sábado, 27 de fevereiro de 2010

O que eles prometeram

As metas propostas pelos principais países para as negociações de Copenhague. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, era contra um compromisso detalhado de metas numéricas e embarcaria para Copenhague no comando da delegação brasileira para defender o ponto de vista clássico dos países em desenvolvimento. Dilma iria dizer que a prioridade de seu governo envolve o combate à pobreza e que os países desenvolvidos precisariam ajudar as outras nações a financiar o crescimento em bases sustentadas. Nos encontros preparatórios, Dilma cobrou estimativas de emissão de gás carbônico para três cenários de crescimento econômico a taxas de 4%, 5% e 6% do PIB. Para encarar o debate ambiental, o governo Lula teria dois argumentos. Considera que o simples fato de levar uma única meta numérica já é um gesto digno de respeito, já que muitos participantes nem farão isso. Pelos cálculos do governo, ao reduzir o desmatamento em 80%, o Brasil assume um compromisso que equivale a 20% de toda a redução de emissões anunciada pelos países desenvolvidos. Em sua postura a favor de uma posição mais agressiva do Brasil, o ministro Carlos Minc conta com o apoio de todos os ecologistas que ainda não ingressaram na caravana da pré-candidata à Presidência Marina Silva (PV), inclusive empresários e personalidades com prolongado ativismo na área. A postura de Dilma tem respaldo de Lula e da maioria do governo, como o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Do ponto de vista da diplomacia brasileira, Copenhague é uma oportunidade para reforçar laços com aliados preferenciais, que Brasília considera úteis em tratativas comerciais e articulações permanentes. Dois parceiros do Brasil, a Índia e a China, integrantes do grupo de nações emergentes conhecidos como Brics, estão entre os campeões mundiais de gás carbônico e chegarão a Copenhague com uma única preocupação: não ser colocados contra a parede. Interessado em consolidar uma aliança com Índia e China, que pode render frutos, influência e quem sabe um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Itamaraty fará o possível para conservar a parceria - e isso explica sua estratégia no encontro. Lideranças tradicionais de empresários também são contra metas numéricas detalhadas. Para o diretor executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, a ideia de levar metas numéricas para Copenhague pode trazer mais prejuízos que benefícios. "Depois ainda seremos cobrados lá fora se não cumprirmos o que colocarmos no papel. Melhor seria se estipulássemos metas internas que não venham a prejudicar o crescimento econômico", disse. É possível, contudo, que Minc consiga obter mais concessões do governo brasileiro. Assessores do Palácio do Planalto admitem que o Brasil irá para a reunião com cartas na manga, mas não quer correr o risco de mostrar todas antes de o jogo começar. O governo quer tempo, também, para tentar promover um diálogo entre o setor ambiental e o da pecuária - talvez o drama mais espinhoso da questão ambiental no país. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, queixou-se de que fora marginalizado dos debates do governo, apesar de os fazendeiros de gado serem um dos principais responsáveis pela geração de gases do efeito estufa no Brasil. Stephanes estaria convencido de que o setor pode dar contribuições para a solução do aquecimento global com mudanças na técnica de plantio. Por falta de um inventário sobre as emissões de gases, qualquer número do Brasil poderia ser contestado. O país embarca com lacunas que já deveriam ter sido resolvidas há muito tempo. De acordo com o economista José Eli da Veiga, um dos principais assessores da senadora Marina Silva, em Copenhague, o Brasil pagaria o preço de não contar com uma base confiável de dados sobre as emissões de gás carbônico. Isso significa que qualquer número que o país colocar à mesa poderá ser questionado. O último inventário desse tipo foi produzido em 1994. "Até hoje o Ministério da Ciência e Tecnologia, que era o responsável pelo inventário, não explica por que o inventário não ficou pronto", diz José Eli. Procurado por ÉPOCA, o Ministério da Ciência e Tecnologia não se manifestou. Nas últimas décadas, a ecologia tornou-se uma indústria em expansão que favorece investimentos e estimula mudanças no padrão da economia, sem deixar de dar lucro e gerar empregos. O ex-deputado Fábio Feldmann, ex-tucano que hoje é secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais, diz: "Estão se abrindo janelas promissoras de negócios, e o Brasil está atrasado". Para Feldmann, o país "deveria ter adotado uma postura de liderança nas conversações e o presidente Lula já deveria ter chamado a responsabilidade desse assunto para ele". Segundo José Eli, a China já firmou acordos bilaterais de transferência de tecnologia com países desenvolvidos, enquanto o Brasil hesita. "Estamos priorizando a questão do desmatamento, que é um problema que tem como solução tecnologia do século XIX, enquanto outros já estão no século XXI." Na Conferência de Kyoto, no Japão, em 1997, foram estabelecidas metas de redução de emissões para países industrializados. Os resultados foram pífios, em parte pela postura do governo dos Estados Unidos, que se recusou a ratificar o acordo final. A história pode se repetir agora. A legislação americana proíbe a Casa Branca de firmar tratados internacionais sem autorização expressa do Congresso - e é difícil imaginar que senadores e deputados americanos tenham disposição para assinar acordos externos que o eleitorado pode enxergar como uma ameaça a seus empregos. "Sem os Estados Unidos nas discussões, a maior economia do mundo, fica muito difícil imaginar um acordo abrangente", diz Feldmann. Diante dessas dificuldades, negociadores presentes à reunião preparatória de Barcelona já davam como certo o prolongamento das discussões pelo prazo de seis meses, no mínimo. Já se considera que a reunião de Copenhague teria sido um sucesso se cada país apresentasse um cronograma das negociações - e se cada presidente prestigiasse o evento com suas presenças. Se o compromisso assumido com Gordon Brown fosse para valer, Lula teria de gastar boa parte de sua agenda convencer seus colegas governantes de que valeria a pena enfrentar o rigoroso inverno de Copenhague.

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