Cientistas querem associar fabricação de bioplásticos à
cadeia produtiva do etanol
Em workshop na
FAPESP, pesquisadores procuram interação com a indústria a fim de viabilizar
nova alternativa para uso do bagaço de cana: a fabricação de um plástico
biodegradável produzido por bactérias a partir de matéria orgânica.
Com a expressiva
produção brasileira de etanol, torna-se cada vez mais importante desenvolver
novas alternativas de utilização para os subprodutos e resíduos da
cana-de-açúcar. Uma das possibilidades consiste em associar à cadeia produtiva
do etanol a fabricação de polihidroxialcanoato (PHA), um plástico biodegradável
que pode ser produzido por bactérias a partir do bagaço da planta.
Esse foi um dos temas
discutidos nesta quarta-feira (25/07), primeiro dia do workshop “Produção
Sustentável de Biopolímeros e Outros Produtos de Base Biológica” (Sustainable
Production of Biopolymers and Other Biobased Products), realizado na sede da
FAPESP. O objetivo do evento de dois dias é reunir a comunidade acadêmica e
empresarial para discutir o desenvolvimento de produtos de base biológica no
contexto do uso de recursos não renováveis pela sociedade.
O workshop faz parte
das atividades do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) e tem apoio
do Programa Ibero-Americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento
(CYTED), iniciativa intergovernamental de cooperação entre 19 países da América
Latina, Espanha e Portugal e do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (ICB-USP).
De acordo com a
organizadora do evento, Luiziana Ferreira da Silva, professora do ICB-USP, o
Brasil acumula 20 anos de pesquisas sobre o PHA, com bons resultados e uma
série de patentes. Uma tecnologia desenvolvida pelo ICB-USP, pelo Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT) e pela antiga Cooperativa dos Produtores de Cana,
Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar) já foi transferida para uma
empresa em São Paulo.
Segundo Silva, o PHA
é um material sintetizado por certas bactérias a partir de material orgânico.
Uma vez extraído das bactérias, gera um polímero que pode ser moldado da mesma
forma que os plásticos de origem petroquímica, com a vantagem de ser
biodegradável.
“Isso permite que se
obtenha material com propriedades plásticas ou elastoméricas usando uma
bactéria e um material renovável pela agricultura, como a cana-de-açúcar, a
soja, ou resíduos. Por ser um plástico biodegradável feito a partir de
matéria-prima renovável, o produto adquire interesse ambiental na totalidade de
sua produção e aplicação”, disse Silva à Agência FAPESP.
Além de serem materiais
biodegradáveis, os bioplásticos PHA podem também ser biocompatíveis, isto é,
podem ser aplicados sem rejeição no organismo de pessoas e animais. “É uma
alternativa interessante para os plásticos de origem petroquímica. Para ter uma
ideia da gama de aplicações, basta olhar à nossa volta e contar o número de
objetos de plástico que nos cerca”, disse Silva.
O PHA pode ser
utilizado para fabricação de filmes plásticos biodegradáveis, por exemplo. “Um
grande volume de absorventes e fraldas são revestidos por filmes plásticos. O
descarte desses materiais é um problema ambiental grave. Se tivermos um
polímero biodegradável que possa substituir o filme utilizado neles, estaremos
contribuindo para manter a qualidade do meio ambiente”, explicou Silva.
Outro exemplo de
aplicação é a fabricação de microcápsulas biocompatíveis contendo medicamentos,
ou hormônios, ou a produção de implantes para liberação controlada de fármacos.
“Os PHA podem ser usados também para fazer pinos ortopédicos que são degradados
pelo nosso organismo e não precisam ser retirados depois da recuperação da
lesão”, afirmou.
Embora o BIOEN tenha
foco em biocombustíveis, os estudos sobre PHA e outros biopolímeros e produtos
de base biológica se encaixam na vertente do programa voltada para “Biorrefinarias
e Alcoolquímica”.
“O bagaço da cana-de
açúcar pode ser usado para produzir energia a partir da combustão, ou para
produzir o chamado etanol celulósico. Mas esse etanol não é produzido pela
mesma levedura que produz o etanol de primeira geração”, disse Silva.
Quando o bagaço é
“quebrado”, há uma mistura de açúcares. A levedura que usa a glicose para fazer
etanol não usa a xilose. Ainda que o bagaço seja quebrado e inserido na
fermentação, para que a levedura produza o etanol ela utilizará só a glicose,
mas não a xilose.
“No BIOEN, vários
pesquisadores estudam como fazer para que a levedura que produz etanol utilize
também a xilose, aproveitando o bagaço. No entanto, outros produtos de base
biológica podem ser produzidos a partir da xilose”, disse Silva.
Com a produção de
PHA, os cientistas querem oferecer uma alternativa para o uso do bagaço. “Se
ninguém conseguir que a levedura use a xilose para fazer etanol, teremos
alternativas, como fazer bioplásticos. Nossa ideia é que seria possível
implantar biorrefinarias, que seriam usinas de álcool associadas a pequenas
empresas que produzam bioplástico, ou outro produto que use a xilose”,
destacou.
Interação com
empresas
De acordo com a
professora do ICB-USP, da perspectiva da pesquisa científica, para chegar nesse
estágio, será preciso continuar estudando, por exemplo, a modificação de
bactérias para que elas produzam diferentes tipos de bioplásticos. Mas, além do
ponto de vista estritamente científico, para que se chegue a um processo
sustentável será preciso agregar profissionais de outras áreas e aprofundar a
interação com o setor industrial.
“Um dos gargalos
consiste em controlar a composição dos bioplásticos. Mas não podemos trabalhar
apenas na bancada do laboratório, sem contato com o setor produtivo. Por isso
trouxemos empresas para o workshop. Para que os processos sejam aplicáveis em
larga escala, temos que interagir com elas e levantar problemas como a questão
de biossegurança, das propriedades do plástico e da sustentabilidade”, disse
Silva.
“Precisamos nos
associar às empresas para entender quais são suas demandas e trabalhar em
conjunto. Não é da nossa competência fazer análise econômica, ampliação de
escala, análise do mercado, por exemplo,” disse.
Ao mesmo tempo em que
buscam ampliar a interação com as empresas, os cientistas procuram usar todas
as ferramentas disponíveis para desenvolver bons microrganismos produtores de
polímeros. Segundo Silva, os estudos incluem o silamento de novos
microrganismos, a produção de novos mutantes, a realização de metagenômica, de
engenharia metabólica e de engenharia sintética, por exemplo.
“Temos que testar
tudo o que for possível para termos diferentes polímeros, com diferentes
composições, resultando em diferentes propriedades, que possibilitam amplas
aplicações. Estamos fazendo todos os esforços possíveis – científicos e
industriais – para atingir um nível de polímeros biodegradáveis alternativos e
sustentáveis”, afirmou. (EcoDebate)
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