sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Educação ambiental: uma ação participativa

Apesar das iniciativas de empresas, governos e uma série de entidades voltadas para a educação ambiental (EA), um sentimento fica bem nítido para quem vive o dia a dia da questão: falta uma maior coordenação das ações e programas para que os resultados sejam mais sólidos e produtivos. Atrás de mais eficácia na adoção das medidas e do fortalecimento das políticas públicas, um grupo de profissionais e militantes da área colocam em prática o primeiro fundo brasileiro voltado para a questão. A partir deste ano, o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) começa a fomentar ações, projetos e programas de EA.
O FunBEA é uma associação civil sem fins lucrativos. Por ser um fundo público não-estatal pode atuar em espaços e nichos onde os fundos de governo atualmente não atuam, apoiando iniciativas do campo da EA com maior agilidade, com menos burocracia e com maior rigor de monitoramento. O fundo, já em fase operacional na Universidade de São Carlos, está com consulta pública aberta para a elaboração o seu estatuto social, até o dia 1º de março.
“O momento atual exige uma profunda reflexão de cada um de nós que tem algum envolvimento com a construção de sociedades sustentáveis. Precisamos coordenar ações para avançarmos na perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada, articulada e construída com a totalidade das populações do país. É necessário o engajamento em um processo de radicalização da construção da política pública de EA no Brasil”, diz o FunBEA.
Desta entrevista, por e-mail, à Agência Ambiente Energia, participaram Alexandre Rossi (UFSCar); Haydée Torres de Oliveira (UFSCar); Isabel G. P. Dominguez (prrefeitura municipal de São Carlos/CMAm); João Paulo Soterro (Fundo Florestal Brasileiro); Marcos Sorrentino (ESALQ/USP); Rachel Trajber (MEC); e Semíramis Biasoli (OCA/Laboratório de Educação e Política Ambiental/ESALQ-USP).
Da Agência Ambiente Energia – Como surgiu a ideia de criar o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental?
FunBea - A ideia da criação de um fundo próprio para o financiamento da Educação Ambiental (EA) reflete a experiência cotidiana de mais de três décadas de projetos desenvolvidos por profissionais e militantes da área, diante dos desafios jurídicos e operacionais para o fomento da EA. Há também a percepção de uma grande pulverização de recursos, utilizados em projetos dispersos. Se esses recursos estivessem em um Fundo, permitiria a articulação com uma rede de projetos, uma maior vinculação com políticas públicas e, consequentemente uma maior abrangência e eficácia.
O FunBEA é um fundo de interesse público, não-estatal (um fundo privado), para financiar ações estruturantes de EA que fortaleçam as políticas públicas na área. Além disso, um fundo público não-estatal poderá captar recursos junto à iniciativa privada, grandes ONGs e organismos internacionais, fontes de recursos que raramente são destinados aos fundos estatais. Esta iniciativa é de um grupo de profissionais e militantes, ligados a Universidades, ministérios e secretarias de Meio Ambiente e da Educação dos governos federal, estaduais e municipais, empresas, associações de cidadania e profissionais atuantes em diferentes coletivos de educadoras e educadores ambientais no país.
Da Agência Ambiente Energia – Quais são os pilares do fundo?
FunBEA – As principais características do FunBEA são: ser público, ágil e transparente; criar territórios educadores sustentáveis; e pautar-se pela Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e pelo Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis da Rio 92. O FunBEA é uma associação civil sem fins lucrativos. Por ser um fundo público não-estatal pode atuar em espaços e nichos onde os fundos de governo atualmente não atuam, apoiando iniciativas do campo da EA com maior agilidade, com menos burocracia e com maior rigor de monitoramento.
Por meio da participação crítica, do exercício do controle social pelo diálogo intersetorial junto à instituição e de mecanismos de descentralização que diminuam a burocracia e ampliem a transparência sobre os recursos e sobre as formas de participação, inclusive nas suas tomadas de decisão. Outra característica importante é que este fundo deverá promover e fortalecer políticas públicas de sociedade, com especial atenção aos Coletivos Educadores em sua missão de formação de cidadãos e cidadãs preparados e atuantes, capazes de formular, consolidar e avaliar políticas públicas para a construção de Territórios Educadores Sustentáveis.
Da Agência Ambiente Energia – Por que o fundo tem a Universidade de São Carlos como incubadora?
FunBEA - A incubação do Fundo por meio de Projeto de Extensão da UFSCar está ligada ao fato de ser uma proposta ousada e desafiadora em termos de gestão de políticas públicas, vistas não somente como políticas de governo, portanto, também alinhada com uma abordagem participativa e colaborativa. A proposta inédita foi acolhida pela reitoria da UFSCar, tendo em vista a sua história de inovação e compromisso social. Assim que o Fundo estiver estruturado, essa universidade será mais uma das instituições participantes, por meio de seu corpo funcional e estudantil motivado por essa causa tão essencial.
Da Agência Ambiente Energia – Como será a forma de atuação do fundo?
FunBEA - De acordo com a proposta de Estatuto em construção:1) O FunBEA adotará um Regimento Interno, aprovado pelo Conselho Deliberativo, que disciplinará o seu funcionamento; 2) A gestão do Fundo será feita por meio de Conselhos (Deliberativo e Consultivo), comissões (de Finanças, Auditoria e Técnicas), um Comitê Executivo, uma Presidência do Conselho Deliberativo e uma SecretariaExecutiva; 3) Suas instâncias deliberativas terão representantes de setores governamentais, não governamentais, empresariais e universitários; 4) Serão financiados preferencialmente projetos que contribuam para a formulação, avaliação e implantação de políticas públicas em todo o campo da Educação Ambiental; 5) Os seus conselhos, comissões e comitê serão orientados pelo diálogo com as instâncias da sociedade (as Redes de EA e os Coletivos Educadores, entre outros) e do estado (o Órgão Gestor da PNEA, seu Comitê Assessor e as CIEAs, por exemplo) responsáveis pela formulação e implantação de políticas públicas na área.
Da Agência Ambiente Energia – Que mecanismos o fundo adotará para captar recursos para financiar novas iniciativas?
FunBEA - Existem procedimentos específicos para captação de recursos nacionais e internacionais junto ao setor governamental e não governamental. Serão elaborados planos estratégicos de captação de recursos adequados aos organismos financiadores, os quais deverão ser aprovados pelos órgãos de gestão do FunBEA. O Fundo poderá receber tanto doações de pessoa física, quanto de pessoa jurídica. Cada projeto e programa gerido pelo FunBEA terá sua governança definida em contrato, além dos manuais operacionais detalhados.
Da Agência Ambiente Energia – Quando o fundo estará, efetivamente, operacional?
FunBEA - O FunBEA já se encontra em operação, respaldado nesta primeira etapa na incubação propiciada pela Universidade Federal de São Carlos, o que já permite operacionalizar algumas ações, inclusive com aportes de recursos dos parceiros apoiadores. Para o seu pleno funcionamento, estamos na fase da consulta pública para o Estatuto FunBEA. As contribuições poderão ser feitas no blog http://consultafunbea.blogspot.com, até 1º de março e sua aprovação está prevista para 5 de abril, em São Paulo, capital, em uma das Unidades do SESC-SP. Em seguida teremos uma primeira assembléia ordinária do Conselho Deliberativo, a construção do Regimento Interno, e o início da captação de recursos para editais. O início do funcionamento de fomento a ações, projetos e programas de EA está previsto para 2012.
Da Agência Ambiente Energia – Empresas, governos nas três esferas e outras entidades têm iniciativas na área de educação ambiental? Como os senhores avaliam este quadro no Brasil?
FunBEA - Elas são importantes, mas estão muito aquém das demandas apresentadas pelo atual contexto planetário. Estamos longe de corresponder às demandas de um país tão plural, gigantesco e complexo não só em tamanho e diversidade, mas também em questões socioambientais. O momento atual exige uma profunda reflexão de cada um de nós que tem algum envolvimento com a construção de sociedades sustentáveis. Precisamos coordenar ações para avançarmos na perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada, articulada e construída com a totalidade das populações do país. É necessário o engajamento em um processo de radicalização da construção da política pública de EA no Brasil.
Da Agência Ambiente Energia – As iniciativas parecem muito descasadas, os senhores não acham?
FunBEA - Como dissemos logo na primeira resposta, ao invés de termos uma grande diversidade de ações articuladas e potencializadoras de transformações; percebemos, ao contrário, uma pulverização de projetos pontuais e dispersos que desaparecem sem deixar lastro. O papel do FunBEA deverá ser o de indutor de políticas públicas que promovam  sinergia entre essas iniciativas. É importante e necessário ter políticas públicas que compatibilizem e integrem as ações de EA e que não as pulverizem, e criar condições interinstitucionais para que os recursos na área sejam mais bem aproveitados. A definição de prioridades de financiamento para projetos que estejam sintonizados com as políticas nacional, estaduais e municipais de EA, definidas em foros amplos e representativos de todas as forças que atuam nesse campo, deve cumprir também um papel de estímulo à ação cooperativa no planejamento, implantação e avaliação de políticas públicas e projetos políticos pedagógicos em cada território deste imenso país.
Da Agência Ambiente Energia – Quais são os desafios jurídicos e operacionais para o fomento desta iniciativa no Brasil?
FunBEA - Os desafios jurídicos podem ser sintetizados na relação entre o caráter inovador da proposta e o conjunto de marcos jurídicos aplicáveis. Enquanto desafios, os operacionais estão em nossa capacidade de constituirmos uma estrutura e uma gestão que sejam ao mesmo tempo leve e eficiente; equipe tecnicamente competente e conceitualmente capaz; e, sobretudo, comprometida com a construção de territórios educadores sustentáveis. Buscaremos fomentar políticas, programas e projetos que promovam o fortalecimento local e capilarizado da EA, mas de forma coordenada e cooperativa. Necessitaremos, ao mesmo tempo, da força de uma instituição sólida, com comando e controle firme, transparente e participativo e do dinamismo de uma instituição flexível, descentralizada, monitorada e com o seu controle social forjado a partir da base.
Necessitaremos captar e administrar recursos oriundos de distintas fontes governamentais, não governamentais, empresariais e de organismos internacionais e ao mesmo tempo, dialogar com as peculiaridades dos atores diversos da EA, que fazem atividades extremamente significativas e muitas vezes não cumprem os pré-requisitos definidos pelas fontes de recursos. Acreditamos que o campo da EA é um campo emergente e forte, com condições de captar recursos: a EA só terá um avanço maior se trabalhar com gestão compartilhada – federal/estadual/municipal e todos com a sociedade civil organizada. Para evoluirmos temos que ter o financiamento da EA que tem o estado junto com os demais atores sociais, que não burocratiza, e que dialoga na carteira de EA dos demais fundos – esta arquitetura tem que ser construída.
Da Agência Ambiente Energia – Que avaliação os senhores fazem da Política Nacional de Educação Ambiental?
FunBEA - Ao considerar o tempo decorrente de sua vigência (a formalização da lei nacional ocorreu em 1999; foi regulamentada em 2002 e implementada a partir de junho de 2003 com a criação do seu Órgão Gestor), constata-se que permanece uma Política em consolidação, para a qual o FunBEA terá sua contribuição.
Uma leitura critica do seu texto já mostra nos seus primeiros artigos, uma concepção da EA reducionista voltada para a conservação ambiental. Uma das suas lacunas, constatada por gestores e diversos atores da área, está no campo do financiamento da EA – são insuficientes os financiamentos e recursos públicos inclusive para órgãos públicos fazerem EA. O Artigo 18 da Lei de 1999 foi vetado, evitando, assim, que pelo menos 20% dos recursos arrecadados em multas decorrentes por descumprimento da legislação ambiental sejam aplicados em EA. Seria melhor que estivesse prevista esta fonte garantida.
Iniciativas como uma Rede de Fundos que financiam projetos de EA são promissoras, mas enfrentam os avanços e retrocessos das políticas governamentais. Neste sentido, um fundo público, não estatal, pode cumprir um papel complementar, supletivo e talvez de criação de alternativas às dificuldades enfrentadas pelo Estado no atendimento ao fomento da EA.
Outra questão emergente na PNEA diz respeito à EA como disciplina: se no ensino fundamental não deve ser uma disciplina, e isto tem se tornado um consenso; no ensino superior ainda carece regulamentar como deve ser obrigatória a sua presença, porque a EA não vai surgir no ensino fundamental de forma espontânea, inclusive quanto à formação de professores.
Outra questão que pede reflexão diz respeito ao Decreto regulamentador da PNEA e que define o caráter consultivo do Comitê Assessor do Órgão Gestor. Poderia ser mais determinante nas deliberações? Para o gestor pode ser difícil ter o seu poder de deliberar dividido com um comitê, mas para a sociedade é importante comprometer estas instituições na tomada de decisões, como comprometendo-os sem amarrar o seu funcionamento.
(Nota da redação: esta entrevista foi atualizada às 11 horas, do dia 31/01/11) (ambienteenergia)

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