domingo, 17 de abril de 2011

‘Pegada Hídrica’ e o uso racional da água

Conceito de ‘Pegada Hídrica’ incentiva o uso responsável da água
Metodologia criada pelo Prof. Arjen Hoekstra promove uso eficiente realçando a relação entre consumo diário e seus impactos ambientais
Com o objetivo de avançar nas estratégias de conservação e gestão da água doce, uma parceria entre WWF-Brasil, Water Footprint Network, The Nature Conservancy e USP São Carlos traz ao Brasil o criador do conceito de Pegada Hídrica, Prof. Arjen Hoekstra. Ele cumpre agenda, por meio de cursos e palestras, com o objetivo de transmitir conhecimento técnico a representantes de instituições-chave que possam unir esforços para atrair o engajamento de governos, empresas, universidades, institutos de pesquisa, ONGs, entre outros, no sentido de implementar a metodologia de gestão eficiente e sustentável da água no País.
Segundo o professor Mario Mendiondo da USP-São Carlos, “os parceiros atuam na ampliação da capacidade do Brasil a partir de três pilares: sustentabilidade, inovação e empreendedorismo”. O primeiro busca promover o uso responsável da água, trazendo benefícios sociais, econômicos e ambientais. O segundo é retratado na própria metodologia da Pegada Hídrica como uma nova ferramenta de gestão de recursos hídricos. Por fim, “será preciso empreender mecanismos para minimizar a Pegada Hídrica até um patamar aceitável”, complementa Mendiondo.
“Embora o Brasil seja o país com a maior reserva hídrica do planeta, em muitas regiões já existe conflito pelo uso da água, o que demanda uma boa governança. Além disso, o crescimento da economia brasileira deve aumentar significativamente o uso da água nas diversas atividades produtivas”, explica Samuel Barrêto, coordenador do Programa Água para a Vida do WWF-Brasil. Dessa forma, é preciso reduzir os riscos de escassez de água, promovendo o uso eficiente desse recurso natural, e até mesmo reduzir o risco de imagem negativa, que pode estar associado a uma empresa que não utiliza bem este recurso.
A Pegada Hídrica é uma ferramenta de gestão de recursos hídricos que indica o consumo de água doce com base em seus usos direto e indireto. O método permite que as iniciativas públicas e privadas, assim como a população em geral, entendam o quanto de água é necessário para a fabricação de produtos ao longo de toda a cadeia produtiva. Desta forma, os segmentos da sociedade podem quantificar a sua contribuição para os conflitos de uso da água e degradação ambiental nas bacias hidrográficas em todo o mundo.
Para Hoekstra, apesar de os governos terem papel fundamental na elaboração de leis que tornem a gestão eficiente da água uma obrigação, a população e as empresas também devem se envolver completamente. As companhias precisam entender como utilizar os recursos hídricos da melhor forma e devolvê-los limpos para a natureza. Já os consumidores devem se preocupar com a origem dos produtos que consomem e com os procedimentos adotados na produção.
A Pegada Hídrica pode ser Verde, quando a água da chuva evapora ou é incorporada em um produto durante a sua produção; Azul, que calcula as águas superficiais ou subterrâneas que evaporam ou são incorporadas em produtos, ou então devolvidas ao mar ou lançadas em outra bacia; e Cinza, que mede o volume de água necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo.
Ao analisar a Pegada Hídrica de um produto, é preciso levar em consideração as etapas do processo de fabricação e os locais por onde ele passou – desde a matéria-prima até o produto final. De acordo com o professor, “a Pegada Hídrica de uma área onde tem água em abundância é muito diferente da que está numa região mais seca”. Por isso, ele criou uma forma de distinguir estas Pegadas.
Hoekstra destaca que a média global de Pegada Hídrica de uma camisa de algodão, por exemplo, é de 2.700 litros de água (consulte as médias globais de outros produtos no quadro abaixo). Durante a produção, o algodão pode ter sido cultivado e transformado em tecido no Paquistão e em camisa na Malásia para ser vendida nos Estados Unidos.. “Portanto, para calcular a Pegada Hídrica de uma camisa vamos precisar do somatório da pegada de cada etapa e isso será distribuído por vários locais do mundo.”
“Quem sabe se, no futuro, não poderemos dizer que a Pegada Hídrica não é tão alta porque foi produzida onde há abundancia de água ou onde não está poluindo. Cada vez mais os consumidores querem saber este tipo de informação”, destaca Hoekstra. “Devemos considerar quanto de poluição pode ser gerada nas águas da Ásia, por exemplo, para que o europeu possa vestir uma camisa. Com a Pegada Hídrica, fazemos uma ligação entre o consumo que acontece em um lugar e o impacto no sistema hídrico de outro lugar”.
Hoekstra explica que é possível também calcular a Pegada Hídrica de um indivíduo, de acordo com o padrão de consumo que ele segue e a oferta de produtos que ele tem. Uma pessoa que adota dieta vegetariana, por exemplo, tem uma Pegada Hídrica 30% menor do que uma não vegetariana. O brasileiro tem cerca de 5% da sua pegada em casa, com consumo de água na cozinha e no banheiro, e 95% estão relacionados com o que compra no supermercado, especialmente com produtos agrícolas. Outro dado importante é que 8% da pegada do brasileiro estão fora do País, um índice muito pequeno se comparado aos 85% da Holanda.
“Precisamos desconstruir a percepção de que a água vem apenas da torneira e que simplesmente consertar um pequeno vazamento é o bastante para assumir uma atitude sustentável”, ressalta Albano Araujo, coordenador da Estratégia de Água Doce do Programa de Conservação da Mata Atlântica e das Savanas Centrais da The Nature Conservancy.
Mesmo já sofrendo com conflitos pelo uso da água doce, a América do Sul tem a maior reserva de recursos hídricos do mundo. Por isso, há uma crescente demanda por produtos de uso intensivo de água na região. Um país como a China, que vive essencialmente de exportações, precisa transferir a pegada para outros países que têm maior oferta. “Existem países, como a Nigéria, que têm uma pegada enorme não só por falta de água, mas também por práticas pouco sustentáveis do recurso”, observa Hoekstra.
Hoekstra acredita que as empresas estão buscando entender o que podem fazer para ajudar. O comprometimento dos recursos hídricos pode afetar diretamente os negócios de uma companhia, prejudicando a reputação, a área financeira, regulatória e até mesmo a sua localização. A WFN deu um grande passo e publicou o Manual Técnico de Pegada Hídrica (disponível para download em www.waterfootprint.org), que contém normas globais. De acordo com Hoekstra, a criação de normas globais e padrões é um ponto chave para comparar produtos e empresas.
Médias globais de Pegada Hídrica
1 taça de vinho 120 litros de água
1 xícara de café 140 litros de água
1 Kg de açúcar refinado 1.500 litros de água
100 gramas de chocolate 2.400 litros de água
1 hambúrger 2.400 litros de água
1 camiseta de algodão 2.700 litros de água
1 Kg de carne bovina 15.500 litros de água
Sobre Arjen Hoekstra
Arjen Hoekstra é o criador do conceito de pegada hídrica e estabeleceu o campo de pesquisa interdisciplinar para avaliação da pegada hídrica, que aborda as relações entre consumo, gestão e comércio de água. Hoekstra é professor de Gestão dos Recursos Hídricos da Universidade de Twente, na Holanda, e diretor científico da Water Footprint Network. Ele é especialista em gestão integrada de recursos hídricos, gestão de bacias hidrográficas, análise política, análise de sistemas e da ciência do desenvolvimento sustentável. O professor tem mestrado em Engenharia Civil e PhD em Análise Política, ambos da Universidade Tecnológica de Delft, na Holanda. Suas publicações abrangem uma vasta gama de tópicos relacionados com a escassez de água, gestão dos riscos de inundação e do desenvolvimento sustentável e inclui 45 trabalhos em revistas científicas. Hoekstra tem três livros publicados: Perspectives on Water (Perspectivas sobre a Água, 1998), Globalization of Water (Globalização da Água, 2008) e The Water Footprint Assessment Manual (Manual Técnico da Pegada Hídrica, 2011).
WWF-Brasil
O WWF-Brasil é uma organização não-governamental brasileira dedicada à conservação da natureza com os objetivos de harmonizar a atividade humana com a conservação da biodiversidade e promover o uso racional dos recursos naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações. O WWF-Brasil, criado em 1996 e sediado em Brasília, desenvolve projetos em todo o país e integra a Rede WWF, a maior rede independente de conservação da natureza, com atuação em mais de 100 países e o apoio de cerca de 5 milhões de pessoas, incluindo associados e voluntários.
Water Footprint Network
A Water Footprint Network é uma fundação sem fins lucrativos sob a lei holandesa. É essencialmente uma rede internacional aberta a parceiros de diversos grupos formadores de opinião na gestão de recursos hídricos, incluindo agências governamentais, organizações não-governamentais, empresas, universidades e organizações internacionais. As organizações podem tornar-se sócias da rede, inscrevendo-se para a missão e submetendo um pedido ao Conselho.
The Nature Conservancy
The Nature Conservancy (TNC) é uma organização sem fins lucrativos voltada para a conservação da natureza. Criada em 1951 e presente em 34 países, já ajudou a proteger mais de 47 milhões de hectares em todo o mundo. No Brasil, a TNC atua desde a década de 80 e tornou-se uma organização brasileira em 1994. Seu principal objetivo é proteger plantas, animais e os ecossistemas naturais que representam a diversidade de vida no planeta, conservando as terras e águas de que precisam para sobreviver.
USP São Carlos
A implantação da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos ocorreu em 1948, com a criação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC). Com um total de cinco unidades de ensino, o campus conta com uma população de 8.023 pessoas entre alunos de graduação e pós-graduação, professores e funcionários. A USP é uma universidade pública e gratuita, mantida pelo Estado de São Paulo e ligada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia. Os docentes, alunos e funcionários são reconhecidos internacionalmente pela produtividade científica. (EcoDebate)

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