segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Muvuca planetária

Muvuca planetária: Em outubro, seremos 7 bilhões
RESUMO
Até outubro, a população mundial atingirá a marca de 7 bilhões de habitantes. O ritmo do crescimento, porém, já diminui e tende a se estabilizar perto de 2100. Aquecimento global, educação e controle de natalidade estão entre os fatores apontados por demógrafos para assegurar a qualidade de vida no planeta.
EM 1960, a população mundial era de 3 bilhões de pessoas. Em apenas 39 anos, dobrou, passando para 6 bilhões de habitantes em 1999. Foi um crescimento nunca antes visto. Em retrospecto, os intervalos em que a população dobrou ficaram cada vez mais curtos.
Foram 70 anos entre 1890 e 1960; 150 anos de 1740 a 1890; cinco séculos de 1240 a 1740; e mais de um milênio entre o ano 40 e 1240.
Quando apresenta esses números para seus alunos na Universidade de Michigan, nos EUA, o economista David Lam costuma provocá-los com a seguinte pergunta: quanto tempo levaremos para dobrar de tamanho mais uma vez e chegar a 12 bilhões? Serão 20, 40, 60, cem ou mais de cem anos?
A pergunta de Lam é capciosa. A resposta mais provável, baseada em recentes projeções da ONU, é nunca. O ritmo de crescimento vem diminuindo, e demógrafos já discutem quando atingiremos o ponto de inflexão, quando a população começará a encolher.
Até outubro deste ano, provavelmente em alguma cidade indiana ou chinesa, nascerá o bebê que fará a população atingir a marca de 7 bilhões de habitantes. A ONU estima que seremos 10 bilhões até o fim do século, quando, finalmente, a população vai começar a diminuir.
Projeções, é claro, são feitas com base em hipóteses sobre o comportamento futuro da fecundidade e mortalidade que podem se confirmar ou não. Mas consideram também padrões verificados no passado e movimentos já em curso que lhes dão base científica.
Mesmo que o ritmo esteja diminuindo e que seja improvável que a população volte a dobrar, a previsão de que vai ser preciso abrir espaço para mais 3 bilhões de pessoas reaviva temores sobre o futuro. O problema não é espaço físico. Agrupados ombro a ombro, os atuais 7 bilhões de habitantes do planeta caberiam na área da cidade de São Paulo.
A questão que sempre afligiu a humanidade, pelo menos desde que o reverendo britânico Thomas Malthus (1766-1834) previu, em 1798, que a população cresceria a uma velocidade superior à dos recursos naturais- é se seremos capazes de alimentar tanta gente.
Olhando apenas para o passado, há razões para acreditar que sim. De Malthus a Paul Ehrlich -biólogo que, em 1968, previu uma bomba populacional que resultaria num quadro de fome em massa ao final do século passado-, as previsões catastrofistas não se confirmaram.
Os fatos mostraram que tinham razão os otimistas, e a produção de alimentos cresceu em ritmo superior ao da população.
David Lam, o economista da Universidade de Michigan, é presidente da Associação de População dos EUA. Em abril deste ano, o tema de seu discurso de abertura da convenção da entidade foi “Como o Mundo Sobreviveu à Bomba Populacional: Lições de 50 anos de uma Extraordinária História da Demografia”. Lam relembra que os debates sobre população na década de 60 foram bastante influenciados pelo livro “A Bomba Populacional”, de Ehrlich, professor da Universidade Stanford.
“Enquanto você estiver lendo estas palavras, quatro pessoas morrerão de fome”, dizia o subtítulo do best-seller na época. O livro preconizava abertamente métodos contraceptivos radicais, pois o crescimento deveria ser interrompido de imediato naquele ponto “por compulsão, caso métodos voluntários fracassem”, nas palavras do autor.
O pessimismo de Ehrlich não ficou sem resposta: deu origem a uma das mais famosas apostas no mundo acadêmico. O economista Julian Simon, da Universidade de Maryland, previu que, ao contrário, as condições de vida melhorariam no período, tendência com perspectiva de continuar indefinidamente.
Em 1980, Simon propôs um desafio ao seu colega de Stanford. Se a população de fato crescesse em ritmo muito superior aos recursos naturais, o esperado, de acordo com a teoria econômica, seria que o preço dos recursos minerais subisse, já que haveria escassez em decorrência da procura crescente. Eles escolheram cinco minerais -cobre, níquel, tungstênio, estanho e cromo- e, por dez anos, monitoraram o preço médio de cada um.
Em 1990, Ehrlich assinou um cheque de US$ 382 (R$ 617) e entregou a Simon, pois o preço médio dos cinco metais caíra 38,2%.
Segundo o Banco Mundial, a taxa de pobreza em países não desenvolvidos -justo os que mais contribuíram para o crescimento populacional no período- caiu de 70% para 47% entre 1980 e 2005.
Com a lamentável exceção da África subsaariana, a tendência de queda se verifica em todas as regiões, em especial na Ásia, sobretudo graças ao desenvolvimento econômico chinês e indiano.
A ONU estima que quase um bilhão de pessoas ainda passem fome, mas o problema não está na incapacidade de produzir comida em escala global para alimentar a população. Mesmo considerando um período em que a população mais do que dobrou, de 1960 a 2009, a produção mundial de alimento per capita cresceu 41%.
Como fomos capazes de melhorar as condições de vida ao mesmo tempo em que vivenciamos uma verdadeira explosão populacional? Para Lam, há três explicações principais: globalização, resposta dos mercados e inovação tecnológica. A globalização entra na lista por ter contribuído para uma maior eficiência na produção e distribuição de alimentos em escala global.
A resposta dos mercados é simples de entender. Se o preço da comida sobe, pressionado pela demanda crescente, agricultores respondem a esse estímulo produzindo mais, aumentando a oferta e diminuindo a pressão inflacionária. A capacidade dos agricultores de responder ao mercado, no entanto, esteve também relacionada com a inovação tecnológica.
Ao mesmo tempo em que a população dobrava, na segunda metade do século passado, ocorria a Revolução Verde. Foi em 1970, por exemplo, que o agrônomo Norman Bourlaug (1914-2009), considerado o pai dessa revolução, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por pesquisas que permitiram mais eficiência no plantio de trigo em países como México, Índia e Paquistão.
A crescente urbanização também contribui para aliviar a bomba populacional, por reduzir o ritmo de crescimento demográfico. Quanto maior foi a migração do campo para as cidades, mais rápido aconteceu a queda da fecundidade. E o mundo, na década passada, pela primeira vez se tornou mais urbano do que rural, com mais da metade da população habitando em cidades.
O passado, portanto, alimenta os otimistas. No entanto, projetar o futuro é uma equação mais complexa.
De um lado, questiona-se novamente até quando os mercados e a inovação tecnológica serão capazes de responder ao aumento da demanda provocado pelo crescimento populacional e econômico. Se a aposta entre Simon e Ehrlich fosse feita em 2000, a partir do preço dos alimentos, Ehrlich sairia vencedor, pois o índice de preços monitorado pelo Banco Mundial revela um aumento de 143% na década passada.
Os otimistas apostam que se trata de um movimento temporário. Eles ganharam munição quando, em janeiro deste ano, o Instituto de Engenheiros Mecânicos, com sede em Londres, divulgou o relatório “One Planet, Too Many People?” (um planeta, gente demais?).
O autor, Tim Fox, afirma que, com o devido investimento e usando tecnologias já disponíveis ou em fase final de desenvolvimento, é possível dar conta do aumento populacional, sobretudo se houver redução do desperdício e melhoria na logística de transporte da produção agrícola.
Há, no entanto, uma variável nova e mais complexa em debate nos círculos acadêmicos demográficos: o aquecimento global. José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), argumenta que o século 20 foi um período único, marcado pelo recorde histórico de crescimento tanto populacional quanto econômico.
Mas o fato de ter acontecido no passado, argumenta ele, não é garantia de que isso se repetirá no futuro.
“O grande combustível do desenvolvimento nos últimos cem anos foi o petróleo. Foi uma fonte de energia fantástica, mas que poluiu o ar e a atmosfera. O resultado é o aquecimento global, e o custo do sucesso do século 20 está sendo cobrado agora”, diz Alves.
De novo, a inovação tecnológica terá papel fundamental para garantir que o padrão de vida continue melhorando, mesmo com crescimento populacional.
Um relatório do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas divulgado em fevereiro deste ano apresenta uma estimativa do custo anual dos investimentos para fazer uma transição da economia marrom -baseada em fontes energéticas não renováveis- para a verde: US$ 1,3 trilhão (R$ 2,1 trilhões) por ano, ou 2% do PIB mundial.
“É sem dúvida muito dinheiro, mas é menos do que é destinado hoje a gastos militares”, afirma Alves. O mundo gasta em torno de US$ 1,6 trilhão (R$ 2,58 trilhões) para se preparar para a guerra.
No caso do aquecimento global, no entanto, o tamanho da população não pode ser levado em conta apenas em números absolutos. O impacto de cada habitante no problema, ou sua pegada ambiental, varia de acordo com o nível socioeconômico e a nacionalidade. Os EUA, cuja taxa de fecundidade já está em nível de reposição populacional (no qual a população ficaria estável, sem contar efeitos de imigração), representam 5% da população mundial, mas consomem 25% da energia do planeta.
A questão é que o modelo de desenvolvimento econômico que permitiu que a população crescesse e melhorasse suas condições de vida no século passado continua a gerar dividendos. Especialmente na Ásia, mas também na América Latina, milhões de pessoas saem da pobreza e formam uma nova classe média com aspirações de consumo iguais às de americanos ou europeus, o que tende a aumentar ainda mais o aquecimento global caso o modelo de desenvolvimento econômico permaneça o mesmo.
George Martine, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, concorda que os debates sobre planejamento familiar e o tamanho ideal da população não podem ser ignorados nas discussões sobre aquecimento global. O perigo, afirma ele, é transformar isso numa panaceia, ou pôr a culpa na população e desviar o foco do modelo de desenvolvimento baseado nos atuais padrões de consumo.
Para Martine, com ou sem crescimento populacional, o mundo já está hoje no limiar de uma grande ameaça climática, e a margem de manobra para mudar esse quadro rapidamente via redução da fecundidade é mínima. “Planejamento familiar não tem efeito retroativo. Cerca de 80% do crescimento populacional projetado é inercial. Mesmo que a taxa de fecundidade caia abruptamente em todos os países, a população continuará crescendo por um bom tempo, e temos que discutir como nos adaptar a essa nova realidade”, diz.
O Brasil é um bom exemplo para explicar esse efeito inercial do crescimento demográfico. Segundo o IBGE, o país já chegou, ao final da década passada, a uma taxa de fecundidade de 1,9, abaixo do nível de 2,1 filhos por mulher, considerado de mera reposição populacional.
As projeções, porém, indicam que a população só deverá começar a diminuir a partir de 2040. Mesmo tendo, em média, menos filhos, há uma proporção grande de mulheres em idade fértil. Além disso, com o aumento da expectativa de vida, os brasileiros vivem por mais tempo.
O desafio para muitos demógrafos que rejeitam o rótulo de neomalthusianos é como tratar hoje a questão populacional sem recorrer a preconceitos ou simplificações. Malthus, convém lembrar, era contra políticas públicas de ajuda à população pobre por considerar que incentivaria seu crescimento.
Ehrlich, o mais famoso dos neomalthusianos do século 20, defendia métodos compulsórios de contracepção -rechaçados desde 1994 pela ONU, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo.
Ao menos nos círculos acadêmicos de maior prestígio, é raro encontrar quem ainda defenda ideias como essas. Mas isso não significa que o tamanho da população seja uma variável desprezível.
Em artigo publicado neste ano na revista “Conscience” (editada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir), Laurie Mazur, organizadora do livro “A Pivotal Moment: Population, Justice and the Environmental Challenge” (momento crucial: população, justiça e o desafio ambiental), faz uma crítica aos que rejeitam qualquer debate sobre o tamanho da população.
Entre esses, diz ela, estão grupos “surpreendentemente diversos” como uma parcela das feministas, marxistas, liberais e religiosos conservadores. Por entenderem o debate como uma ameaça aos direitos das mulheres, uma manifestação do imperialismo, uma interferência indevida do Estado em temas privados ou por dogmas religiosos, muitos afirmam que o crescimento populacional é, nas palavras da autora, um “não assunto”.
Em 2009, o relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas defendeu a ampliação do acesso à educação e a métodos contraceptivos como uma das estratégias, a longo prazo, para lidar com o aquecimento global.
O autor do documento, Robert Engelman, argumentou que a relação entre o tamanho da população e o meio ambiente, em vez de ressuscitar teses ultrapassadas de controle compulsório da natalidade, poderia ser uma oportunidade para avançar na garantia dos direitos reprodutivos das mulheres.
Em favelas cariocas, subúrbios europeus, tribos africanas ou megalópoles asiáticas, há farta evidência empírica da alta correlação entre maior escolaridade e menor número de filhos. Com educação e acesso a métodos voluntários e seguros de controle da natalidade, cai o número de gravidezes não planejadas.
Quando fazem suas projeções populacionais, demógrafos levam em conta um comportamento verificado em quase todas as sociedades que iniciaram sua transição demográfica. Quando cai a mortalidade infantil e o acesso à escolaridade aumenta, mulheres tendem a ter menos filhos, especialmente quando lhes são dados meios para que planejem melhor o momento em que querem ficar grávidas.
Foi assim no Brasil cristão-onde o aborto em condições ilegais e insalubres explica em parte a impressionante velocidade de queda-, no Irã islâmico ou em países asiáticos que, diferentemente da China, nunca optaram pelo controle compulsório da natalidade. É, como diz David Lam, uma troca entre quantidade e qualidade: com menos filhos, é possível investir mais por criança.
Ao estimar que seremos, no final do século, 10 bilhões de habitantes, a ONU trabalha com uma variante média, considerada a mais realista. No entanto, a entidade faz também um cálculo levando em conta uma redução mais rápida da fecundidade, e outro, projetando uma queda mais lenta.
Na variante baixa -de queda mais rápida-, chegaríamos a 2100 com 6,2 bilhões de habitantes, menos do que somos hoje. Na variante alta, o número atinge os 15,8 bilhões. Ter 9,6 bilhões de pessoas a mais ou a menos no mundo, definitivamente, não é um detalhe.
“O problema não é espaço físico. Agrupados ombro a ombro, os atuais 7 bilhões de habitantes do planeta caberiam na área da cidade de São Paulo”
“Com a lamentável exceção da África subsaariana, a tendência de queda no crescimento populacional se verifica em todas as regiões, em especial na Ásia”
“Há uma variável nova e mais complexa: o aquecimento global. A inovação tecnológica terá papel fundamental para garantir que o padrão de vida continue melhorando”
“Em favelas cariocas, subúrbios europeus, tribos africanas ou megalópoles asiáticas, há evidência empírica de alta correlação entre maior escolaridade e menor número de filhos” (EcoDebate)

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