A discussão sobre
população e desenvolvimento teve início no século XVIII, durante e após as
Revoluções Sociais da Inglaterra (Revolução Gloriosa de 1688-89), dos Estados
Unidos (Independência em 1776), da França (Revolução Francesa de 1789) e da
Revolução Industrial e Energética. O fato é que, pela primeira vez na história
da humanidade, abriu-se a possibilidade de um rápido crescimento dos fatores de
produção (capital e trabalho, para além das disponibilidades de terra
agricultável), junto a um processo que possibilitou o aumento continuado e de
longo prazo da renda nacional per capita (significando maior produção por
trabalhador).
Os iluministas do
século das luzes eram defensores da ideia de progresso e o desenvolvimento
econômico dos séculos XIX e XX foi a maneira em que se materializou o avanço
das forças produtivas. O “sucesso” de alguns países tornou o desenvolvimento um
ideal a ser atingido por todos os povos. O crescimento econômico passou a ser
considerado uma meta altamente desejável e um objetivo nacional inquestionável.
Mas as visões sobre o crescimento populacional jamais tiveram a mesma
unanimidade.
Ainda no século
XVIII, alguns autores, como Adam Smith, William Godwin, o Marquês de Condorcet
e David Ricardo viam o crescimento populacional como positivo para o
crescimento econômico, enquanto Thomas Malthus achava que o crescimento
populacional inviabilizaria qualquer ideia de desenvolvimento e crescimento da
renda per capita (Malthus não enxergava a possibilidade de redução da pobreza
no longo prazo).
Karl Marx também
acreditava no desenvolvimento e não se preocupava com o problema populacional,
pois defendia uma revolução nas relações sociais para que a população
revolucionária (o proletariado) liderasse o progresso das forças produtivas e a
melhoria da qualidade de vida das classes trabalhadoras. Este foi o caminho
tentado na prática por Vladimir Lenin na Rússia e que serviu de inspiração para
outras experiências socialistas. Lenin dizia que desenvolver é eletrificar e
construir uma indústria pesada. As experiências socialistas tiveram sucesso na
mudança das relações de produção, mas foram um fracasso na implementação de uma
nova base técnica mais amigável ao meio ambiente.
Os economistas Alfred
Marshall, John Maynard Keynes e Gunnar Myrdal, dentre outros, defendiam a ideia
de desenvolvimento capitalista com inclusão social e expansão das políticas
públicas, o que foi colocado em prática após a Segunda Guerra Mundial em partes
da Europa, no chamado Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).
Nos países
desenvolvidos e nos países socialistas o crescimento econômico e o aumento da
renda per capita (juntamente com o aumento da urbanização, da educação, das
condições de moradia, saúde, etc.) vieram acompanhados da transição
demográfica, que é o processo de redução das taxas brutas de mortalidade e
natalidade. Num primeiro momento, taxas de fecundidade próximas do nível de
reposição (2,1 filhos por mulher) fizeram desaparecer as preocupações com o
chamado “problema populacional” nos países desenvolvidos. A ideia era que o
desenvolvimento resolveria os desafios populacionais. Porém, a população
continuou sendo vista como um entrave nos países pobres, ou do Terceiro Mundo
(na denominação de Alfred Sauvy), também chamados de países subdesenvolvidos,
em desenvolvimento ou emergentes.
Os economistas e
demógrafos W.W. Rostow, Arthur Lewis, Edgar Hoover e Ansley Coale escreveram
sobre o processo de desenvolvimento no Terceiro Mundo e todos consideravam que
o rápido crescimento populacional poderia ser um entrave ao desenvolvimento, na
medida em que a alta carga de dependência demográfica das crianças e jovens
seria concorrente do processo de formação da poupança agregada, indispensável
para a elevação das taxas de investimento. Portanto, estes autores consideram
que o caminho para o desenvolvimento no Terceiro Mundo estaria na redução do
crescimento populacional e na manutenção de altas taxas de formação bruta de
capital fixo, necessárias para a decolagem (take off) do desenvolvimento e a geração de emprego produtivo,
com o consequente aumento da renda per capita.
Foi para resolver o
problema populacional que se difundiu as prescrições neomalthusianas.
Registra-se que, ao contrário de Malthus, os neomalthusianos propunham o freio
da população por meio da limitação da fecundidade e não do aumento da
mortalidade. Malthus achava que era impossível acabar com a pobreza. Os
neomalthusianos acreditavam que seria possível acabar com a pobreza e avançar
com o desenvolvimento econômico promovendo a transição da fecundidade.
Este debate, ganhou
destaque nas décadas de 1960 e 1970 e esteve no centro das discussões da
Conferência sobre População de Bucareste, em 1974. Os países ricos queriam
promover o controle da natalidade, enquanto os países pobres queriam
impulsionar o desenvolvimento. Venceram os segundos, com a seguinte palavra de
ordem: “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. Nota-se que, mais uma vez,
o desenvolvimento foi apresentado e assumido como a solução para os problemas
populacionais.
Todavia, as taxas de
fecundidade caíram para níveis muito baixos (lowest-low fertility) na maioria
dos países com alto nível de renda per capita, colocando em dúvidas a
capacidade de reposição das gerações e acirrando os prognósticos sombrios sobre
o envelhecimento da estrutura etária. Desta forma, por vias inversas, o
“problema populacional” volta à cena dos países desenvolvidos. Mas ao invés da
“explosão populacional” o desafio agora é a “implosão populacional”.
Por outro lado, a
ideia de desenvolvimento já começava a ser questionada de maneira mais forte no
início da década de 1970. O alerta foi dado pelo Clube de Roma e pelo relatório
“Os limites do Crescimento” de Dennis e Donella Meadows, do Massachusetts
Institute of Technology (MIT). Com a crise do petróleo nos anos 1970 e o
agravamento das condições ambientais no mundo, foi lançado o estudo “Nosso
Futuro Comum” (Our Common Future),
também conhecido como relatório Brundland, publicado pela ONU em 1987. É a
partir do relatório Brundland que se adota a clássica definição de
“Desenvolvimento sustentável”: “o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
O relatório aponta
para as seguintes medidas que devem ser tomadas pelos países para promover o
desenvolvimento sustentável: limitação do crescimento populacional; garantia de
recursos básicos; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; diminuição
do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes
energéticas renováveis; aumento da produção industrial nos países
não-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas;
atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia), etc.
De certa forma estas
medidas foram contempladas no documento da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Cúpula da Terra, ou Rio/92. Porém, duas décadas
adiante, durante a Rio + 20, diversos estudos mostraram que o “desenvolvimento
sustentável” não tem sido nada mais do que uma maquiagem verde que mantêm os
fundamentos da degradação ambiental. A chamada “Curva ambiental de Kuznets” tem
servido apenas como um instrumento ideológico que tenta justificar a
necessidade de aprofundamento do desenvolvimento econômico, pois a degradação
ambiental só aumenta com o crescimento econômico.
Na verdade, tem
avolumado o número de pessoas que consideram o desenvolvimento não como uma
solução, mas como um problema, pois existe uma alta correlação entre crescimento
econômico e destruição das fontes naturais da vida e da biodiversidade. Mesmo
quando se vinculam os aspectos humanos, social e qualidade de vida, o padrão de
produção e consumo continua tendo um impacto negativo sobre os recursos
ambientais. O problema não está apenas no desenvolvimento econômico e social,
mas também no chamado desenvolvimento sustentável.
É claro que um
desenvolvimento humano e “sustentável” é melhor do que o desenvolvimento
selvagem e insustentável. Porém, a ideia de desenvolvimento socialmente justo e
ambientalmente sustentável tem sido incapaz de resolver os graves problemas que
estão se acumulando no mundo, tais como o aquecimento global e a depleção dos
ecossistemas. O capitalismo não consegue ser ao mesmo tempo socialmente inclusivo,
justo e ambientalmente sustentável. Adicionalmente, a ideia de desenvolvimento
humano acaba por reforçar o viés antropocêntrico que coloca o bem-estar do homo sapiens acima do bem-estar dos
demais seres vivos e do Planeta.
Desta forma, cresce,
em todo o mundo, a percepção de que todo e qualquer tipo de desenvolvimento é
prejudicial ao meio ambiente, na medida em que é baseado no modelo de aumento
do consumo e da produção material. Por conta disto, alguns autores falam em
desenvolvimento sem crescimento, como Tim Jackson no livro: “Prosperity without growth? The transition to
a sustainable economy”, enquanto outros falam em Decrescimento, como
Serge Latouche no livro “Pequeno tratado do decrescimento sereno” (Martins
Fontes, 2009). A expressão “desenvolvimento sustentável” passou a ser vista
como um oximoro. O mesmo acontece com o conceito de “economia verde” que também
é visto como uma contradição em termos.
O certo é que as
formulações envolvendo o crescimento econômico, o desenvolvimento social e a dinâmica
populacional não estão livres de críticas. O desenvolvimento é um processo
complexo, com diversos efeitos indesejáveis, não estando, portanto, livre e
acima das considerações minuciosas e da repreensão explícita. A única certeza
atual é que os conceitos de população e desenvolvimento precisam ser mais
debatidos e problematizados, especialmente quando se leva em conta o paradigma
ecocêntrico. (EcoDebate)
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