sábado, 19 de dezembro de 2009

O mercado de carbono: trapezistas sem rede

Não há nada melhor do que criar um problema para ganhar um negócio. Isso é assim, no mínimo, para os experientes homens e mulheres de negócios. Desse jeito, por trás das guerras surge o negócio armamentista. Por trás da insegurança cidadã, decorrente em grande medida de modelos de injustiça econômica e social, está o negócio da segurança: seguros, sistemas de vigilância, grades, alarmes e políticos “salvadores” que agem com mão de ferro. Por trás das doenças está o negócio da “saúde”: a indústria do medicamento e o poder médico corporativo. E por trás da mudança climática estão- como você já deve ter adivinhado: as empresas e os governos que com seu modelo de desenvolvimento extrativista, globalizado e consumista a provocaram. A partir da Revolução Industrial destamparam a caixa de Pandora dos combustíveis fósseis enterrados no subsolo durante milhões de anos e os liberaram na forma de gases de efeito estufa, provocando o reaquecimento da atmosfera da terra. Depois de muitos anos, foram comprovados os graves impactos que isto tem tido no clima. Mas eles não têm qualquer intenção de mudar, e acima de tudo querem fazer dinheiro. Aqui entram em cena os trapezistas. O mercado de carbono, adotado pelo Protocolo de Kyoto da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, é um sistema muito complexo que foi promovido por governos, instituições financeiras e empresas para enfrentarem a mudança climática. Baseia-se principalmente em tratar a capacidade do planeta para reciclar o dióxido de carbono, um dos gases principais de efeito estufa causadores da mudança climática, como um novo recurso escasso que é transformado em mercadoria, recebe um preço e é vendido a quem fizer o maior lance. Isso evita que empresas e governos cumpram verdadeiramente o objetivo de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Assim, se aposta em uma “solução de mercado”, quer dizer, em criar sistemas de compra e venda de carbono que é dividido em unidades mensuráveis. Ao mesmo tempo, a mudança climática é uma “oportunidade” para o negócio. E com ela aparecem os trapezistas, balançando-se em seus mercados, fazendo piruetas no ar. As piruetas são de tal jeito que acabam cumprindo os objetivos de redução, sem que aconteça nenhuma redução! A comercialização de carbono adota duas metodologias principais: o mecanismo batizado como ‘cap and trade’ e a “compensação”. No ‘cap and trade’ um governo ou autoridade central (como a Comissão Européia, por exemplo) estabelece um tope (cap) sobre a quantidade de gases de efeito estufa que pode ser emitida em uma área específica. Todas as empresas têm determinadas licenças de poluição (créditos de carbono) e aquelas que ultrapassarem o limite fixado podem comprar créditos daquelas que emitem menos. Até hoje, grande parte das licenças foram outorgadas de forma gratuita. O número de licenças concedidas é calculado de acordo com os níveis atuais de poluição por gases de efeito estufa, e assim aqueles que mais emitiram no passado, hoje são os mais recompensados pelo subsídio. É desta forma que opera o Sistema Europeu de Comércio de Emissões (ETS), atualmente o maior mercado de carbono. A outra metodologia de comerciar o carbono é a “compensação”. Este sistema habilita empresas, governos, instituições financeiras internacionais e indivíduos- inicialmente de países do Norte- que realizam atividades poluidoras, a financiar em outro lugar- países empobrecidos do sul que “precisam” do “desenvolvimento”- projetos que supostamente permitem evitar emissões de carbono. Com isso supõe-se que estariam compensando as emissões que de todas as formas continuam fazendo. A fórmula é: eu contribui à mudança climática, eu pago a você para que você não o faça (supostamente), porém, eu continuo fazendo-o! Desculpe, e a redução? Assim funciona o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo administrado pelas Nações Unidas. Vários agentes bursáteis e economistas da escola daqueles que estiveram por trás da recente crise financeira foram os ideólogos do mercado de carbono, que resultou ser um fracasso no tocante ao pretenso objetivo de enfrentar a mudança climática. De fato, desde sua criação fez o oposto a incentivar e reunir fundos para uma transição rumo a uma economia livre de combustíveis fósseis: não apenas permite que os principais poluidores de combustíveis fósseis driblem sua responsabilidade de realizar a imperiosa mudança estrutural senão que continua “exportando” esse modelo destrutivo a países do Sul. Um exemplo são os projetos de plantações de árvores em grande escala como “sumidouros de carbono”, ou para agrocombustíveis, que ocupam territórios, deslocam populações, acabam com ecossistemas. Por outro lado, a mercantilização das emissões de carbono tem gerado um novo “colonialismo climático”. O comércio de carbono constitui uma forma de privatização do ar limpo, da atmosfera e a privatização da licença para poluir. Aqueles que puderem pagar podem comprar “licenças” para contaminar o ar de outros. Outras propostas, como o uso de biochar, energia nuclear e idéias fantasiosas como as referidas em alguns artigos deste boletim, vêm sendo seriamente consideradas em diversos sistemas de comércio de carbono. O investidor multimilionário George Soros disse com clareza: “É possível especular com o sistema; é por isso que empolga a caras das finanças, como eu- porque é lá onde se encontram oportunidades financeiras”. Além da insensatez e irresponsabilidade desses trapezistas que se lançam, e nos lançam, alegremente no ar e sem rede, a tragédia é que criam enteléquias, como os “créditos de carbono” ou a “compensação” de emissões, e fazem que o mundo acredite que funcionam como mercadorias. Ou que funcionam sequer. Assim foram montadas estruturas perspicazes que incluem economistas e prêmios Nobel e que são alimentadas por volumosas quantidades de dinheiro, em torno de uma enorme incoerência. A incoerência surge de equiparar as emissões de carbono da biosfera (dos vegetais, o solo, os oceanos, os animais e os humanos), cujo carbono manteve-se circulando em equilíbrio desde que a vida humana começou no planeta, com as emissões de carbono dos combustíveis fósseis, o carbono subterrâneo que irrompeu na atmosfera há uns 200 anos e alterou esse equilíbrio. Esse carbono simplesmente não pode ser devolvido às profundezas da terra por enquanto. E todas as propostas feitas desde o mercado do carbono colocam tudo no mesmo saco sem contemplarem a medida de deter a origem do problema: a extração de combustíveis fósseis. A solução do mercado de carbono está muito longe de ser a verdadeira solução para a mudança climática: encontrar para a humanidade as formas de manter por baixo da terra o que resta dos combustíveis fósseis e reorganizar os sistemas de energia, transporte e moradia das sociedades industriais!

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