terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Temporal espalha morte e destruição na Ilha da Madeira

O forte temporal ocorrido na Madeira provocou pelo menos 32 mortos, de acordo com os dados das autoridades do arquipélago. O número de vítimas mortais poderá, contudo subir nas próximas horas, com o avanço dos trabalhos de limpeza do entulho, provocado pelas fortes enxurradas que arrastaram várias viaturas para o Atlântico e destruíram dezenas de casas. O secretário regional dos Assuntos Sociais, Francisco Jardim Ramos, revelava ontem, ao início da noite, a confirmação de 32 mortes, sendo que 'eventualmente o número poderá aumentar'. Miguel Ferreira, diretor clínico do Hospital Dr. Nélio Mendonça, adiantou que foram assistidas 101 pessoas, acrescentando que ao final do dia o ambiente estava 'mais calmo'. Verificada uma melhoria das condições do tempo, a Proteção Civil da Madeira assegurava que estavam a ser feitos todos os esforços para restabelecer a circulação automóvel entre o Funchal, a zona oeste e o interior da ilha. 'Temos ainda várias situações complicadas, de povoações sem qualquer acesso, na zona oeste da ilha e no interior, mas estão a ser feitos todos os esforços para restabelecer o contacto com essas zonas', disse o vice-presidente da Proteção Civil regional, Pedro Barbosa. O responsável da Proteção Civil madeirense lembrou ainda que muitas estradas estão interrompidas devido a aluimentos de terras e quedas de árvores e ao desaparecimento de pontes. O grau de destruição deverá elevar os prejuízos a um valor muito superior ao estimados quando do temporal de 1993: 32 milhões de euros. UMA HORA BASTOU PARA A TRAGÉDIA O Instituto de Meteorologia tinha emitido um aviso de mau tempo e precipitação forte para o arquipélago da Madeira, mas nada fazia prever que, entre as 10h00 e as 11h00 de ontem, caíssem, no Funchal, 52 litros de água por metro quadrado. Numa hora choveu mais do que nos mais pluviosos dias de Inverno. 'Havia indicação de precipitação forte, mas não tão forte', disse Maria João Frada, meteorologista do IM, notando que fenômenos assim escapam aos modelos matemáticos usados nas previsões. Na origem da precipitação que ontem fustigou a Madeira esteve um sistema frontal com ar quente e grande quantidade de água. O sistema frontal é o mesmo que ontem à noite se previa vir a afetar o continente e levou o IM a emitir um alerta amarelo, o segundo mais grave numa escala de quatro, para os distritos de Lisboa, Leiria e Setúbal. Dada a diferença de latitude entre a Madeira e o Continente, também as variantes meteorológicas diferem. 'O conteúdo em água é muito inferior ao que tinha na Madeira', explicou a meteorologista, para adiantar ainda que também a temperatura da massa de ar é mais baixa. RELATOS DE PÂNICO São descrições do medo e do desespero de quem viveu de perto a força da natureza. Dezenas de residentes da Madeira contaram o que se passou na ilha. SEM CONSEGUIR LIGAR AOS BOMBEIROS Uma habitante alojou durante todo o dia vizinhos cujas casas foram destruídas pela água. Esta moradora queixou-se de ter ligado incessantemente para os bombeiros, mas nunca ter conseguido estabelecer ligação. Os problemas de comunicação foram muitos. ESCAPARAM PARA ONDE PUDERAM Eram cerca das 10h00 quando uma torrente de lama, pedras, peças de carros e troncos de árvore invadiu uma urbanização recente da casas geminadas, em Eiras. Algumas pessoas escaparam ainda em pijama, escalando varandas, telhados e muros. 'SE FOSSE DE NOITE MORRÍAMOS TODOS' Na povoação de Eiras, a enxurrada levou tudo à frente e muitos abandonaram as casas e refugiaram-se em casa de vizinhos. 'Se tivesse sido de noite tínhamos morrido todos', contou uma jovem do Continente que estava de férias em casa de familiares. 'O MEU FILHO APARECEU MORTO' 'A minha esposa desapareceu e o meu filho apareceu morto', conta um morador do Funchal que se salvou, mas não conseguiu resgatar a mulher e o filho, de cinco anos. A família seguia de carro quando foi apanhada pela enxurrada: 'Consegui escapar agarrado a uns galhos. ' 'NÃO SABEMOS SE HÁ VÍTIMAS NOS CARROS' 'Estamos perplexos. A força das águas arrastou algumas viaturas de zonas inclinadas e não se sabe se estão vítimas dentro dos carros', descrevia Paulo França, de 42 anos, que estava em casa, em segurança, com a família, numa zona alta da ilha, mas 'muito preocupado'. 'SOMOS UM PAÍS DE TERCEIRO MUNDO' José Alberto Silva descreveu o que viveu como 'uma história de Dante'. 'Estava a acabar o Mundo e a água a tomar conta disto. É desolador, algo que nunca imaginava ver', disse, criticando a 'deficiência das infra-estruturas'. 'Somos um país de Terceiro Mundo. ' PISOS TÉRREOS FORAM ARRASADOS Numa rua em Eiras os pisos térreos das casas foram arrasados. Nélson Barros só teve tempo para dizer à mulher, que carregava ao colo a filha, de três meses e meio, e à outra filha, de 12 anos, para subirem para o andar de cima. 'Foi uma questão de segundos. ' AJUDA MÚTUA ENTRE VIZINHOS A entre ajuda revelou-se decisiva em Eiras, uma vez que os bombeiros não conseguiam chegar ao local. 'Gerou-se uma onda de solidariedade, uns vão fazer comida para trazer para outros e emprestam roupa para que possamos despir a roupa molhada'. 'ESTOU SEM ÁGUA, LUZ, TELEFONE OU TV' Margarida Freitas Vieira, técnica educacional de 54 anos, moradora numa zona alta 'no meio do Funchal', estava 'sem água, luz, telefones ou TV': 'Só consigo saber o que se passa através da minha janela. O mar está todo castanho por causa da água que lá chega.' COM A ROUPA QUE TINHA NO CORPO Cláudia Ferrão relatou que a casa onde vivia 'começou toda a ruir'. 'Fugimos só com a roupa que tínhamos no corpo, agora não temos para onde ir', explicou a moradora na cidade do Funchal. Centenas de residentes da ilha ficaram sem casa e sem quaisquer bens. DOIS AUTOCARROS EVACUADOS Cerca de cem pessoas, que viajavam em dois autocarros, foram apanhadas pela enxurrada perto do Centro Desportivo da Ribeira Brava. Acabaram por abandonar os veículos pelo próprio pé, para não serem arrastados pelas águas para o mar.

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