domingo, 31 de julho de 2011

Capacidade infinita da depuração dos rios

A crença na capacidade infinita da depuração dos rios não se sustenta
‘Integrar água e natureza: eis uma abordagem sustentável’
“De agora em diante, não se admite coletar esgoto e lançá-lo na água; todo projeto deve incluir o tratamento”, assinala geólogo.
Confira a entrevista.
“A crença na capacidade infinita da depuração dos rios não se sustenta, pois nos centros urbanos fica muito claro o déficit de saneamento e o quanto as águas e os rios estão sofrendo as consequências, daí crises de abastecimento em meio a tanta água”, assinala Gerôncio Rocha, ao comentar o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, produzido pela Agência Nacional de Águas – ANA.
Segundo ele, a má qualidade da água nas metrópoles brasileiras é consequência da ocupação crescente, de atividades econômicas intensivas, da desnaturalização das bacias hidrográficas e, principalmente, do passivo ambiental acumulado ao longo dos anos. Diante da diversidade de problemas e das diferentes dinâmicas ambientais e econômicas que caracteriza cada região do país, “torna-se difícil adotar um único modelo de gestão de águas que seja adequado para cada uma destas regiões simultaneamente”, aponta.
Em entrevista à IHU On-Line concedida por e-mail, Rocha menciona que o atendimento da coleta de esgotos aumenta 1% ao ano, passando, de 48% em 2005, para 54%, em 2011. Há 30 anos, explica, “a causa maior dos baixos índices de saneamento era a falta de recursos financeiros. Companhias de saneamento e entidades de classe do setor desenvolveram um discurso lamuriento que justificava até a inação frente ao problema”. Hoje, com uma conjuntura econômica e social em ascensão, enfatiza, “há um forte consenso de que as ações de saneamento terão de acontecer de forma integrada e colaborativa entre os três níveis de governo”.
Graduado em Geologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Gerôncio Rocha é geólogo da Coordenadoria de Recursos Hídricos da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. É autor de Um copo d’água (São Leopoldo: Unisinos, 2003).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo o relatório de Conjuntura da Agência Nacional de Águas – ANA, um quarto da água dos rios, córregos e mananciais do país é qualificada como ruim, péssima ou regular. A que o senhor atribui esse resultado? Quais são as causas?
Gerôncio Rocha – Isto é resultante do que se chama elegantemente de passivo ambiental acumulado ao longo de décadas. É a poluição causada pelo lançamento nos cursos d’água, lagos e represas de esgoto doméstico e de efluentes de indústrias, sem tratamento. O índice em si, 25%, não dá a verdadeira dimensão da gravidade da situação: são trechos de rios de dezenas de quilômetros de extensão que atravessam as cidades e recebem a carga de poluição; são, também, represas e mananciais de abastecimento público de água ameaçados pela urbanização adjacente. Imagens aéreas podem mostrar o contraste da mancha de poluição avançando sobre a água dos rios. Aliás, a ANA poderia utilizar imagens desse tipo nos próximos relatórios.
IHU On-Line – Qual a situação dos recursos hídricos brasileiros e como é possível avançar na gestão da água no país? Quais são os desafios nesse sentido?
Gerôncio Rocha – Para um país de dimensão continental e com a diversidade do Brasil, a resposta para esta questão é longa. O relatório da ANA mostra alguns pontos comuns entre as realidades das regiões brasileiras, mas ainda há uma variação muito grande de uma para outra. Como ponto comum para todas as regiões, podemos exemplificar com a situação das cidades e principalmente das metrópoles, cujas águas são mais castigadas com a ocupação crescente, atividades econômicas intensivas e desnaturalização das bacias hidrográficas, que perdem completamente suas condições naturais e são tomadas pela urbanização. Isto resulta nas piores condições em termos de qualidade e criticidade com relação à disponibilidade hídrica.
Em termos de diversidade, podemos “visitar” cada uma das regiões do país. Entrando no tema do saneamento e tomando o Norte do país como exemplo, essa região é riquíssima em água, mas paupérrima em saneamento, o que provoca um conflito sério. A crença na capacidade infinita da depuração dos rios não se sustenta, pois nos centros urbanos fica muito claro o déficit de saneamento e o quanto as águas e os rios estão sofrendo as consequências. Daí haver crises de abastecimento em meio a tanta água.
Os prognósticos com relação aos efeitos das mudanças climáticas no semiárido, Nordeste brasileiro, cada vez são mais convergentes em apontar que, nesta região, as secas se intensificarão e as tempestades serão desastrosas. A adoção de medidas adaptativas frente às tendências das mudanças climáticas é urgente.
O Centro-Oeste, cujos dados do último censo mostram um dinamismo demográfico e econômico sem paralelo, é a região que merece mais atenção no sentido de prevenir desastres maiores. Ou seja, deve-se buscar a sustentabilidade neste processo de desenvolvimento e evitar os mesmos erros cometidos pelas outras regiões que já estão em situação crítica.
No Sul e Sudeste, regiões densamente ocupadas, precisam trabalhar na revisão de seus modelos de desenvolvimento e ocupação urbana e trabalhar na prevenção para aqueles trechos ainda em processo de crescimento.
Gestão das águas
Diante desta diversidade de problemas, de dinâmicas ambiental e econômica, assim como dos espaços territoriais – podemos encontrar bacias hidrográficas de pequeno porte e outras imensas –, torna-se difícil adotar um único modelo de gestão de águas, que seja adequado para cada uma destas regiões simultaneamente.
Cada um dos estados e a União adotaram, com pouca variação, um sistema de gestão bastante semelhante. Temos um modelo (sistêmico), temos princípios e diretrizes (democracia, descentralização, integração), temos a figura do Comitê de Bacia, que deve ser o espaço para o debate sobre a gestão da água, temos instrumentos de gestão que deveriam orientar a tomada de decisão.
Este modelo tem chance de sair do papel no Sul, no Sudeste e até em parte do Nordeste. Porém, se fizermos uma análise, seus resultados ainda não são facilmente mensuráveis em termos dos reflexos na qualidade e na quantidade da água.
Os comitês devem tornar-se, de fato, o espaço de decisão, não só o local para debate, cuja decisão será tomada nos escalões mais altos do governo, como sempre foi feito. Os investimentos na elaboração de instrumentos de gestão devem ser refletidos em tomadas de decisão mais criteriosas, e não só para formalizar sua existência, e decisões continuarem a ser tomadas com base nos interesses de grupos específicos. Pensando nos desafios e avanços necessários, podemos enumerar os seguintes tópicos:
- O sistema de gestão das águas, com seus princípios, diretrizes, colegiados e instrumentos, não deve ser uma camisa de força, mas cada região deve adaptá-lo às suas características. É difícil imaginar um Comitê de Bacia do Amazonas, mas essa região precisa tornar-se protagonista de suas decisões e uma nova estratégia deve ser pensada.
- Os instrumentos de gestão, como Plano de Bacia, diagnósticos de situação ou conjuntura, devem ser desenvolvidos com participação ativa dos gestores (não basta contratar uma consultoria que entregue um estudo pronto) e devem orientar, de fato, as decisões de todos os setores relacionados à água.
- É fundamental uma maior aproximação e sensibilização dos municípios com relação à gestão da água, para que tornem harmoniosa a relação entre uso e ocupação do solo e água. Se o planejamento se dá no nível da bacia, a ação é local.
- A água não é um setor, ela perpassa tudo. Sendo assim, cada uma das políticas públicas do Brasil deve ter sua parcela de comprometimento com a qualidade e quantidade da água – saneamento, educação, saúde, habitação, transporte, economia, turismo. Radicalizar a transversalidade da água é uma boa meta.
IHU On-Line – Na entrevista de 2005 foi mencionado que apenas 48% da população dispõe de rede de coleta de esgoto e 25% de esgoto tratado. Por que o saneamento continua precário? O que dificulta a ampliação?
Gerôncio Rocha – Naquela entrevista, em 2005, o índice de coleta de esgotos, segundo o IBGE, era de 48%. Atualmente, está em torno de 54%, ou seja, o atendimento aumenta 1% ao ano. Historicamente, nos últimos 30 anos, a causa maior dos baixos índices de saneamento era a falta de recursos financeiros. Companhias de saneamento e entidades de classe do setor desenvolveram um discurso lamuriento que justificava até a inação frente ao problema.
Nos dois últimos anos, a conjuntura mudou para melhor em pelo menos três aspectos: a situação econômica do país melhorou e agora há recursos para investimento; há um plano nacional de saneamento junto com o plano nacional de recursos hídricos – ambos amplamente discutidos nas regiões – com prioridades e metas definidas por bacia hidrográfica; por fim, há um forte consenso de que as ações de saneamento terão de acontecer de forma integrada e colaborativa entre os três níveis de governo.
Agora, portanto, é hora de deixar para trás a lamúria e partir para as ações integradas de saneamento ambiental: água para todos; coleta e tratamento dos esgotos; coleta e tratamento adequado do lixo. As perspectivas são boas, mas falta uma convocação nacional da presidenta Dilma, sob a forma de uma meta-compromisso, para uma mobilização geral dos governos e da sociedade. Por exemplo, atingir em 10 anos a meta de 70% de coleta e tratamento de esgotos em todos os municípios brasileiros.
De agora em diante, não se admite coletar esgoto e lançá-lo na água; todo projeto deve incluir o tratamento. A propósito, em março de 2012 haverá o 6º Fórum Mundial da Água em Marselha. Seria uma ótima oportunidade de reforçar a delegação brasileira e anunciar a meta-compromisso.
IHU On-Line – Como é possível utilizar a água de maneira sustentável?
Gerôncio Rocha – Usando na medida certa, seja qual for o uso. Evitando a poluição. A quantidade da água é constante na Terra, o que pode ocorrer é a recuperação de sua qualidade, seja através de tratamento ou voltando à condição natural, correndo pelos rios, infiltrando no solo, recebendo oxigênio e se purificando naturalmente.
Sendo assim, cada um dos setores da sociedade tem sua lição de casa. Diante do percentual apontado com relação à agricultura, este setor deve ter maior responsabilidade. Destaca-se aí a necessidade da adoção de tecnologias de irrigação poupadoras de água e técnicas de manejo adequadas.
A água não pode ser encarada como insumo, separada de seu contexto ambiental. A gestão integrada de água superficial e subterrânea deve ultrapassar a teoria. Integrar água e natureza: eis uma abordagem sustentável.
IHU On-Line – Como o senhor vê a proposta do governo de investir na construção de novas hidrelétricas, em especial na região Amazônica? Utilizar recursos hídricos para produção de energia é prática sustentável?
Gerôncio Rocha – A construção de novas hidrelétricas na Amazônia será inevitável quando houver necessidade comprovada de expansão de energia, porque os projetos de energia alternativa têm resultado em longo prazo. O problema parece ser outro: o da falta de estratégia de uso conjunto dos recursos hídricos. Os projetos que estão em pauta foram todos concebidos pelo setor elétrico há 30 anos, de modo unilateral.
Hoje em dia, o aproveitamento dos rios da Amazônia deveria ser objeto de uma avaliação ambiental estratégica de cada bacia hidrográfica, analisando os usos conjugados – por exemplo, navegação e geração de energia –, na perspectiva do desenvolvimento regional. O que vem acontecendo é que, mesmo havendo maior abertura para discussão, os projetos ainda são unilaterais (do setor elétrico) e servem exclusivamente às necessidades energéticas da região sudeste e aos empreendimentos minero–metalúrgicos da Amazônia, de uso intensivo de energia. Pouco ou quase nada servem para o desenvolvimento da região.
Parece que a modernização da navegação dos rios da Amazônia é tanto ou mais importante que a construção de hidrelétricas. Por que o governo central não faz uma profunda discussão na própria região?
Quanto à sustentabilidade das hidrelétricas, há boas técnicas de construção de barragens a fio d’água, diminuindo a área de alagamento, que é um problema nas terras baixas da planície amazônica. Além disso, há os impedimentos de obras nas terras indígenas, que não podem ser invadidas.
IHU On-Line – Outro dado do relatório de conjuntura é de que a irrigação consome 69% da água. Como o senhor vê a utilização da água para a agricultura e pecuária, no caso brasileiro?
Gerôncio Rocha – A agricultura é o setor que mais consome água no país e, ao mesmo tempo, é o menos controlado. Em várias bacias hidrográficas já existem áreas críticas onde a demanda de água para irrigação afeta a disponibilidade para o abastecimento público. O que ocorre é que os métodos de irrigação mais utilizados são obsoletos. Irrigação por aspersão em áreas extensas ou irrigação em sulcos consome muita água. As técnicas modernas utilizam o gotejamento da água nas raízes da planta, com economia de água. Há vários anos, Israel utiliza largamente essa técnica, mas no Brasil ela ainda é pouco praticada. Os técnicos do setor têm propostas: primeiro, a substituição de equipamentos – o governo deveria garantir financiamento ao produtor, inclusive sem retorno, para a troca de equipamento de irrigação; segundo, fortalecer a Embrapa para que ela desenvolva amplo programa de extensão rural, disseminando as técnicas mais adequadas. Trata-se de um programa de interesse nacional, de uso equilibrado da água. (EcoDebate)

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