O livro de Gabriel
García Márquez retrata fielmente os preparativos para a Conferência da ONU
sobre Desenvolvimento Sustentável a ser realizada em junho no Rio de Janeiro.
Conspiram para o fracasso diversas características que a tornam singular, em
especial o seu desenho, processo preparatório e resultados esperados.
Em nítido contraste
com a Rio-92, a Rio+20 não foi concebida como uma Reunião de Cúpula, mas apenas
como uma “conferência de revisão”. Se a Resolução 44/228 da ONU que convocou a
Rio-92 definia resultados específicos para a negociação prévia e levou a
decisões cruciais como as convenções sobre clima e diversidade biológica, a
Resolução 64/236 indica timidamente que os objetivos da Rio+20 são os de
garantir um renovado compromisso político em relação ao desenvolvimento
sustentável, avaliar o progresso alcançado e identificar novos desafios. Em
suma, os mesmos objetivos da Rio+10 em 2002, e cujos resultados foram
rapidamente esquecidos no lixo da história ambiental.
Por outro lado, o
processo preparatório chega a ser exasperante de tão medíocre. Um dos
coordenadores da Rio+20 expressou isso graficamente ao apontar para um
diplomata dormindo: “Viu? Essa é a negociação, muito lenta e frustrante.” Até
mesmo um funcionário do governo brasileiro reconheceu que “se esperava muito
mais desses documentos” e questões como “o clima e a biodiversidade foram
deixadas de fora da conferência”. De acordo ainda com o comunicado “Excluindo
os Nossos Direitos, Colocando sob Colchetes o Nosso Futuro”, grupos expressivos
da sociedade civil indicam que a Rio+20 está fadada “a adicionar quase nada aos
esforços globais para garantir um desenvolvimento sustentável”, advertindo que
“muitos governos estão usando as negociações para minar os direitos humanos e a
luta por mais equidade, bem como princípios já acordados como “poluidor-pagador”,
“responsabilidades comuns mas diferenciadas” e o princípio da precaução”.
É revelador também
que ainda não tenha surgido um líder mundial com uma visão estratégica de
futuro, um vazio que deixa sem rumo e sem conteúdo o processo “negociador” e a
própria conferência. O governo brasileiro, de quem se esperava ousadia e
liderança coerentes com a sua trajetória em temas ambientais, tem-se mostrado
extremamente cauteloso, pouco criativo e conservador. O papel privilegiado como
anfitrião da Conferência tem sido pautado por um perfil tão baixo que beira a
omissão e deve fazer corar de vergonha os brasileiros que, no passado,
literalmente “viraram a mesa” antes, em Founex, e durante a Estocolmo-72,
contribuindo para o estabelecimento de princípios fundamentais como os
mencionados acima.
Finalmente, o
resultado mais importante da Rio+20, a declaração política “O Futuro que
Queremos” só tem produzido um consenso, o de que pouco se pode esperar do Zero
Draft ainda em discussão. Quando o texto se refere, por exemplo, ao “direito de
todos a ter acesso a alimentos seguros, suficientes e nutritivos”, sugere-se
que seja substituído pelo ambíguo “aumento da produtividade agrícola”.
Consensos arduamente conquistados em conferências anteriores são submetidos ao
ataque das grandes potências, tais como o direito à água segura e limpa e ao
saneamento, as necessidades e direitos especiais de mulheres e povos indígenas
e a necessária regulação dos mercados financeiros e de commodities. Todas as
referências a esses temas são suprimidas e substituídas por declarações sem
consequência como as de “promover a eficiência” ou “aperfeiçoar o acesso”.
Todas essas falhas de
desenho, processo e resultados, que conduzem à “morte anunciada”, indicam que a
Rio+20 não irá produzir compromissos concretos para realizar o desenvolvimento
sustentável, nem metas específicas e sequer mecanismos para medir o avanço no
sentido do “futuro que queremos”. Com resumiu um grupo de peritos do Conselho
de Direitos Humanos da ONU, “existe um risco real de que os compromissos
assumidos no Rio permaneçam promessas vazias, sem um acompanhamento eficaz e
sem mecanismos de prestação de contas”. Reiteram-se os alertas de que os
sistemas de suporte à vida no planeta estão sendo destruídos, da mesma forma como
a pobreza e a desigualdade ameaçam a coesão social e a paz. Em 1992, o então
presidente George W. Bush retorquiu: “O modo de vida americano não é
negociável; ponto.” Vinte anos mais tarde, os países que mais se beneficiam de
padrões insustentáveis de desenvolvimento e de consumo atuam sob a mesma lógica
perversa e reproduzem uma visão de futuro entrincheirados nos privilégios
conquistados no passado.
Cedo ou tarde, todos
iremos pagar o preço da irresponsabilidade social e ambiental. O
recrudescimento da violência e do terrorismo representa apenas a ponta visível
de um iceberg que ameaça pôr a pique um processo de globalização que produziu
avanços consideráveis em diversos âmbitos da vida social. As gerações futuras
não nos perdoarão por estarmos agindo como a orquestra do Titanic nos momentos
finais antes do naufrágio. A ciência ainda pode avançar, mas o mundo está
cansado de saber quais são os desafios mais urgentes, os atores responsáveis
por sua perpetuação e como superá-los.
Já não é hora de
perder tempo com conversa fiada regada a coquetéis e apresentações folclóricas.
É hora de agir. Agir antes que seja tarde demais. À diferença do astronauta Jim
Lovell da missão Apollo 13, os governos recusam-se a reconhecer que “Houston,
we’ve had a problem”, e pilotam felizes a espaçonave Terra para um desastre de
proporções. É provável que os livros de história apenas registrem mais uma
oportunidade perdida no que poderá, com justiça, ser classificada como a
Rio-20. (EcoDebate)
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