sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Terra seca, rios cheios

Terra seca, rios cheios: Circulação das massas de ar prejudica até mesmo áreas distantes das desmatadas. Cortar florestas não causa apenas transformações locais como a erosão do solo. Pode também provocar mudanças mais abrangentes, num primeiro momento aumentando e depois reduzindo o volume de água dos principais rios de uma região. A redução de chuva que deve se seguir pode afetar também áreas distantes da que foi desmatada, por causa da circulação de massas de ar na baixa atmosfera, de acordo com estudos recentes de pesquisadores de Minas Gerais e dos Estados Unidos sobre a Floresta Amazônica. “Sem a vegetação nativa, que libera parte da água da chuva para a atmosfera na forma de vapor, mais água vai escoar para os rios, mesmo que o volume de chuvas não aumente”, diz Marcos Costa, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Minas Gerais. Costa é um dos autores do artigo publicado em maio deste ano na Journal of Hydrology com esses resultados, obtidos por meio de observações de campo e simulações matemáticas de mudanças no uso da terra e na atmosfera sobre o regime de chuvas. A maior oscilação do nível dos rios pode ter sérias consequências para quem vive perto deles – já que inundações mais severas podem preceder secas mais dramáticas – e para a geração de energia elétrica – já que as hidrelétricas são planejadas com base em oscilações regulares da vazão dos rios. Rios próximos de terras desmatadas já transportam mais água, em resposta a transformações ambientais das últimas décadas. Em um estudo de 2003 na Journal of Hydrology, Costa e dois colegas da Universidade de Wisconsin verificaram que o volume de água aumentou em média 25% nos principais rios da bacia hidrográfica Araguaia-Tocantins na comparação entre 1949-1968 e 1979-1998. “Esse aumento de vazão é importante porque estamos falando de médias de longo prazo, de 20 anos ou mais, em uma escala temporal em que a variação deveria ser mínima ou nula”, diz Costa. Essa rede de rios irriga cerca de 10% do território nacional, uma área equivalente a três vezes o estado de São Paulo. “Ninguém imaginava que esses efeitos já estivessem ocorrendo.” Outra conclusão é que nas duas últimas décadas a época de vazão mais intensa do Tocantins tem começado um mês antes, implicando potenciais alterações na capacidade de geração de energia nas quatro hidrelétricas do Tocantins – uma delas, a de Tucuruí, é a segunda maior do Brasil. “Essas informações são importantes e têm de ser levadas em conta no planejamento de aproveitamento de recursos hídricos”, diz Benedito Braga, diretor da Agência Nacional das Águas (ANA), que conheceu os resultados desse estudo em um seminário na Suécia em 2007. O plano estratégico da bacia hidrográfica dos rios Araguaia e Tocantins, apresentado este ano pela ANA, prevê a construção de 13 hidrelétricas até 2016. Áreas vulneráveis – A bacia amazôni­ca pode perder de 25% a 40% das matas nativas até 2050 se o ritmo de desmatamento se mantiver, segundo estudo publicado por Britaldo Soares-Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2006 na Nature. “As regiões com maior desmatamento devem sofrer alterações mais acentuadas”, afirma Soares–Filho. Na bacia do Tocantins, uma das mais transformadas pela agropecuá­ria, a perda da vegetação nativa pode passar dos atuais 58% para 80%, em um cenário de controle governamental intenso sobre o desmatamento, ou 90%, com uma governança fraca. Rios como o Araguaia, o Xingu, o Tapajós e o Madeira, que atravessam áreas de desmatamento intenso, também estão sujeitos a transformações drásticas até a metade deste século. Mesmo a bacia do rio Juruá, hoje quase toda coberta por florestas, poderá perder de 21% a 43% da vegetação natural até 2050. Adaptações para amenizar o impacto de enchentes mais intensas podem se tornar inúteis num segundo momento, quando o problema passa a ser a redução do volume de água dos rios, outra consequência da redução da vegetação natural – desta vez sobre a atmosfera. No estudo mais recente, Costa, Soares-Filho e Michael Coe, pesquisador do Woods Hole Research Center, Estados Unidos, descrevem a sequência de fenômenos que produz esse efeito: o desmatamento reduz o volume de vapor d’água liberado pelas plantas para a atmosfera pela transpiração, já que haverá gramíneas onde antes havia árvores. A água de chuva escorrerá para os rios, sem voltar para as nuvens e alimentar novas chuvas. Como o ar perto da terra nua vai esquentar mais que antes, o fluxo de calor e a circulação de ar devem se alterar. Pode chover menos também em áreas distantes da desmatada, já que o vento vai carregar por mais tempo o ar agora mais seco. O desmatamento em Goiás ou Mato Grosso pode reduzir em 10% a vazão do rio Negro e de outros a norte e noroeste da Amazônia que cortam terras praticamente intocadas. A extensão do desmatamento determina o impacto no regime de chuvas. Coe, Costa e Soares-Filho concluí­ram que a quantidade de chuva sobre uma região deve permanecer estável enquanto as matas nativas cobrem pelo menos metade da área. “O desmatamento previsto para 2050, mesmo com ação governamental, basta para fazer a chuva começar a diminuir”, diz Costa. Essa redução acontece quando de 40% a 65% da área foi desmatada. “O efeito superficial do desmatamento continua, mas a vazão dos rios não aumenta como antes e, a partir de um momento, começa a cair.” Por alterar o espaço e gerar incertezas sobre possíveis usos do território, o sobe-e-desce dos rios amazônicos, em escalas ainda maiores que as atuais, “pode inviabilizar o planejamento econômico e social da região”, diz o economista Francisco de Assis Costa, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, um dos coordenadores do livro recém-publicado Um projeto para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições. Os coordenadores do livro, Bertha Becker, Costa e Wanderley Messias da Costa, valorizam a rede fluvial como uma vantagem competitiva da Amazônia para o transporte de cargas e de moradores, mas a possibilidade de redução do volume de águas pode prejudicar a integração com outros meios de transporte, como o aéreo e o reforço da infraestrutura das cidades, a maioria delas às margens de rios.

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