brasileira. Agora, alguns anos depois das Observações, não há qualquer motivo para comemorar: mesmo com leve redução, a desigualdade persiste e os impactos do ajuste estrutural se consolidam. A desigualdade é altíssima, sendo um dos países mais desiguais do mundo: segundo o IPEA, os 10% mais ricos concentram 75,4% da riqueza do país. A riqueza está concentrada em três capitais brasileiras: em São Paulo, a concentração na mão dos 10% mais ricos é de 73,4%, em Salvador é de 67% e, no Rio de Janeiro, de 62,9%. A este dado soma-se um estudo histórico, também feito pelo IPEA, no qual aparece a seguinte constatação “a queda no grau de diferenciação dos rendimentos no interior da renda do trabalho (distribuição pessoal da renda) nos últimos 17 anos (1990-2007) não significou, necessariamente, que a desigualdade na distribuição funcional da renda também tenha diminuindo. Pelo contrário, conforme ocorreu nos períodos de 1990-1996 e de 2001-2004, a queda na repartição pessoal da renda se deu simultaneamente ao aumento na desigualdade da distribuição funcional da renda (perda de participação relativa do rendimento dos trabalhadores)”. O mesmo estudo mostra que em 2/3 dos últimos 17 anos ocorreu elevação parcial ou total no grau de desigualdade na renda nacional. O instituto conclui que “Nesse ritmo de crescimento, o rendimento do trabalho deve voltar, em perspectiva, à mesma situação já verificada em 1990, quando representava 45,4% do total da renda nacional, somente em 2011”. A resposta do Estado, através de políticas de transferência direta de renda (Bolsa Família), do aumento real do salário mínimo e da grande importância da Previdência Social, como fator de renda das famílias colaboraram para reduzir a pobreza e integrar um amplo contingente de famílias ao consumo, tem sido resposta relativamente importante, mas, ao que indicam os recentes dados, insuficiente para fazer frente à desigualdade. Ademais, o ingresso no mercado de consumo não necessariamente significa integração à cidadania. A lógica de estimular o desenvolvimento através da implantação de grandes projetos (política patrocinada pelo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC), além de beneficiar de forma prioritária o grande capital, impactam negativamente as populações diretamente atingidas, especialmente populações tradicionais, e o meio ambiente. Segundo estudo elaborado pelo PAD, a “aposta baseada na construção de grandes projetos traz consigo uma idéia de ‘modernização’ e ‘progresso’, especialmente para as populações que, desde sempre, tem convivido num universo rural e tradicional como parâmetro para suas condições de vida. Mas as práticas sociais baseadas nesta idéia de ‘progresso’ têm semeado muitas vezes o seu oposto, desestruturação, dificuldades e até miséria pelo planeta. Alguns efeitos destes projetos, como grandes barragens ou a disseminação de áreas de agronegócio, acabam por provocar a negação do que os motivou: semear bem estar, trabalho e progresso. No seu lugar, colecionam-se mazelas, como concentração de riqueza, aumento da desigualdade, desemprego e destruição irreparável do meio ambiente. Na compreensão da sociedade civil brasileira, o desenvolvimento deveria estar centrado nos seguintes requisitos: a) o ser humano sujeito de direitos deve estar no centro dos processos; b) a economia deve ser considerada pelo que ela é, um instrumento, e não um fim em si mesmo, desvinculada de valores; c) o respeito e a garantia dos direitos humanos devem se constituir como uma nova ‘condicionalidade’ nas opções econômicas que se apliquem; d) que se imponha a busca simultânea das grandes prioridades, como o emprego, o respeito ao meio ambiente e das comunidades, a construção de instituições democráticas e a distribuição da riqueza. O referido estudo do PAD abordou alguns exemplos significativos que descrevemos rapidamente. O primeiro caso estudou a produção de agrocombustíveis. O estudo concluiu que os vários grandes projetos de desenvolvimento têm em comum: “são executados por grandes empresas com capital nacional e internacional, inclusive com recursos públicos via BNDES; o objetivo principal dessas obras é a geração de energia para abastecimento de grandes indústrias, como plantas de pólos siderúrgicos na região Nordeste e pólos industriais na região Norte; as pessoas vitimadas sofrem as mesmas discriminações étnico-raciais, expropriações materiais (baixos salários, expulsão da terra, privação de água) e violação de direitos. Em qualquer que seja o caso analisado no bojo do atual modelo de desenvolvimento, os prejudicados são camponeses, indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e urbanos assalariados e movimentos sociais; o modelo político social no qual se expandem os monocultivos; privilegia grandes empresas e concentra a riqueza. Trata-se de procedimentos e desdobramentos diametralmente opostos às propostas de reforma agrária e desenvolvimento industrial baseados na criação de micro e médios pólos de desenvolvimento nos quais as comunidades locais tenham pleno acesso aos processos de decisão sobre a organização e distribuição da produção, em consonância com suas características e necessidades locais; os processos e instrumentos de tomada de decisão não são democráticos e os movimentos sociais que se empenham em trazer o debate a público, em denunciar as violações dos direitos da pessoa humana, em anunciar modelos alternativos corretos ecologicamente e justos socialmente, são fortemente combatidos e criminalizados, como vem acontecendo com lideranças dos movimentos sociais. Pode-se compreender que o atual modelo de desenvolvimento se assenta sobre ações privadas e estatais que invertem a lógica do desenvolvimento orientado para o bem estar social, centrando-se na castração da democracia, depredação dos recursos naturais, multiplicação social da pobreza e violação de direitos. Nessa perspectiva, a violação dos DhESCA não se restringe aos trabalhadores cortadores de cana, aos povos indígenas, quilombolas, camponeses e movimentos sociais. A questão é mais profunda. Trata-se de um ataque duríssimo à estabilidade biológica do planeta e a toda a humanidade, através da violação de direitos como a liberdade de ir, vir e ficar, liberdade de opinião e escolha, acesso a mínimos vitais sociais como habitação, trabalho decente, alimentação, educação, lazer”. Outro caso analisado é do Complexo do Rio Madeira, na Amazônia, especialmente no Estado de Rondônia. Nesse caso, o estudo conclui que o modelo de ‘projetos de desenvolvimento’ implantado no Brasil tem produzido impactos irreparáveis para as populações tradicionais da Amazônia e para o desenvolvimento de seus territórios. “O deslocamento forçado de populações ribeirinhas devido à implantação de grandes projetos de barragens, gasodutos e rodovias, é exemplo de impacto desses projetos”. A construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau que, junto com outras formam o chamado Complexo Madeira, são a grande aposta do governo federal no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para o aumento da oferta de energia nos próximos anos, expansão da agropecuária na região e escoamento de produção de grãos, principalmente da soja. Os danos são irreversíveis por acarretarem penosas conseqüências sociais que envolvem comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas, extrativistas e urbanas. Entre esses impactos diretos estão, por exemplo, o aumento da mortandade dos peixes, a destruição dos igarapés, um dos principais locais de pesca dos ribeirinhos, a destruição da biodiversidade da floresta e perda de terras férteis de roçado, pela inundação da várzea do rio decorrente da construção das barragens. “A implantação dessas barragens expulsa as populações ribeirinhas de suas terras e moradia e impede seu meio de subsistência, já que esta população tem seu modo de vida estruturado a partir da convivência diária com o rio”. O caso da transposição do Rio São Francisco, no Nordeste, é outro exemplo de grande projeto com grande impacto. O estudo aponta que: “Assentado numa lógica de integração desintegradora, o projeto da transposição materializa, em território nacional, a mesma perspectiva de fortalecimento e ampliação do poder das transnacionais, do agronegócio, das grandes empreiteiras e das elites favorecidas pela infra-estrutura disponibilizada para megaprojetos em âmbito continental. Ele se constitui como instrumento de reafirmação política das novas oligarquias das regiões envolvidas, que usam dinheiro e poder para valorizar seu patrimônio e reafirmar sua prevalência política através do mercado que a água favorece”.

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