‘A atual concepção de desenvolvimento é insustentável’
“O mundo parece ter encontrado sua grande unidade, que exige de nós uma mudança de ponto de vista – não mais particular, mas holístico, universal, de totalidade. Descobrimos que nós, seres humanos, seres vivos e Terra, formamos um conjunto inseparável.” O pensamento é de Cesar Sanson, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT. Ele é um dos monitores do Ciclo de Estudos em EAD: Sociedade Sustentável, que inicia em 16 de agosto de 2010. O Ciclo é uma promoção do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em parceria com o CEPAT. O ciclo é coordenado pelo Prof. Gilberto Faggion.
O doutor em Sociologia questiona a posição tomada pelo Brasil em relação à conservação da Terra. “O Brasil está abrindo mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e vem optando por iniciativas preocupantes”. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, ele fala sobre a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade.
IHU On-Line – Como pensar soluções para a Terra e, ao mesmo tempo, questionar a ideia de desenvolvimento?
Cesar Sanson – É inevitável que ao pensar sobre as possíveis soluções para o planeta Terra não se questione a concepção de desenvolvimento em curso na humanidade. É na concepção de desenvolvimento implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na idéia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra que se encontra a razão do impasse que vivemos, ou seja, o acelerado esgotamento do planeta. A equação crescimento ilimitado a partir de recursos limitados não fecha. Portanto, as soluções para a Terra passam pela consciência de que a atual concepção de desenvolvimento manifesta no modo de produzir e consumir é insustentável. Querer compatibilizar soluções para o planeta Terra com a ideia de desenvolvimento impulsionada pela atual dinâmica da globalização é anacrônico.
IHU On-Line – Em quais pontos o conceito de Sociedade Sustentável se choca com a Economia Moderna?
Cesar Sanson – Sociedade Sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras. Esse conceito se choca com os fundamentos da economia moderna, uma vez que parte de uma ideia de progresso infinito e linear e de que os recursos naturais também seriam infinitos. Hoje percebe-se que essa concepção é profundamente equivocada. O antropocentrismo e a racionalidade econômica advinda do liberalismo, pilar da economia moderna, está comprometendo a vida das futuras gerações, ou seja, o atual modo de produção está decidindo a sorte de quem virá depois de nós, deixando-lhes um mundo árido, poluído e feio.
IHU On-Line – A habitabilidade do ser humano na terra é um desafio para a humanidade?
Cesar Sanson – É o maior desafio contemporâneo. A habitalidade é hoje a questão fulcral da humanidade. A Terra já mostrou que tem condições de regeneração, coisa que nós humanos ainda não demonstramos. Iniciamos, portanto, o século XXI colocando as questões relacionadas ao meio ambiente no centro do debate. A ecologia, de oikos, tornou-se um tema que nos faz saltar das particularidades destacadas a uma abordagem unitária, global, planetária. É neste tema que o mundo parece ter encontrado sua grande unidade, que exige de nós uma mudança de ponto de vista – não mais particular, mas holístico, universal, de totalidade. Descobrimos que nós, seres humanos, seres vivos e Terra, formamos um conjunto inseparável. “O destino da Terra e da humanidade coincidem: ou nos salvamos juntos ou sucumbimos juntos”, alerta Leonardo Boff. A crise ecológica e consequentemente a habitalidade, devolve à humanidade a consciência de que os destinos humanos e de Gaia são relacionados e interdependentes, estão entrelaçados. O grande e maior desafio no limiar desse século é como salvar a humanidade e ela depende e está inexoravelmente ligada à salvação do planeta.
IHU On-Line – Como as crises ecológica, econômica, energética, alimentar e do trabalho caracterizam nossa sociedade contemporânea?
Cesar Sanson – O mundo está confrontado com uma crise estrutural e não somente conjuntural. As crises econômica, ecológica, alimentar, energética e do trabalho são manifestações de uma crise maior: de modelo de desenvolvimento civilizacional. O conjunto dessas crises exige uma interpretação sistêmica, elas não estão isoladas, são antes de tudo o resultado de determinada forma da sociedade – particularmente da sociedade capitalista – se organizar. Na essência da crise encontra-se o “modo de produzir” e o “modo de consumir” da sociedade mundial que está levando o planeta ao esgotamento. Acrescente-se ainda que o conjunto dessas crises é acompanhado por uma crise ética, ou seja, não se trata apenas de uma crise ancorada nas relações de produção, mas sobretudo uma crise do sentido humano que emerge nessa transição de século. A crise civilizacional manifestada na quíntupla crise – econômica, climática, energética, alimentar e do trabalho – exige uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Edgar Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros.
IHU On-Line – Qual o impacto do modelo econômico mundial sobre a Terra?
Cesar Sanson – O planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização humana. Desde o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de fevereiro de 2007, já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação antropogênica sobre a Terra. À época, o informe dos pesquisadores e cientistas foi categórico e não deixou espaço para dúvidas ao afirmar de forma contundente – o relatório utilizou a expressão “inequívoca” – que o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta. “Essa crise ambiental não veio do nada. Não foi desastre natural, foi causada por homens, diz Nicholas Stern – responsável pelo Relatório Stern – extenso estudo sobre os efeitos na economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos. Nosso consumo dos recursos naturais já excede em 30% a capacidade de o planeta se regenerar. Com outras palavras, a espécie humana já necessita hoje de 1,3 planetas para satisfazer suas necessidades e desejos de consumo. A “pegada ecológica” – indicador da pressão exercida sobre o ambiente está muito forte. A média é 2,2 hectares, mas o espaço disponível para regeneração (biocapacidade) é de apenas 1,8 hectares. Avançamos o sinal. Há quem diga que o estrago já foi feito e ponto de retorno já passou. Na análise do ambientalista James Lovelock, Gaia – o organismo vivo que é a Terra – está com febre e se nada, e urgentemente, for feito esse quadro poderá evoluir para o estado de coma.
IHU On-Line – O Brasil tem consciência que está frente a uma crise epocal, manifestada, sobretudo, na crise ecológica?
Cesar Sanson – Não. O Brasil está abrindo mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e vem optando por iniciativas preocupantes. O que se percebe é que se por um lado avançou-se para o ganho de uma consciência ecológica maior em relação às gerações anteriores que se traduz na crítica a megaprojetos que agridem o meio ambiente: Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica; por outro, e apesar da consciência dos erros cometidos, o país caminha para outros erros – a metáfora do farol de um automóvel virado para trás: ilumina o trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão as decisões de hoje. Tome-se como exemplo maior a insistência na construção da hidrelétrica de Belo Monte. O ambientalista Washington Novaes alerta que o Brasil se encontra numa encruzilhada histórica que pode ser decisiva para o futuro de nação soberana e um ganho comparativo mundial. Segundo ele, “um país que tem a biodiversidade que o Brasil tem, os recursos hídricos, a insolação o ano todo, enfim, com a riqueza que o país tem, deveria ter uma estratégia que colocasse esse fator escasso no mundo numa posição privilegiada como base de políticas. Mas essa estratégia não existe”. O país foi acometido pela obsessão do crescimento. Fala-se em “crescer, crescer e crescer”. O país sonha em reeditar o projeto desenvolvimentista de Vargas e JK e transformar o país num canteiro de obras. Fala em destravar o país. A meta-síntese do projeto de país do governo é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, que manifesta, entretanto, um silêncio absoluto sobre a questão ambiental).
A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos. Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. A equação é conhecida. O crescimento econômico produziria um círculo virtuoso: produção – emprego - consumo. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça social não é verdadeiro. Será que o grande projeto brasileiro é transformar todos os cidadãos em consumidores? É preciso complexificar o debate. O debate sugerido, a partir do princípio da ‘ecologia da ação’ recomenda que devemos construir uma sociedade que seja sustentável com a natureza, às necessidades humanas presentes e futuras, com uma ética solidária, definidas desde os setores populares, tendo como fim a construção de uma sociedade baseada em valores da solidariedade, liberdade, democracia, justiça e equidade. (Ecodebate)
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