Em 1999 a FAO (Food and Agriculture Organization) produziu o primeiro relatório intitulado ‘The state of food insecurity in the world’, no qual informava a existência de mais de 800 milhões de pessoas desnutridas no mundo1. A meta estabelecida pela Cúpula Mundial da Alimentação de 1996 de redução dos famintos para cerca de 400 milhões em 2015, número correspondente à metade do observado em 1990-92, também foi ressaltada no documento.
A realidade mostrou que o mundo não caminha para atingir essa meta. Pelo contrário, o último relatório da FAO divulgado em outubro de 2009 traz a seguinte informação:
FAO estima que 1,02 bilhões de pessoas estejam desnutridas no mundo em 2009. Isso representa mais pessoas famintas que em qualquer momento, desde 1970, e piora das tendências insatisfatórias observadas mesmo antes da crise econômica. O aumento da insegurança alimentar não resulta de redução das safras dos pobres, mas dos preços elevados dos alimentos, baixa renda e crescente desemprego que reduziram o acesso dos pobres aos alimentos2. Observa-se na figura 1, reproduzida do mesmo relatório da FAO, que o número de famintos do mundo vinha decrescendo desde a década de 1970, mas a série registrou reversão em meados da década de 1990. Desde então o número vem crescendo de forma sem precedentes na história, a despeito da redução da taxa de natalidade.
A crise econômica mundial, iniciada em meados de 2008, contribuiu para piorar a situação. A FAO aponta três fatores relacionados a ela como agravantes da insegurança alimentar para as populações mais pobres do mundo:
1) A crise econômica sucedeu à crise dos alimentos e energia de 2006-08 que elevou os preços da alimentação além do alcance de milhões de pessoas pobres;
2) A crise afetou grande parte do mundo simultaneamente;
3) Os países em desenvolvimento têm maior integração comercial e financeira na economia mundial que no passado, logo estão mais expostos a choques do mercado internacional.
Os dados da FAO mostram que, a despeito do crescimento populacional relativamente rápido, a proporção dos famintos no mundo vinha declinando significativamente: da média de 24% da população mundial no triênio 1969-71, caiu para 19% dez anos depois e para 16% no início da década de 19903.
Figura 1 – Número de Desnutridos no Mundo, 1969-71 a 2009.
Fonte: UNITED NATIONS, Food and Agriculture Organization – FAO. The state of food insecurity in the world 2009. Rome: FAO, 2009.
Na década de 1990, embora o crescimento populacional tenha sido mais lento, o número de famintos cresceu, mas a situação não era tão crítica porque a proporção em relação à população global continuou decrescente. Essa tendência prevaleceu também nos anos iniciais do século XXI, chegando a 13% no triênio 2004-06. O problema é que depois da crise econômica mundial, também a proporção dos famintos do mundo passou a crescer, atingindo 15% da população mundial em 20094.
Felizmente o Brasil não contribuiu para essa piora das estatísticas mundiais. Pelo contrário, as estimativas da FAO mostram que a proporção dos famintos na população brasileira caiu de 10%, na década de 1990, para 6%, no triênio 2004-06. Observa-se que essa redução representou declínio de 28,3% em relação a 2000-02, período em que os famintos do mundo cresceram 1,9% (Tabela 1).
Triênio – Nº (milhão) – Proporção (%) - Variação (%)
Brasil - Mundo
1990/92 - 15, 8 – 10 - _ -845 – 16 - _
1995/97 - 15, 6 – 10 - -1,3 – 826 – 16 – 2,4
2000/02 - 16,6 - 9 - 6,4 - 857 - 14 - 3,9
2004/06 - 11,9 - 6 - -28,3 - 873 - 13 - 1,9
Tabela 1 – Número de Pessoas Desnutridas e Proporção da População Total, Brasil e Mundo, 1990-92 a 2004-06
Fonte: UNITED NATIONS, Food and Agriculture Organization – FAO. FAO hunger. Disponível em:
Figura 2 – Proporção dos Desnutridos na População Total dos Países em Desenvolvimento, 1969-71 a 2009.
Fonte: UNITED NATIONS, Food and Agriculture Organization – FAO. The state of food insecurity in the world 2009. Rome: FAO, 2009.
É importante ressaltar que os países menos desenvolvidos vinham apresentando tendência sistemática de queda da proporção dos desnutridos na população. Entre os triênios 1969-71 e 2004-06 houve declínio dos 30% para pouco mais de 15% da população.
Em 2008 houve uma reversão de tendência e a proporção dos famintos nesses países se elevou para 17%. Observa-se que a razão entre este número da FAO e a estimativa do Ministério da Saúde indica que a proporção dos desnutridos na população dos países em desenvolvimento gira em torno de 3,5 vezes a proporção observada na população brasileira.
Grande parte das maiores dificuldades de acesso à alimentação na atualidade se deve aos preços dos alimentos que ainda estão em alta no mundo, não tanto como no pico da crise, mas bem mais elevados que no passado. Tendo por base a média de 2002-04 = 100, o índice médio dos alimentos atingiu 191,28 em 2008, caiu para 151,54 em 2009, mas nos três meses iniciais de 2010 voltou a crescer, chegando a 168,64 (Tabela 2).
Ano - Alimentos ² - Carnes - Lácteos - Cereais - Óleos - Açúcar
2000 - 89,51 - 93,87 - 95,44 - 84,53 - 67,82 - 116,05
2001 - 92,29 - 93,69 - 107,06 - 86,19 - 67,61 - 122,61
2002 - 90,19 - 90,32 - 82,24 - 94,57 - 87,02 - 97,76
2003 - 98,35 - 98,66 - 95,12 - 98,06 - 100,81 - 100,56
2004 - 111,47 - 111,01 - 122,65 - 107,37 - 112,17 - 101,68
2005 - 114,68 - 112,67 - 135,35 - 103,43 - 103,64 - 140,32
2006 - 122,44 - 106,67 - 127,96 - 121,50 - 111,99 - 209,56
2007 - 154,06 - 112,09 - 212,39 - 166,84 - 169,09 - 143,01
2008 - 191,28 - 128,31 - 219,56 - 239,12 - 225,42 - 181,59
2009 - 151,54 - 117,71 - 141,55 - 173,73 - 149,96 - 257,33
2010 - 168,64 - 124,69 - 193,59 - 164,26 - 170,94 - 334,28
Tabela 2 – Índice dos Preços dos Alimentos no Mundo, 1990 a Março de 20101Média de 2002-04 = 100.
2Média ponderada pela participação dos grupos de commodities nas exportações mundiais.
Fonte: UNITED NATIONS, Food and Agriculture Organization – FAO. World food situation.
Rome: FAO, 2010. Disponível em:
Figura 3 – Índice Mensal dos Preços dos Alimentos no Mundo, Janeiro de 1990 a Março de 20101.
1Média de janeiro de 1990 a março de 2010 = 100.
Fonte: UNITED NATIONS, Food and Agriculture Organization – FAO. World food situation. Rome: FAO, 2010. Disponível em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário