terça-feira, 21 de junho de 2011

O futuro da Amazônia

‘O futuro da Amazônia será decidido nesta década’
Desmatamento, violência e subdesenvolvimento são características que persistem na Amazônia há mais de três décadas, constata o engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo.
Trinta anos depois do boom de investimentos em infraestrutura, o Brasil volta a projetar a construção de grandes obras na região norte e nordeste do país, onde está localizada parte da Floresta Amazônica. Desta vez, o ciclo de empreendimentos traz à tona uma discussão atual: como ampliar o crescimento brasileiro preservando áreas florestais e garantindo qualidade de vida à população da região. “Aquele manto verde, quase impenetrável e destrutível, depois de três décadas de ocupação e desenvolvimento, está sendo degradado em função de uma economia baseada na extração dos recursos naturais de forma predatória”, denuncia Adalberto Veríssimo. Romper com a conjuntura histórica de desmatamento, violência e pobreza na Amazônia, segundo o pesquisador do Imazon, é um dos desafios do governo. Em entrevista à IHU On-Line concedida por telefone, ele afirma que “se não forem feitos investimentos correspondentes em outras áreas, o PAC, por si só, não vai resolver o problema de subdesenvolvimento da Amazônia e pode, inclusive, agravar o desmatamento e os conflitos sociais”.
Adalberto Veríssimo é engenheiro agrônomo, pós-graduado em Ecologia, pela Universidade Estadual da Pensilvânia, EUA. Cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon, atualmente é pesquisador sênior da instituição.
IHU On-Line – O senhor pesquisa a Floresta Amazônica há mais de 15 anos. Que transformações percebeu no ecossistema ao longo desse tempo?
Adalberto Veríssimo – Estudo especialmente a região da Amazônia e posso dizer que existem três características importantes na história da região. A primeira é em relação ao desmatamento: até 1975, apenas 0,5% do território havia sido desmatado. No entanto, de 1975 em diante, a situação piorou e, hoje, 18% dessas terras estão desmatadas. Em função disso, aumentaram os problemas ambientais e estimamos que 40% da floresta já esteja afetada pelo fogo, pela exploração madeireira e pela caça. Aquele manto verde, quase impenetrável e destrutível, depois de três décadas de ocupação e desenvolvimento, está sendo degradado em função de uma economia baseada na extração dos recursos naturais de forma predatória.
A segunda característica da Amazônia é a violência. Ao longo da minha trajetória como pesquisador, tenho visto que há uma correlação entre violência rural e urbana nas cidades do interior e a taxa de desmatamento. Os municípios mais desmatados são os que apresentam maior índice de violência. A disputa pela terra tem gerado assassinatos e as mortes que ocorreram recentemente não estão isoladas desta dinâmica. Não é a primeira vez que lideranças ambientais e sociais são vítimas da ganância. Essa situação de conflito sempre esteve presente no processo de desenvolvimento da região.
É bom lembrar que a Amazônia é um território imenso e que os conflitos estão localizados em uma área geograficamente pequena. Só o estado do Pará, onde moro, é maior que toda a região sul e sudeste. Os conflitos acontecem em uma extensão de terra equivalente ao estado do Rio Grande do Sul.
Quando se fala em Amazônia, temos de lembrar que também existem diferentes Amazônias: a Amazônia do alto Rio Negro concentra populações indígenas e é muito diferente da Amazônia do Marajó, da Amazônia do rio Trombetas, do rio Solimões. Eu sempre me refiro a Amazônia que está no chamado arco do desmatamento, a região que mais está sendo impactada pelo desmatamento e pelas ações da fronteira agrícola.
O terceiro aspecto é em relação ao subdesenvolvimento. Mesmo com a ocupação recente na Amazônia, ela continua pobre. Nos anos 1970, a Amazônia contribuía com aproximadamente 7% do PIB nacional e hoje o percentual permanece o mesmo. Além do mais, os indicadores sociais da Amazônia sempre estão abaixo da média nacional e da própria região nordeste, que é o concorrente mais pobre. Portanto, a região é subdesenvolvida social e economicamente. Algumas ilhas de prosperidade estão relacionadas à zona Franca de Manaus ou áreas de mineração.
Apesar de ter essas características negativas, a Amazônia tem uma face positiva. Ela oferece oportunidades para o Brasil, pois é superlativa em tudo: água, carbono, madeira, tem potencial hidrelétrico e jazidas minerais gigantescas. Além disso, ela é importante para o clima do Planeta e pode agravar os efeitos climáticos caso seja destruída.
IHU On-Line – Qual a situação social e econômica das populações que vivem próximas às áreas florestais?
Adalberto Veríssimo – Na Amazônia desmatada – onde os municípios já perderam mais de 80% da cobertura vegetal -, que se estende da região sul do Pará até o Maranhão, se tem o pior dos mundos porque a natureza foi destruída e a pobreza se manteve ou foi agravada. O modelo de exploração da floresta gera uma riqueza passageira e a previsão é de que, à medida que florestas sejam destruídas, a pobreza se agrave.
Nos municípios onde a floresta está sendo desmatada atualmente, as pessoas têm uma melhoria na renda em função do atual boom econômico. Entretanto, aumentam os conflitos em função da disputa pela terra. Xingu e Marabá são municípios típicos desse tipo de fronteira. Nas regiões mais remotas da Amazônia, onde existe a maior área florestal, há pobreza, mas não miséria. A situação mais dramática está na região desmatada e isso mostra que o desmatamento não melhora a condição de vida das pessoas.
IHU On-Line – As obras de infraestrutura realizadas pelo PAC na região norte e nordeste do país podem reverter a situação de subdesenvolvimento da região ou tendem a agravar esse cenário? O país desmatará a Floresta Amazônica da mesma forma que fez com a Mata Atlântica?
Adalberto Veríssimo – As principais obras de infraestrutura brasileiras foram feitas no governo militar: o governo Médici criou a Transamazônica; o governo Geisel iniciou a construção de hidrelétricas, as quais foram concluídas no governo Figueiredo. No período democrático, houve um recuo nas obras porque o Brasil não tinha dinheiro para bancar a infraestrutura na Amazônia. Então, os governos Sarney, Itamar e FHC investiram pouco. No final do governo FHC foi criado o Programa Avança Brasil e o PAC é um modelo melhorado deste projeto. Hoje, o país tem mais dinheiro e estamos diante de um segundo ciclo de investimentos em infraestrutura. O governo federal sabe e, inclusive incorpora isso no discurso, que não dá para fazer as obras necessárias da mesma forma como foram feitas no passado: é preciso respeitar licenciamentos ambientais, não pode aumentar o desmatamento etc. Então, o discurso governamental é mais moderno, mas a prática está revelando desafios maiores. Em Rondônia, onde está sendo construída a hidrelétrica de Jirau, aumentou a violência e os investimentos sociais não foram feitos. Portanto, diria que, até agora, os efeitos colaterais das hidrelétricas têm sido contrários ao discurso.
Investimentos
Obviamente, a região precisa de investimentos e infraestrutura de telecomunicações, estradas, energia. Mas, para que os investimentos do PAC possam gerar um desenvolvimento sustentável que leve em conta melhorias na renda, diminuição da violência e baixo impacto ambiental, o Brasil terá de investir na Amazônia porque grande parte dessa infraestrutura não serve à região e, sim, aos interesses do resto do país. A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, será construída para abastecer o centro-sul do país.
Falta ciência e tecnologia na Amazônia. Esse tipo de investimento na região é pífio. Também existem poucas universidades, os cursos de pós-graduação são limitados e poucos pesquisadores brasileiros se debruçam sob o ecossistema. Os pesquisadores estrangeiros são os que mais publicam estudos sobre a Amazônia; pós-graduandos da Inglaterra e dos EUA estão dentro da mata. Portanto, os estudantes brasileiros têm de conhecer mais a Amazônia e gerar conhecimento.
Investimentos como saneamento são indispensáveis para melhorar a qualidade de vida na região. Se quiserem transformar a Amazônia em um laboratório de desenvolvimento verdadeiro, o investimento tem de ser mais robusto, na ordem de 300 bilhões de reais nos próximos 20 anos, o que equivale a 17 bilhões de reais por ano. Só assim será possível reinventar a economia da Amazônia e transformá-la em uma economia de maior valor agregado, em que as matérias-primas não gerem passivos ambientais. Nesse sentido, a soja deveria ser restrita a uma zona definida por zoneamento e deveria gerar produtos de alto valor agregado como farelo e óleo. Também poderiam instalar uma indústria de móveis na região e não apenas produzir madeira.
Então, o PAC poderá ser um aliado desta nova economia. Entretanto, se não forem feitos investimentos correspondentes em outras áreas, o PAC, por si só, não vai resolver o problema de subdesenvolvimento da Amazônia e pode, inclusive, agravar o desmatamento e os conflitos sociais.
IHU On-Line – O governo federal já anunciou a construção de novas hidrelétricas na região Amazônica e algumas delas poderão atingir áreas florestais. Como o senhor vê a possível instalação dessas usinas neste ambiente?
Adalberto Veríssimo – Energia hidrelétrica pode ser uma solução ou um problema. No caso da hidrelétrica de Itaipu, a relação entre áreas inundadas e produção de energia é muito positiva, pois é uma hidrelétrica de qualidade. Entretanto, a hidrelétrica de Balbina, na Amazônia, é um desastre. Para construir essa usina foi necessário inundar uma área imensa e a quantidade de energia gerada não é suficiente para abastecer Manaus.
Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, na minha avaliação, terão impacto ambiental pequeno porque são hidrelétricas de fio d’água. Entretanto, irão gerar problemas sociais. Belo Monte, por exemplo, é criticada porque é muito cara e, portanto, discute-se a viabilidade econômica da obra. Se der errado, o contribuinte brasileiro pagará a conta. Além disso, a usina gera conflito com as comunidades indígenas.
IHU On-Line – Mas como o senhor vê a remarcação de áreas de preservação ambiental no Brasil em função desses novos projetos de infraestrutura na região? A inundação de áreas para a construção de hidrelétricas pode gerar perda da biodiversidade e prejudicar a conservação da Floresta Amazônica? Corre-se o risco de extinguir áreas que deveriam ser preservadas?
Adalberto Veríssimo – De fato a instalação de hidrelétricas implica em desmatamento porque as áreas serão inundadas. Entretanto, se tiverem políticas compensatórias de novas unidades de conservação, por exemplo, é possível neutralizar o impacto das hidrelétricas. Algumas áreas de Tapajós serão inundadas e a instalação de hidrelétricas na região afetará unidades de conservação. Meu argumento é que se ampliem outras unidades de conservação em áreas próximas: para cada hectare inundado, devem ser estimadas outras áreas públicas para novas unidades de conservação. Se essas áreas forem criadas, os impactos desses empreendimentos podem ser minimizados. Como 0,5% do valor desses projetos será destinado à compensação ambiental, cerca de 400 a 800 milhões de reais podem ser utilizados.
IHU On-Line – Uma nação pode enriquecer econômica e socialmente preservando a natureza?
Adalberto Veríssimo – Sim. É possível utilizar os recursos florestais se o manejo for adequado. O Brasil ainda tem muitas florestas e as áreas já desmatadas são suficientes para abrigar à agropecuária. Portanto, é possível ter desmatamento zero daqui para frente. Também é possível manejar as florestas em pé e destinar um percentual para a conservação da biodiversidade.
IHU On-Line – As pesquisas em relação ao futuro da Floresta Amazônica nem sempre são animadoras. O senhor acha que um dia poderá se falar em ex floresta no Brasil? Qual sua perspectiva em relação ao futuro do ecossistema?
Adalberto Veríssimo – O destino da floresta será decidido nesta década através das tomadas de decisões. De um lado, há uma pressão da sociedade e da comunidade internacional para conservar as florestas e reduzir o desmatamento. Nesta perspectiva, sou otimista. Entretanto, políticas públicas e medidas como as de alteração do Código Florestal podem comprometer avanços em relação ao combate do desmatamento. Ainda há chance de que a agenda da conservação do uso sustentável seja vitoriosa. Então, não sou fatalista e pessimista. A Amazônia ainda tem solução. (EcoDebate)

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