O tema “água” ganhou
relevância no debate sobre o Código Florestal em razão, principalmente, da
definição das larguras das faixas das áreas ripárias de preservação permanente,
também chamadas de APPs hídricas. O foco neste artigo é analisar o impacto das
áreas de preservação permanente (APPs) ao longo dos cursos d’água.
Há boa literatura
técnica nacional e internacional sobre a necessidade dessas faixas ao longo dos
rios e, de maneira geral, se entende que sua largura é determinada pelas
funções que exercem. Assim, se desejamos que a APP cumpra, por exemplo, a
função de proteção de encostas e taludes nas margens dos rios, a faixa mantida
deve ter de 5 a 8 metros. Se desejarmos também que preserve a biodiversidade e
o chamado fluxo gênico, essa largura pode variar para até mais de 100 metros.
Os valores e intervalos dessas faixas são determinados por fatores como clima,
tipo de solo, declividade do terreno, profundidade e largura do rio, vegetação
e outras, que podem variar significativamente numa mesma bacia hidrográfica ou
num mesmo bioma.
Não há, portanto, a
priori, definição exata da largura de uma dada APP de um determinado rio, mas
há uma recomendação, em geral aceita, com base em diversos critérios técnicos,
que estabelece que com 30 metros de cada lado do rio se cumpre a maioria das
funções requeridas da APP hídrica em todos os locais. Essa recomendação de 30
metros, na maioria das vezes, vai além do que seria requerido para a proteção
das margens, mas não é o limite superior para a preservação da biodiversidade,
que deve considerar, ainda, a manutenção de corredores ecológicos. Por outro
lado, a progressividade dessas faixas (30, 50, 100 metros ou mais), vinculada à
largura do rio, é uma convenção de natureza técnica, que procura, por meio das
APPs, atender a um conjunto de impactos positivos sobre a água, a diversidade biológica
e o meio ambiente. Essas questões estão presentes nas duas notas técnicas
emitidas pela Agência Nacional de Águas (ANA) como contribuição ao debate sobre
o Código Florestal, sendo a primeira de junho de 2010.
Entendemos que a
Medida Provisória (MP) n.º 571/2012 avançou ao restabelecer aspectos relevantes
para a conservação, a qualidade e a produção da água, como a proteção de
várzeas, de topos de morros, de olhos d’água e de manguezais. Mesmo a
redefinição das exigências de recomposição das larguras mínimas das APPs
hídricas merece apoio, por introduzir critérios para as chamadas pequenas
propriedades sem deixar de fixar, no mínimo, as condições para a proteção das
encostas e dos cursos d’água, o que é defensável.
No que se refere à
água, nosso entendimento é que o mérito principal da MP foi ter restabelecido,
para a maior parte do território nacional, as condições legais mais favoráveis
para a segurança dos recursos hídricos. Lembramos que não houve alteração das
regras gerais das APPs hídricas, mas somente – mesmo sendo um dos pontos mais
polêmicos – da definição do tratamento que será dispensado aos processos de
regularização, ou seja, locais onde hoje a APP está ocupada com atividades e,
portanto, sem a vegetação protetora.
Um dos estudos
recentes mais conhecidos sobre o uso do solo (Gerd Sparovek, USP) recomenda que
a legislação e as políticas públicas destinadas à proteção e recuperação
ambiental e hídrica devem dar prioridade às áreas hoje ocupadas com pastagens
e, nelas, as grandes propriedades, por causa do impacto proporcional sobre o
total do território.
Os dados sobre a
estrutura fundiária, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, apontam que há
no Brasil cerca de 5,5 milhões de imóveis rurais, ocupando uma área total de
cerca de 600 milhões de hectares (ha). Apenas 4% dessas propriedades têm mais
de dez módulos fiscais, mas ocupam quase 65% da área total. A MP 571/2012
estabelece que essas propriedades devem manter APP mínima de 30 metros para
todos os cursos d’água, incluindo aqueles com menos de 10 metros de largura.
Os imóveis rurais
entre quatro e dez módulos fiscais representam cerca de 6% do total de
propriedades e13% da área total. Neles a recuperação deverá ser também da faixa
mínima de 30 metros, exceto para cursos d’água com menos de 10 metros de
largura, que deverão recuperar, no mínimo, 20 metros de cada lado. É certo que
a medida de 20 metros é menor que 30, mas é certo também que 20 metros cumprem
em boa proporção as funções gerais requeridas para as APPs.
Se somarmos agora a parcela
entre os cerca de 600 milhões de ha (estrutura fundiária) e os mais de 850
milhões de ha de todo o território, onde vale também a faixa mínima de 30
metros, chegamos a um total que não será inferior a 84% dos rios do País com a
proteção mínima de praticamente 30 metros. Em nenhum lugar do planeta isso pode
ser classificado como retrocesso, muito menos como prejudicial aos recursos
hídricos, ainda mais porque sabemos que o principal problema ambiental dos
nossos rios não vem das áreas rurais, mas sim da ausência de tratamento de
esgotos das cidades brasileiras, onde vivem hoje 85% da população.
Como informação
adicional, há cerca de 4,7 milhões de imóveis rurais com até quatro módulos
fiscais, o que representa mais de 90% do total de propriedades, ocupando 24% da
área fundiária (ou cerca 16% do território). Nesse conjunto, a APP hídrica será
de 5 metros (até um módulo fiscal, 74% das propriedades, 5,6% da área total), 8
metros (de um a dois módulos fiscais, 16% dos imóveis e 5% da área) e 15 metros
(de dois a quatro módulos fiscais, 9% dos imóveis e 5,7% da área).
Esses números ensejam
que o assunto deve ser analisado de forma objetiva. A flexibilização de regras
para a pequena propriedade atinge, por seu lado, a pequena parcela da área
ocupada por esse segmento em comparação com a totalidade dos imóveis rurais,
produzindo-se, ao mesmo tempo, regras consagradas de proteção hídrica na maior
parcela do território. (EcoDebate)
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