segunda-feira, 7 de março de 2011

A situação atual dos mares

A situação atual dos mares: Conversando com um Oceanógrafo
O texto a seguir contem respostas às perguntas formuladas por um jornalista preocupado com a situação dos mares.
Qual é o panorama atual dos oceanos hoje?
Há estudos sobre maior concentração de poluição e perda de biodiversidade. Isso já ocorreu antes, em outra época? É possível prever as consequências, a curto e longo prazo, desta situação?
Como cientista posso disser que o panorama é preocupante.
Por suposto trata-se de uma percepção que não é unânime na comunidade acadêmica internacional, pois existem vozes discordantes que, embora admitam a existência de problemas, confiam no avanço da ciência e das tecnologias para resolver o problema da falta de sustentabilidade dos oceanos.
No entanto, não confio tanto na onipotência da tecnologia e, defendendo minha visão, observo que na medida em que realizamos mais estudos dos ambientes costeiros e daqueles mais afastados, como os de mar aberto (oceânicos) e das grandes profundidades o quadro é de que estamos correndo uma carreira desigual contra o tempo.
Ainda sabemos muito pouco e aquém do necessário. Estamos num momento em que o ambiente marinho continua sendo afetado, particularmente nas regiões próximas à costa, mas também em regiões inesperadas de alto mar. Exemplo disso foi ter constatado (através de imagens de satélites) um enorme acúmulo de lixo plástico flutuante de todo tipo e constituído por pequenas partículas de lentíssima degradação girando a sabor das correntes marinhas no oceano Pacífico norte. A origem desse lixo são dejetos provenientes das regiões costeiras e dos navios.
A contaminação e poluição em escala crescente (como consequência do desenvolvimento demográfico e industrial) têm afetado e modificado os ambientes costeiros, pois neles é que se concentram os assentamentos humanos. Entre 50 e 70 % das populações humanas encontram-se numa faixa costeira de 50 a 100 km de largura.
Essa ação antrópica compromete as relações de fluxo de energia (fixação do Carbono através das plantas marinhas e as relações entre os animais predadores e suas presas), entre os compartimentos do ecossistema costeiro.
Dessa forma se perturbam ou alteram irreversivelmente, ciclos biológicos e migratórios, da fauna marinha, se desestruturam habitats reprodutivos e de criação assim como, se modifica a dominância de uma determinada espécie em favor de outras. Muitas vezes uma espécie de interesse comercial, explorada numa pescaria pode ser deslocada/substituída por outra sem valor para o homem.
O ambiente marinho é, por natureza, um ambiente altamente dinâmico e complexo onde as abordagens reducionistas são, com frequência, insuficientes e parciais para explicar o que observamos. O estudo dos mares é, por excelência um estudo interdisciplinar onde recorremos à física, química, biologia, geologia, meteorologia e, mais recentemente, às ciências sociais e econômicas.
Acredito que seja essencial entender o comportamento humano em suas expressões sociais e econômicas. A relação do homem com o mar é praticamente inseparável da história da civilização ocidental e oriental.
No presente, o ser humano é um usuário e “apropriador” dos “bens” (recursos pesqueiros e minerais como gás, petróleo, areias, carbonatos, nódulos polimetálicos, água, etc.) e dos “serviços” do ecossistema marinho (papel modulador do clima, ventos, correntes marinhas, biodiversidade, defesa militar, equilíbrio dinâmico da natureza e sua interação com a costa).
A percepção que o ser humano tem do meio marinho é muito limitada, porque somos animais essencialmente terrestres onde nossos sentidos como visão, audição, tato e olfação são de valor limitado ou nulo no meio marinho.
O que vemos do mar com facilidade?
Apenas sua interface com o continente, na costa, e depois uma superfície que se estende por milhares de quilômetros de maneira aparentemente igual ocupando quase 71% da área do planeta que chamamos Terra.
Na verdade o planeta deveria ser chamado de Planeta Água ou Azul como ficou evidente para os primeiros astronautas. Nada vemos da coluna de água, do que está presente abaixo dessa lamina de água formada pela superfície. Para “ver” esse ambiente necessitamos de instrumentos, sensores, câmeras de TV, robôs submarinhos e amostradores de todo tipo além das plataformas que transportam eles (navios e/ou satélites).
No mundo emerso, temos maior consciência e facilidade de percepção das planícies, pradeiras, montanhas, bosques, florestas, seus animais, etc. Não é por acaso que o grande cientista espanhol Ramón y Cajal (1852-1934) chamou o homem de “animal óptico” já que é através da visão, nosso mais importante sentido, que adquirimos informações e desenvolvemos consciência da presença.
Foi sempre assim? Eu acho que sim e até pior. Em 1883, Sir Thomas Henry Huxley destacado cientista britânico (muito conhecido pela sua enérgica defesa de Charles Darwin no meio científico da época) sustentava numa conferência que:.. “não importa o que homem faça ao mar, sua riquezas são inesgotáveis”… Essa visão, infelizmente limitada, se afirmou ao longo do tempo e era corrente até os anos 50 do século XX.
Entender o mar como uma fonte imensa de recursos com capacidade para absorver dejetos, e sofrer todo tipo de agressão era, e infelizmente ainda é, um conceito comum.
Pode-se explicar essa percepção lembrando que no presente e no mundo desenvolvido, uma geração humana, tem uma expectativa de vida entre 70 e 80 anos. Mas antigamente, a expectativa era bem menor e, portanto, a memória coletiva de uma geração era mais limitada com relação a um passado distante e até de umas poucas décadas.
Muitos cientistas descrevem esse fenômeno como “linha de base substituída”. Ou seja, as referências espaciais e temporais que temos são limitadas e esquecemos, por exemplo, como o mar era antes da revolução industrial, quando a tecnologia da máquina à vapor (circa 1750-1800) ainda era desconhecida.
Hoje é sabido que o mar gerava e abrigava uma riqueza biológica superior a presente e que a abundância dos recursos pesqueiros era tal que deixa pálida a que atualmente conhecemos. No entanto, é errado pensar que o homem antigo era capaz de viver em maior harmonia com a natureza.
Registros orais primeiro e escritos depois, alguns deles como as sagas nórdicas, dão conta de antigas sobrexplotações de recursos pesqueiros, mesmo com a tecnologia primitiva da época. De maneira análoga isso se aplica a muitos povos nativos que destruíram ou esgotaram recursos terrestres e marinhos, o que desmitifica a visão comum de que a sobrexploração é um fenômeno moderno. Na verdade a humanidade convive com essas práticas desde longa data.
Uma boa parte desse problema radica na conceição de que os recursos (e serviços) do mar são considerados como um bem comum, e até, patrimônio da humanidade.
Em 1968 Garret Hardin chamou a atenção sobre o problema dos bens comuns que denominou de “tragédia dos comuns”. Nessa situação, a exploração de um bem finito é motivada pelo interesse pessoal sendo que o explorador age independentemente, porém racionalmente, mas que coletivamente termina por destruir o bem comum. A exploração dos oceanos como um bem comum não regulamentado (ou, quando existem tratados internacionais para uso e exploração que não são cumpridos) ilustra bem o caso.
Curiosamente (em termos relativos) no meio continental existe maior consciência sobre a necessidade de regulamentar o uso de bens e serviços ecossistêmicos terrestres. Exemplo disso são os comitês de bacias hidrográficas para cuidar da água, normas para uso dos solos (visando inibir a erosão e degradação), uso da atmosfera (chaminés, ondas de rádio e TV, navegação aérea, etc.), normas para exploração da madeira das florestas, etc.
No entanto, quando se consultam as estatísticas de FAO, se observa que a pesar dos avanços tecnológicos porém como consequência deles, a captura de pescado mundial vem caindo desde 1980 a uma taxa próxima a 300 mil toneladas anuais. A pesca, em essência, nada mais é do que uma forma de “caça aquática” e, portanto, é uma atividade primaria de extração.
Países desenvolvidos, mesmo aqueles onde a ciência pesqueira foi inventada e contam com sistemas de governança, sofrem com a sobrexploração, esgotamento e até colapso dos recursos pesqueiros.
Poucos países no mundo (algumas pescarias de Canadá, USA, Nova Zelândia e Austrália) partiram para alguma forma de “privatização“ do bem. Nesse modelo de propriedade do bem, a autoridade pública outorga, mediante venda ou leilão, um direito (geralmente anual) de exploração. Esse direito é limitado por uma quota estabelecida de acordo com estudos científicos que avaliam o potencial de renovação e a sustentabilidade do recurso.
Quais são as perspectivas?
Como em qualquer exercício de futurologia, corre-se o risco de errar. No entanto, no presente, parecem-me pouco auspiciosas. Falta ainda alcançar um maior grau de conscientização do público em geral e dos tomadores de decisão em particular. A lógica desenvolvimentista que tem dominado o cenário econômico na grande maioria dos países conspira contra a conservação e sustentabilidade dos recursos.
 Por que não ouvimos falar tanto em programas de proteção de espécies marinhas (algumas até sob risco de extinção)? Há menos investimento na proteção dos oceanos? Por quê?
As espécies que contam com algum tipo de programa de proteção são, em sua grande maioria, animais carismáticos (baleias, delfins, tartarugas, aves marinhas, focas, etc.). Existem programas bem sucedidos de conservação e diminuição de mortalidade acidental para golfinhos, aves e tartarugas, particularmente no Caribe, Pacífico oriental e Atlântico Sul.
No entanto, os peixes que poucas vezes são vistos na superfície ou fora da água não recebem a mesma atenção do público. Em geral, peixes, moluscos e crustáceos são vistos apenas como fonte de alimento.
Nos últimos anos a mídia tem divulgado muito os benefícios que traz para a saúde o consumo de pescado, como fonte de omega 3 e 6 e de baixo colesterol o que, de certa forma, é um estímulo para o consumo aumentando assim a demanda e a pressão da pesca sobre os estoques.
Contudo, existem programas internacionais de proteção (que recebem pouca atenção da prensa) para proteção de espécies altamente vulneráveis por estarem em condições críticas de sobrevivência. Um deles é o CITES (sigla em inglês para: Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora) que regula e até proíbe a comercialização de espécies terrestres e marinhas (tubarões, peixes, crustáceos e moluscos).
Acompanhando a preocupação de consumidores conscientes (sobre tudo na Comunidade Europeia, Canadá e USA) tem-se estabelecido o selo “verde” ou ecológico para produtos de consumo marinho que certifica a origem e também que a pescaria onde esse produto foi capturado é sustentável. Infelizmente, constituem uma minoria.
As Áreas de Proteção Marinha (APM) são uma ferramenta importante que tem tido sucesso em vários locais do planeta. Porém, se calcula que a extensão total (< 0,1%) delas é bem menor do considerado como necessário (20% da superfície dos mares). Existem diversos modelos de APM, desde os que proíbem todo tipo de interferência humana até aqueles onde é permitido alguma atividade como eco-turismo por exemplo.
Comparando com os ecossistemas terrestres, existem poucos programas de proteção marinha. Não creio que se trate de um problema de recursos financeiros e sim de repercussão na sociedade como um todo.
Há muitos projetos de exploração econômica dos oceanos, como o pré-sal no Brasil, a prospecção de fármacos e a mineração. Quais são os impactos dessa exploração? É possível reverter? Há discussões ou implantações de salvaguardas ecológicas nos processos?
Efetivamente, os recursos minerais do mar recebem mais atenção que os recursos vivos por razões evidentes nas economias dinâmicas que se sustentam queimando combustíveis fósseis e procurando fontes de energia como é o caso do petróleo e o gás.
A mineração marinha é muito menos desenvolvida no Brasil por ser mais recente e ainda de altos custos frente a outras fontes exploráveis de minerais. Sem levar em consideração as jazidas costeiras (areias, carbonatos) que são de acesso relativamente fácil, as restantes (nódulos poli-metálicos) ocorrem em águas profundas e pouquíssimos países desenvolveram tecnologias sofisticadas para sua extração.
Sem dúvida, a exploração de petróleo e gás são as atividades que tem maior potencial de impacto ambiental, como ficou recentemente demonstrado no Golfo de México e, anteriormente, em Alasca. No entanto, o maior número de acidentes acontece durante as operações de transporte e remanejo de óleo cru, seja via navio ou oleoduto submarinho. Quando mais perto da costa (terminais) maior o impacto, pois é nas regiões costeiras onde se encontra a fauna e flora mais rica, diversificada e vulnerável.
O impacto dos derrames de petróleo é muito influenciado pelo tipo de ambiente onde acontece ou aonde o óleo é levado pelas correntes marinhas e, também, pela natureza do cru, sendo os chamados petróleos leves os menos impactantes. O seguinte esquema resume as diferentes situações.
1. Manguezais e marismas. Impacto pesado, com grande mortalidade de fauna e flora, modificando a abundância e comprometendo a produtividade. Recuperação: Lenta a moderada, a persistência do óleo prolonga a toxicidade.
2. Estuário, baias e portos. Impacto pesado a moderado. Em geral depende da estação do ano e pode afetar seriamente migrações de peixes, crustáceos e aves, as vezes com fortes prejuízos para a pesca.
Recuperação: Rápida a lenta, depende da velocidade das correntes de entrada e saída desses ambientes e da morfologia das costas.
1. Plataforma continental externa. Impacto leve a moderado. Leve sobre os microrganismos (plâncton) e severa sobre ovos, larvas e juvenis de peixes, moluscos e crustáceos. Recuperação: rápida para o plâncton por apresentar ciclos de vida curtos. Moderada a lenta para os organismos do fundo.
2. Oceano aberto. Impacto leve. Organismos nadadores costumam evitar o local do derrame. Como as profundidades são grandes costumam não afetar os organismos do fundo. Recuperação: rápida, devido à velocidade da dispersão e degradação do óleo.
Existem salvaguardas que devem ser rigorosamente seguidas. Dessa forma, muito depende dos mecanismos de controle e fiscalização. É oportuno destacar que muitas companhias de seguro, que dão cobertura para esse tipo de danos ambientais, são as principais interessadas no cumprimento das salvaguardas.
Existem protocolos que visam a minimização de acidentes nos procedimentos para perfurações, captação, processamento em plataformas e transporte até facilidades em terra. Esses protocolos levam em conta o tipo de petróleo (leve ou pesado; percentual de enxofre), vias de navegação, regime de ventos, espetro de correntes marinhas (direção e velocidade), profundidade do poço, presença de fauna, rotas migratórias da fauna, etc.
Contudo, acidentes sempre irão acontecer, seja por falha humana, mecânica, ou evento climático inesperado. A história mostra que a falha de origem humana é responsável pela maior parte dos acidentes com alto impacto. Surge então, que resolver ou amenizar esse problema necessariamente tem que passar por rigorosos programas de treinamento e controle das dotações das plataformas e tripulações das embarcações.
Ainda, sabe-se hoje que a vida marinha também constitui uma fonte para princípios ativos da indústria farmacêutica. Dessa forma, quando temos perda de bio-diversidade, equivale a perder novos medicamentos potenciais.
Os oceanos podem intensificar ou reduzir o aquecimento global? Como?
A molécula de água tem altíssimo poder para conservar calor. Deve-se lembrar que os oceanos (sem considerar o gelo das calotas polares) tem 96,5% de toda a água do planeta, portanto, sua capacidade de amortecer as variações térmicas da atmosfera é enorme.
Por isso se afirma que os oceanos, com uma profundidade media de 4000 m, tem um papel fundamental na regulação do clima, pois eles redistribuem o calor através do transporte das correntes marinhas. Mediante a evaporação, reabastecem em forma de vapor, a água que precipita como chuva na terra emersa (aprox. 9%) e no próprio mar (91%). Além de água e calor os oceanos também guardam dióxido de C (CO2) e são responsáveis pela circulação dos mesmos por todo o planeta.
Quando a superfície da terra resfria ou esquenta pelo calor do sol, a mudança e amplitude de temperatura é muito mais rápida na terra do que no mar, portanto, uma consequência disso é que o mar refrigera a terra quando ela está quente e, ao contrario, quando está fria.
A radiação solar que chega à Terra atravessa a atmosfera sem nuvens e atinge a superfície a terra e do mar. Uma parte da radiação é re-irradiada para o espaço como radiação infravermelha (RIV). O CO2 presente na atmosfera captura esta RIV e a redireciona novamente para a superfície, assim aumentando a temperatura. Este processo natural é conhecido como “efeito estufa” (EE). Além do CO2 de origem biológico (respiração dos seres vivos na biosfera) temos a contribuição antrópica pela queima dos combustíveis fósseis (petróleo), queimadas e diferentes processos industriais.
O EE é essencial para o equilíbrio de calor no planeta e, sem dúvida, ele possibilita a vida. Porém, com um excesso de EE a água poderia ferver e sem EE ela poderia congelar. Ou seja, existe um delicado equilíbrio entre luz solar, concentração de CO2 e calor que não pode ser quebrado.
É possível reverter o processo de aquecimento?
A resposta a esta pergunta não é simples. Se acredita que a capacidade dos oceanos para absorver CO2 seja grande porque as plantas marinhas dele se aproveitam para gerar biomassa através da fotossíntese (produzindo O2 ). Entretanto o CO2 também é responsável pelo grau de acidez da água (pH) pois interage com o ciclo do C e com um equilíbrio muito sensível do ácido carbônico na água marinha que interfere nos processos de calcificação (ou descalcificação) que pode afetar os corais.
Este processo de interação do CO2 é responsável pelo grau de acidez da água de mar (pH). Em situação normal o pH é levemente alcalino (próximo a 8), mas com um excesso de CO2 o pH se desequilibra e torna-se ácido (pH inferior a 7). Dessa forma muitos processos vitais passam a ser afetados. Particularmente os corais e outros animais que possuem esqueletos externos de carbonato de cálcio.
Não existe um consenso firmado sobre a reversão do processo. É provável que dentro de uma certa amplitude os oceanos possam contribuir para atenuar o aquecimento, mas também é possível que fora desse intervalo o aquecimento deixe de ser amortecido.
Quais são os fatores mais importantes que interferem na sustentabilidade dos oceanos (e da vida marinha)? A ocupação costeira seria um fator determinante? Existe legislação e fiscalização eficientes?
Parte desta pergunta já foi respondida nos itens anteriores (questões da percepção e do bem comum). No entanto, eu também acho que se pode questionar o próprio conceito de sustentabilidade. Esta palavra hoje é presente no nosso cotidiano e em muitas declarações de princípios de ação política na gestão pública e industrial privada. Infelizmente, é muita vezes usada como um chavão sem aprofundar o que ela implica.
Ela foi consagrada na conferencia de Rio de 1992 e se destacou por conferir a essa noção uma multidimensionalidade. Ou seja, de acordo com essa proposição a sustentabilidade deveria ser buscada segundo a dimensão biológica, tecnológica, econômica e social. Assim, quando um gestor ou tomador de decisões tem que adotar uma medida administrativa que vise a sustentabilidade de um recurso (ou serviço), ele deverá dar igual peso a todas as dimensões (acima mencionadas).
Contudo, a história contemporânea de gestão dos recursos pesqueiros (por citar um dos casos mais relevante), mostra (tanto em países desenvolvidos como em vias de desenvolvimento) que as considerações econômicas em primeiro lugar e as sociais em segundo prevalecem sobre as outras dimensões da sustentabilidade.
Com isso deixa-se de entender que sem a sustentabilidade biológica as outras dimensões carecem de sentido. As diferentes dimensões não tem o mesmo peso e de fato existe uma hierarquia, pois é a biológica a que proporciona sustentação às demais.
Ao não reconhecer a primazia da sustentabilidade biológica, se posterga a solução do problema. No caso da pesca pode-se resumir a situação à: existem muitos pescadores para recursos naturais cada vez mais escassos. É frequente ouvir e ler manifestações de autoridades políticas que adotam um discurso desenvolvimentista e ao mesmo tempo invocam a sustentabilidade, como se fosse possível um crescimento permanente da produção.
A ocupação costeira em sim não é um problema, visto a dependência histórica, tecnológica e cultural do ser humano pela região costeira. O que sim é problemático é a ocupação costeira desordenada.
No Brasil, o Projeto Orla e o Programa GERCO (Gerenciamento Costeiro) tem sentado as bases legais para a ocupação e gestão dessa zona costeira. Brasil tem 17 estados litorâneos, com cerca de 395 municípios com faixa litorânea marinha. Os instrumentos de gestão existem e estão consagrados nesses programas que tem um caráter descentralizador. Estados e municípios são os que devem traçar, dentro das orientações normativos do GERCO, os respectivos programas locais de gestão da zona costeira. Aqueles municípios com melhores quadros de profissionais aplicam e controlam os planos de gestão, porém seu número é ainda insuficiente para as necessidades do país como um todo.
Recentemente, minha universidade (FURG) lançou o primeiro programa de pós-graduação em Gerenciamento Costeiro, visando atender a deficiência apontada acima.
1. Quais são os desafios para evitar a superexploração de espécies marinhas, a intensificação de fenômenos climáticos (como La Niña e El Niño), e descoloração dos corais, enfim, que medidas devem ser tomadas para que não terminemos com a vida de nossos oceanos?
Evitar a sobrexploração das espécies marinhas requer uma mudança de paradigma, que passa pelo reconhecimento dos limites naturais dos ecossistemas, controle do aumento demográfico das populações humanas e reconhecimento das limitações tecnológicas.
Sucessivos e expressivos aumentos da capacidade de exploração dos recursos do mar (vivos e não-vivos) sempre se apoiaram em aumentos do poder de exploração sustentado por avanços tecnológicos que prometem resolver alguns problemas mas, também, criam outros novos.
Fenômenos como “El Niño“ e “La Niña” são naturais e hoje se sabe que existem desde longa data e, até onde eu sei, não existe ainda uma explicação clara que identifique sua causa primária.
A descoloração dos corais (ou branqueamento, como é mais conhecido) ocorre porque morre a alga que sustenta o pólipo do coral. Nesta associação tão peculiar entre um ser vegetal (a alga) e um ser animal (o pólipo) a primeira fornece, através da fotossíntese, o oxigênio que o pólipo utiliza em sua respiração. Ao morrer a alga (diversas razões foram mencionadas para isso) o pólipo não mais respira e com isso o coral perde sua parte viva e apenas resta o exoesqueleto calcário de cor branca (de ai o nome que recebe o processo).
É um fenômeno mundial preocupante que se acredita esteja acelerando como resultados de um processo com causas antrópicas e também naturais. Entre as causas mencionadas encontram-se, aumento da radiação ultravioleta, acidificação da água (que diminui o pH), aumento do material em suspensão na coluna de água, que diminui a penetração da luz e com isso os níveis de fotossíntese das algas ou ainda o “afogamento” dos pólipos (esta causa é particularmente evidente em aqueles recifes de corais próximos à zona costeira), exploração excessiva dos peixes coralinos, emprego de explosivos para pescar (frequente nas Filipinas), etc.
Outro problema, não menos importante, é o caso das chamadas “marés vermelhas”. Trata-se um crescimento descontrolado de um determinado tipo de microscópicas plantas marinhas (fitoplâncton) que produz toxinas que afetam mortalmente à outros seres marinhos ou ao ser humano quando consome produtos marinhos (por exemplo moluscos) que foram afetados por essas marés.
Recebem o nome genérico de marés vermelhas porque a água tem sua cor alterada, mas o vermelho não é a única cor que pode ser encontrada. A proliferação desse fitoplâncton ocorre sob determinadas circunstâncias de temperatura alta, forte radiação ultravioleta e águas costeiras relativamente calmas e excesso de nutrientes. As marés vermelhas são fenômenos naturais mas elas passaram a proliferar com o aumento da poluição nas regiões costeiras, por causa do lançamento de efluentes nitrogenados.
Podemos afirmar que os oceanos estão doentes? Eles têm a capacidade de se auto-regenerar? Podemos ajudar de que forma?
Sim se pode disser isso quando nos referimos às regiões costeiras que são as mais impactadas. Já nas águas profundas e na superfície dos oceanos abertos é difícil fazer essa afirmação porque ainda conhecemos pouco desses ambientes e, também, falta-nos uma referencia temporal contra a qual comparar.
No entanto, em ecologia é necessário lembrar que as partes do ecossistema encontram-se todas interligadas. Portanto, pode ser um excesso de otimismo acreditar que os impactos sobre a região costeira não tenham repercussões nas regiões mais distantes.
Muitos sistemas vivos, terrestres e aquáticos, exibem capacidade de recuperação, mas temos que entender como funcionam e, sobretudo proporcionar tempo para que isso aconteça. Obviamente isso implica numa espécie de “moratória” que poupe as agressões e alterações.
Segue-se então uma reflexão. Como na sociedade presente, com claros postulados de desenvolvimento econômico, seria possível articular desenvolvimento com conservação?
Este problema extrapola a questão aqui tratada, pois pode-se observar as conseqüências que esse modelo tem nos ecossistemas terrestres, na queima de combustíveis fósseis (não renováveis), na excessiva dependência do petróleo como fonte de energia, etc.
Como se pode ajudar? Com educação, que ilustre e explique ao público a delicadeza das intrincadas e complexas relações que são características dos ecossistemas terrestres e marinhos. Deve-se informar que o sistema tem um limite que não pode ser ultrapassado sob pena de levar ele ao colapso ou a perda de suas funções produzindo bens (recursos) e prestando serviços tão necessários para a humanidade.
Prof. Jorge P. Castello é professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (conhecida como FURG), atualmente ministrando aulas de Introdução a Oceanografia para alunos do 1º ano e Parâmetros Populacionais Pesqueiros da pós-graduação desta IES. (EcoDebate)

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