segunda-feira, 19 de julho de 2010

Degelo no Oceano Ártico

Degelo no Oceano Ártico: Países disputam riqueza sob o gelo.
Cobertura de gelo do Oceano Ártico em descongelamento. O Polo Norte está ameaçado: o oceano gelado que o rodeia começou a derreter. O colapso da calota teve início. O explorador alemão Arvel Fuchs calcula que, durante o verão de 2009, os gelos derretidos do Polo Norte equivalem a quatro vezes a área da Alemanha. Dez filmes nos mostraram o sofrimento dos ursos brancos, magros e extraviados, à procura de seus antigos reinos inviolados de gelo. A partir deste verão, é possível que navios pioneiros consigam unir o Canadá à Sibéria. Esse desaparecimento da calota polar que envolve há milhões de anos o cimo da Terra é um grande movimento da história. A última “terra incógnita” vai desaparecer. O imenso silêncio, os horizontes infinitos, as vastas brancuras do Polo Norte e seu nada vão ser substituídos por regiões às quais os homens, seus barulhos, seus motores a explosão, seus bancos, seus contêineres, terão acesso. Vamos assistir a este fenômeno raro: uma subversão da geografia que se desenrolará diante de nossos olhos. Semelhante aventura provocará grandes transformações econômicas em escala planetária: de um lado, o mar, quando ficar desimpedido e acessível, poderá ser explorado pelos homens. Ele deixará que engenheiros e operários revolvam suas entranhas até agora interditas. Paralelamente, os navios poderão ligar diretamente a América ou a Europa ao Extremo Oriente, em vez de fazê-lo por enormes e custosos desvios pelo sul da África ou pelo Canal de Suez. As nações que margeiam o Oceano Ártico já estão na linha de largada: Estados Unidos, Rússia, Canadá, Groenlândia (Dinamarca) e Noruega. Olhos brilham de cobiça à espera da abertura de um cofre-forte cheio de lingotes. Que lingotes? Carvão, cobre, bilhões de barris de petróleo, bilhões de metros cúbicos de gás, cobalto, antimônio, níquel, peixes. Uma caverna de Ali Babá. Quem é o proprietário? Em 1º de dezembro de 1982, uma Convenção da ONU sobre o Direito do Mar foi assinada em Montego Bay (Jamaica). Ela prescreve que o Polo Norte e seu entorno são “patrimônio da humanidade” e não pertencem a ninguém. Boa coisa. Mas, esse “coração” do Polo, segundo os geólogos é muito pobre em petróleo e minerais. Na verdade, todas as riquezas se concentram na periferia do Oceano Ártico, na direção das terras. O direito internacional de 1982 institui que cada país ribeirinho tem o direito de explorar uma Zona Econômica Exclusiva que avança até 200 milhas marítimas (350 quilômetros) mar adentro. Não há ambiguidade: cada um dos cinco países tem seu domínio delimitado. Uma cláusula da Convenção de 1982 perturba a ordem: se os países ribeirinhos conseguirem provar que a plataforma continental que se projeta de suas margens prolonga-se além da sua área seus domínios seriam aumentados. Os geólogos voltaram ao trabalho e descobriram plataformas continentais. A Rússia abriu fogo. Ela desembainhou a “cordilheira” Lomonosov, uma montanha submarina que parte do litoral russo e passa justamente embaixo do Polo Norte. Os outros ribeirinhos chiaram. Os geólogos canadenses provaram que a cordilheira Lomonosov não tem origem na Rússia e sim no norte do Canadá. E os geólogos dinamarqueses demonstraram que ela nasce na Groenlândia. Sem perda de tempo, em 2007, os russos desceram um minissubmarino que plantou na vertical do Polo Norte, a 4.264 metros de profundidade, uma bandeira de titânio com as cores russas. O certo é que, num prazo de dez, vinte anos, o Polo Norte vai cair nas garras da história, isto é, da indústria. A última terra virgem do planeta se tornará a fábrica do mundo. O silêncio, o belo silêncio sobrenatural será violado. Em seu lugar estrondeará o burburinho dos homens. Uma das últimas reservas da beleza das coisas chegará ao fim. Segunda consequência: o Oceano Ártico, desonerado de seus gelos, se tornará uma “autoestrada do mar”. Esse é um velho sonho. Desde que Colombo descobriu a América, capitães destemidos tentaram abrir um caminho através das banquisas para criar caminhos diretos para a outra metade do globo, para a Ásia. Esses caminhos foram batizados de “Passagem Noroeste” (pelo norte do Canadá) e “Passagem Nordeste” (ao longo das costas da Sibéria. Essas duas passagens continuaram bloqueadas, mas, durante quatro séculos, fascinaram o mundo. Mas eis que a terra consuma hoje, ela própria, a metamorfose que o gênio do homem não conseguiu obter em quatro séculos de explorações heroicas. A partir deste ano, um carregamento de ferro partirá de Kirkenes, no norte da Noruega, para a China. Um petroleiro russo zarpará do porto de Varandey, no grande norte siberiano, para entregar sua carga no Sudeste Asiático. Do lado canadense e americano, espera-se para mais adiante a abertura da passagem noroeste. Será preciso esperar alguns anos para esses dois itinerários se tornarem operacionais. Mas, a menos que um novo capricho do clima nos reenvie a uma improvável era glacial, as duas rotas deverão se tornar navegáveis dentro de alguns anos . Os benefícios serão consideráveis. Hoje, entre Londres e Tóquio, os navios cobrem 21 mil quilômetros. Pelo Ártico, as duas cidades se encontrariam a 14 mil quilômetros de distância apenas. Entre Noruega e a China, a passagem do noroeste faria ganhar entre 15 e 20 dias de navegação. Em 1498, o Doge de Veneza convocou seus conselheiros. Naquela manhã, ele recebera um despacho e esse despacho era lamentável. Um navegador português, Vasco da Gama, conseguira dobrar o sul da África pelo Cabo das Tormentas, rapidamente rebatizado de Cabo da Boa Esperança. Até então, Veneza controlava a totalidade do comércio entre o Ocidente e o Oriente. Veneza era a porta que permitia à Europa se comunicar com a Ásia. A única porta entre os dois continentes. Veneza foi privada de seu privilégio. Assim caminha a história: bastou uma nova rota ser inventada por um marinheiro português e toda a geografia do mundo entrou em transe, vacilou, e a história pôs-se a girar, como num imenso picadeiro das dimensões do universo. O Doge entendeu isso num estalo: Veneza morria. Veneza ia morrer. No futuro, ela seria apenas uma princesa esplêndida, inconsolável, enlutada por si mesma, moribunda e bela como uma lembrança perene agora que as rotas que ela outrora controlava eram desfeitas em favor de rotas novas e de uma nova “modernidade”. Começou então a longa e esplêndida letargia de Veneza, à beira de suas lagunas desamparadas. (EcoDebate)

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