O consumismo e a geração de resíduos sólidos urbanos no
Brasil
Resumo
Utilizando
pesquisa bibliográfica e documental, este artigo investiga uma das
características culturais predominantes nas sociedades contemporâneas, a busca
da satisfação através do consumo exagerado de bens, associada às consequências
ambientais pela ampliação na geração de resíduos sólidos urbanos. Contextualiza
a situação atual e os instrumentos de políticas aplicáveis à minimização na
geração desses resíduos no Brasil. Conclui que a combinação de instrumentos de
comando e controle, econômicos e de comunicação permite melhorias, desde que a
gestão de resíduos urbanos seja percebida de forma sistêmica e holística.
Introdução
A população do
planeta vem aumentando a passos largos, haja vista que ultrapassamos a marca
dos sete bilhões, num crescimento de dois bilhões em apenas 25 anos. Um maior
contingente populacional e a concentração em áreas urbanas resultam em
ampliação na utilização dos serviços ecossistêmicos, cuja depleção ocorre tanto
pela utilização para a produção e consumo, como pelos danos decorrentes do retorno
dos resíduos à natureza, após sua utilização pelo homem.
Aspectos
econômicos e culturais se associam à questão demográfica para acelerar o ritmo
da deterioração dos recursos ambientais. A quantidade de resíduos sólidos
produzidos pelas populações guarda relação não só com o nível de riqueza,
refletido na capacidade econômica para consumir, mas também com os valores e
hábitos de vida, determinantes do grau de disposição para a realização do
consumo. É ilustrativa a comparação da cultura americana e japonesa: enquanto
os primeiros geram cerca de dois quilogramas de resíduos sólidos urbanos (RSU)
por habitante ao dia, os japoneses, também de elevado poder aquisitivo,
apresentam comportamentos que resultam numa geração significativamente menor,
pouco superior a um quilograma. Os brasileiros, apesar de possuírem renda per capita significativamente menor,
ficam próximos aos níveis japoneses (ABRELPE, 2008). Essa simples comparação
sinaliza para o alinhamento cultural do Brasil com os maiores níveis de geração
de resíduos, quando ponderada a capacidade financeira da sociedade para tal.
No Brasil, como
em outros países em desenvolvimento, outros malefícios somam-se à questão
ambiental, ocasionados por deficiências na gestão dos resíduos sólidos urbanos
(GRU), como as doenças decorrentes da proliferação de vetores causadores de
doenças e a emissão desnecessária de gases de efeito estufa, agravadores do
aquecimento global.
Através de
pesquisa bibliográfica e documental, este estudo busca compreender as causas do
comportamento de consumo vigente e as formas de atuação na direção da
minimização na geração de RSU. Para tanto, além desta introdução e das
considerações finais, o artigo está estruturado em duas seções: a primeira
procura contextualizar o consumismo numa abordagem transdisciplinar e a segunda
discute instrumentos de políticas que visem atenuar as conseqüências do consumo
exagerado no tocante à geração de RSU, com ênfase no caso brasileiro.
Do consumismo
capitalista ao consumo sustentável
O consumo apresenta-se
como um objeto de estudo relativamente novo nas ciências sociais, mas de
importância crescente pela significação que carrega nos tempos atuais, onde
exerce um papel central na vida das pessoas, influenciando suas maneiras de
pensar, agir e sentir. É característica da sociedade atual a criação de
“necessidades” pela forte atuação de interesses particulares no estímulo dos
indivíduos às práticas de consumo. As pessoas acabam por dispender recursos
financeiros, muitas vezes onerosos, para comprar as “vantagens” apregoadas pela
mídia. Os atos de consumir e descartar ocorrem rápida e sucessivamente, pois
sempre há algo mais novo, cuja posse, espera-se, finalmente trará a derradeira
felicidade e bem-estar prometidos pela propaganda (KREMER, 2007).
As origens da
sociedade focada no consumo, em contraposição às tradicionais, voltadas para o
trabalho e à produção, remontam movimentos comerciais ocorridos na Europa a
partir do século XV que estimularam a revolução industrial, iniciada em meados
do século XVIII. A revolução industrial trouxe consigo o fortalecimento da
acumulação de riqueza como um valor fundamental, apoiado na ética protestante,
que propiciou a aceitação do modelo.
Brewer (2005 apud
KREMER, 2007) percebe a concretização e disseminação da sociedade de consumo em
três momentos ao longo do século XX: o primeiro na Europa e Estados Unidos
entre 1950 e 1974, onde o crescimento econômico trouxe abundância material e
permitiu a ampliação nos tempos destinados ao lazer, utilizados para a
aquisição de bens; o segundo, com início no final da década de 1960 e apogeu no
início da década de 1980, teve as políticas neoliberais buscando a proteção das
escolhas individuais ante as críticas relativas ao consumismo; o terceiro, a
partir da década de 1990, pela globalização do capitalismo e seus efeitos. O
fenômeno da globalização provocou uma intensa relação intercultural entre os
países, alterando as culturas nativas. Apesar da cultura do consumo estar
intimamente ligada ao ocidente e ao capitalismo, foi objeto de incentivo na
antiga URSS durante o governo de Stalin, estando presente em regimes ditatoriais
como na China contemporânea.
Paradoxalmente,
ao tempo em que os meios de comunicação estimulam o consumismo, existe no seio
da sociedade uma moral que condena esses atos, levando o consumidor a enfrentar
um sentimento de culpa ao dar vazão aos seus desejos de consumo. Autores como
Campbell (2001) acreditam que esse sentimento inibidor do consumo refletiu-se
na produção acadêmica, levando-a a enfatizar nos estudos o lado da produção na
economia e negligenciar a pesquisa científica relativa ao consumo. Porém, sob o
ponto de vista ambiental, percebeu-se o deslocamento do eixo da discussão,
tradicionalmente voltada à ótica da produção decorrente do modelo econômico capitalista,
para os padrões de consumo e seus impactos (PORTILHO, 2003).
Nas ciências
econômicas a percepção do consumo e suas consequências ambientais apresentou
momentos distintos. De um papel de destaque nos primórdios do pensamento
econômico, pela valorização dos recursos naturais como fator de produção e na
preocupação com sua escassez em face do crescimento populacional, perdeu
importância ao longo do século XX, na evolução do mainstream, a teoria neoclássica, pela predominância da
concepção dos recursos naturais como abundantes e gratuitos, facilmente substituíveis
pelo progresso técnico.
A partir dos
debates sobre os limites do crescimento, ocorridos nos anos 1970, o capital
natural foi gradualmente resgatado pela teoria neoclássica, através de ramos
neoclássicos como a “economia dos recursos naturais” e “economia ambiental”
(ENRÍQUEZ, 2010 e THOMAS; CALLAN, 2010). Mais recente, a “economia ecológica”
trabalha os mesmos temas, porém com uma visão ecossistêmica e
interdisciplinar(ROMEIRO, 2010). Na teoria neoclássica o estudo das escolhas de
consumo dos indivíduos está no escopo da “teoria do consumidor”. Outra escola
econômica, a “institucionalista”, amplia o espectro da análise, buscando a
explicação para o comportamento dos indivíduos e sua evolução no ambiente
institucional a que estão inseridos (FELDMANN, 2008). Os pressupostos da
“teoria do consumidor” também foram ampliados pela “psicologia econômica”, na
incorporação de aspectos subjetivos, emocionais e cognitivos (AZEVEDO, 2009).
Principalmente a
partir da década de 1970, as discussões no âmbito das ciências econômicas
acompanharam o debate mundial sobre a responsabilização dos estilos de vida e
práticas de consumo para os problemas ambientais globais, que culminaram com a
conferência Rio92 e seus documentos, a Agenda 21, Declaração do Rio e Tratado
das Organizações Não Governamentais (ONG). A Declaração do Milênio, firmada por
chefes de Estado durante a Cúpula do Milênio – ano 2000 – estabeleceu metas de
referência para a proteção dos recursos naturais, que passaram a referenciar
planos de ação nacionais e internacionais como o apresentado na Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo no ano de 2001,
voltado à América Latina e Caribe.
A preocupação com
as consequências dos estilos de vida, somada ao ambientalismo público surgido
na década de 1970 e à ambientalização do setor empresarial, ocorrida na década
de 1980, formaram a base para o surgimento do “consumo verde”, onde o
consumidor passou a considerar a variável ambiental nos atos de consumo, como
forma de influir sobre as matrizes energéticas e tecnológicas do sistema de
produção. Enfatizou a reciclagem, o uso de tecnologias limpas, a redução do
desperdício e o incremento de um mercado verde. Aspectos como a redução do
consumo, a descartabilidade e obsolescência programada, além da desigualdade no
acesso aos bens materiais, foram paulatinamente incorporados ao debate,
moldando uma estratégia mais ampla, do consumo sustentável.
O consumo
sustentável passou a enfatizar ações coletivas e mudanças institucionais para a
introdução de políticas multilaterais de regulação, tanto no tocante à produção
como ao consumo. O meio ambiente deixou de ser relacionado apenas a uma questão
de “como”usamos os recursos, para incluir o “quanto”o usamos (PORTILHO, 2003).
Apesar da evolução na conscientização para os problemas ambientais, pesquisas
de opinião como a Global Environmental
Survey (GOES) concluem que existe um significativo distanciamento entre
a consciência para o problema e as ações a nível individual. Os cidadãos se
mostram verbalmente dispostos a fazer sua parte, mas não percebem a relação de
causalidade entre a conduta individual e o problema a nível global. Apesar de
segmentos importantes das várias populações consultadas acreditarem que o
indivíduo pode fazer a diferença para ajudar o meio ambiente, esperam que os
governos assumam a liderança, através de medidas regulatórias e rigorização da
fiscalização ambiental. Paradoxalmente, tendem a reprovar políticas ambientais que
venham a promover alterações significativas nos seus estilos de vida (ESTER et
al., 2004). A predisposição dos indivíduos para condutas pró-ambiente também
está associada a traços de personalidade, conforme demonstram pesquisas ligadas
à psicologia econômica, como a realizada por Hirsh e Dolermana (2007), cruzando
valores com tipos de personalidade.
Qual seria,
então, a melhor forma de atuação no sentido da redução do consumismo? Tanto a
interpretação de pesquisas como a GOES,
como aquelas de aspectos subjetivos, a exemplo de Hirsh e Dolermana (2007),
parecem corroborar a opinião defendida por Hamilton (2009) de que, mais
eficiente que buscar a conscientização dos consumidores compulsivos através da
apresentação de fatos relativos à degradação ambiental, na esperança de que a
racionalidade prevaleça, é pedir-lhes uma reflexão sobre se seus estilos de
vida, de ênfase no consumo, os fazem realmente felizes. Segundo aquele autor,
em países ricos largas maiorias acreditam na necessidade de uma mudança radical
em suas vidas. Pesquisas da Widmeyer
Research and Polling apontam que nove a cada dez americanos percebem sua
sociedade como muito materialista, de excessiva ênfase nas compras. O apelo
pela “vida rica”, em vez da “vida de rico”, pode ser mais eficaz para a redução
do consumo e à proteção ambiental.
Embora ainda
incipiente, as adesões individuais ao consumo sustentável parece estar em
curso. Segundo Hamilton (2009), nos últimos dez anos cerca de um quinto dos
adultos na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Austrália disseram “sim” quando
perguntados se tinham “reduzido a marcha”, tomando voluntariamente a decisão de
reduzir renda e consumo. Resta saber se a velocidade da mudança será suficiente
para evitar o colapso ambiental.
Ao refletir sobre
essa questão à luz das teorias do consumidor e institucionalista, Sanson (2005)
conclui que o despertar para as questões éticas resultantes da percepção dos
impactos ambientas provocados pelos padrões de consumo podem, em competição com
outras, encontrar espaço na mente humana, levando à alterações na atual ética
antropocêntrica de consumo e vindo efetivamente regular a vida social,
induzindo mudanças nas preferências de consumo. O autor compara a situação
atual e a velocidade das instituições na promoção das mudanças comportamentais
a um carro, dirigido por um motorista míope, rumo a um precipício. A queda, ou
não, dependerá da velocidade no momento da frenagem.
O relatório The Limits of Growth(MEADOWS et al.,
1972) provocou discussão mundial em torno do tema, ao concluir pela necessidade
das nações conterem seus crescimentos sob pena de colapso no sistema econômico
mundial. Passados trinta anos, esse relatório teve suas análises atualizadas
por Turner (2008). O autor obteve conclusões que corroboraram a tese de que o
sistema global está em uma trajetória insustentável, a menos que haja uma
redução substancial e rápida do comportamento de consumo, em combinação com o
progresso tecnológico. Num cenário intermediário, encontrou o colapso da
economia global ainda no século XXI.
As questões
relativas aos RSU – geração, aproveitamento e destinação final – influem
diretamente na questão, pois o consumo consciente pode atenuar os impactos do
crescimento populacional e o reuso, reciclagem, compostagem e recuperação
energética dos resíduos aliviam pressões nas produções industriais e de
alimentos, além de possibilitaar reduções na poluição e extração de recursos
não renováveis. São, portanto, fundamentais para a reversão da atual tendência
de colapso ambiental.
A partir de uma
breve introdução à GRU e sua contextualização no atual cenário brasileiro, a
próxima seção dedica-se ao estudo de políticas, ações e estratégias
implementáveis no país visando a minimização na geração dos RSU.
Políticas de minimização na geração de resíduos sólidos urbanos aplicáveis
ao Brasil
A dificuldade dos
povos mudarem seus padrões de consumo, entre outros fatores, está provocando
impactos ambientais irreversíveis. Basta dizer que nos últimos 40 anos
estima-se que o planeta tenha perdido 30% da sua biodiversidade, com maior
impacto nos países tropicais, onde a perda atingiu 60% da fauna e flora
originais (WWF, 2010). Com relação aos RSU, a amplitude dos impactos pode ser
depreendida a partir dos volumes de geração, associados ao nível de eficácia da
sua gestão e aos malefícios que podem acarretar.
A geração,
impulsionada pelos fatores econômicos e comportamentais discutidos na seção
anterior, também sofre a influência de fatores populacionais, relativos ao
crescimento da população e sua concentração nas áreas urbanas. É ilustrativo o
caso da América Latina e Caribe, onde a proporção da população urbana frente à
rural passou de 68% em 1985 para 76% em 2005. Este movimento, somado ao
crescimento populacional, levou a um aumento de 60% na população urbana da região,
nos vinte anos considerados (AIDIS, 2006).
No período de
1980 a 2005, a quantidade de RSU per
capita aumentou 29% na América do Norte, 35% na OCDE, e 54% na UE15,
acompanhando, de uma forma geral, o produto interno bruto (PIB) dos países
(SJÖSTÖM e ÖSTBLOM, 2010). No Brasil não dispomos de séries históricas
abrangentes e confiáveis relativas a essa geração1, mas publicações
recentes deixam claro o problema: a geração anual evoluiu de 53 milhões de
toneladas em 2008 para 57 milhões em 2009 (7,7%); e avançou para 60,8 milhões
em 2010 (6,8%), num crescimento bastante superior ao populacional e acima do
PIB no período (ABRELPE, 2010 e 2011).
O nível de
eficácia da GRU resulta de um conjunto de interações em cada uma de suas
etapas, constantes da figura 1, com os diversos stakeholders com os quais se relaciona, em cada aspecto:
técnico, ambiental, social, etc. Essas interações ocorrem de forma dinâmica, em
diversas esferas, da individual à internacional, numa atuação combinada com os
outros sistemas urbanos, como transporte, drenagem, água, esgoto, energia e
paisagismo.
Figura 1 – A GRU
Vista de Forma Sistêmica
Fonte: Adaptado de Van de Klundert e Anschiitz
(2000)
A baixa eficácia
da GRU brasileira fica evidenciada na comparação com países desenvolvidos, a
exemplo da Holanda, onde 39% dos resíduos são reciclados, 7% são aproveitados
pela compostagem e outros 42% são utilizados para recuperação energética,
restando apenas a fração de 12% para disposição em aterros sanitários (EPE,
2008). No Brasil 11% dos RSU gerados sequer são coletados. Da parcela coletada,
cerca de 43% são destinados a lixões ou aterros precários (ABRELPE, 2011).
Segundo IBGE (2010) essas disposições inadequadas atingem 73,3% dos municípios
brasileiros. Com relação à reciclagem, segundo CEMPRE (2010) a coleta seletiva
abrange apenas 8% dos municípios e 12% da população brasileira. A nível de
recuperação energética, o País possui treze usinas que aproveitam o biogás
gerado em aterros sanitários ou por reatores anaeróbicos, somando a capacidade
instalada de 70 MW – apenas 0,06% da matriz de energia elétrica brasileira
(MME, 2011).
Entre os
principais malefícios decorrentes das destinações finais inadequadas dos RSU
estão aqueles que afetam a população de entorno dos locais de deposição dos
resíduos sólidos e outros, relativos à saúde humana, poluição ambiental e ao
clima. Decorrentes da localização estão o mau cheiro e a depleção paisagística,
que resultam em redução no bem-estar das pessoas e na desvalorização dos
imóveis de entorno. A saúde humana é impactada pelas doenças transmitidas pelos
micro e macrovetores que proliferam nos lixões; pelos malefícios resultantes da
absorção de metais pesados provenientes do descarte de lixo eletrônico, pilhas,
baterias, lâmpadas fluorescentes, etc; e aquelas decorrentes da poluição do ar,
proveniente de particulados e gases cancerígenos emitidos nas incinerações dos
resíduos; e ainda pela falta de água e alimentos, decorrentes da redução na
capacidade dos recursos naturais em disponibilizar serviços ecossistêmicos. A
atmosfera também é impactada pela concentração de gases provenientes da
decomposição da matéria orgânica presente no lixo, que agravam o aquecimento do
planeta.
A precariedade da
situação atual brasileira relativa aos RSU é resultado da conjunção de diversos
fatores. Limitações de ordem cultural podem ser depreendidas da pesquisa
Instituto Trata Brasil (2009), pela constatação que a maioria da população não
associa as condições de saneamento básico à saúde. Barreiras políticas e
institucionais ficam aparentes quando tomamos o exemplo da Lei 12.305/2010,
cuja lentidão na tramitação – 19 anos – demonstrou a falta de preocupação da
classe política com a questão ambiental e a força obstaculizadora de segmentos
empresariais, que visaram evitar ou postergar dispêndios decorrentes da
institucionalização do princípio do poluidor-pagador. A expansão da reciclagem
esbarra em aspectos ligados ao planejamento dos municípios e aos custos, cerca
de quatro vezes maiores que os demandados pela coleta tradicional (CEMPRE,
2010). A baixa penetração das tecnologias de geração de energia a partir dos
resíduos decorre de fatores como a falta de uma política de viabilização no
Brasil e o baixo nível informacional dos tomadores de decisão sobre
alternativas tecnológicas (ROSA et al., 2003). A incineração encontra a forte
resistência das entidades ambientalistas e das associações de recicladores, as
primeiras pelo receio das conseqüências das emissões gasosas dessas usinas e as
últimas pelo temor de perda de mercado com a incineração de recicláveis (AIDIS,
2006).
As deficiências
atuais da GRU brasileira, conjugada à percepção dos malefícios decorrentes
dessa situação, ensejam a implementação de políticas que atuem em cada
“elemento do sistema” apresentado na Figura 1. As ações relativas à minimização
da geração de RSU estão na base do sistema, e compreendem as ações ligadas à
prevenção, visando a não geração de resíduos; e à redução, nas situações onde a
eliminação completa não for possível. Incluem cada indivíduo, através de
mudanças nos hábitos de consumo e atitudes; e as empresas, pela redução dos
desperdícios com matéria-prima, escolha de materiais para fabricação,
racionalização das embalagens e dos processos industriais, etc. A reversão
desse quadro implica na mudança de valores arraigados, principalmente nas
populações de cultura ocidental, além de sofrer a oposição de interesses
particulares, por contrariar a lógica capitalista.
É consenso que a
minimização ocupa o topo da hierarquia da GRU, mas não vem recebendo a devida
atenção por parte dos planejamentos públicos, que costumam aceitar e projetar o
volume atual de resíduos, “esquecendo” de incluir as ações de minimização.
Entre as possíveis causas para esta situação pode estar a preferência dos
técnicos pelos aspectos mais tangíveis do processo, como coleta, tratamento e
disposição dos resíduos; e a dificuldade no estabelecimento de uma relação
direta entre os resultados e as ações de minimização, pela diversidade de
fatores que atuam na mente do consumidor.
No setor
industrial a minimização está bastante presente, pois sua adoção tende a
reduzir os custos de produção, favorecendo a lucratividade. A mesma reflexão
não se aplica às famílias, por não perceberem facilmente os custos do descarte.
Outros fatores também atuam negativamente, como a tendência das famílias
ficarem cada vez menores – famílias pequenas descartam proporcionalmente mais
resíduos por indivíduo; e maior número de famílias com mais de um imóvel
(COOPER, 1999).
As políticas de
minimização orbitam, de forma simples ou combinada, em três segmentos: comando
e controle (C&C); instrumentos econômicos; e de comunicação. Nos
instrumentos C&C as instâncias reguladoras estabelecem um conjunto de
regras e padrões que devem ser obedecidos pela sociedade, sob pena de incorrer
em penalidades. Por sua vez, os instrumentos econômicos visam a internalização
das externalidades que não seriam normalmente imputadas ao agente poluidor.
Incluem taxas e tarifas, subsídios (subvenções, empréstimos subsidiados,
incentivos fiscais) e licenças de poluição comercializáveis, como os
certificados de redução de emissões. Os instrumentos de comunicação atuam na
conscientização, informação e educação dos agentes poluidores. São exemplos a
educação ambiental, a divulgação de benefícios para as empresas que respeitam o
meio ambiente e os selos ambientais (LUSTOSA et al., 2003).
Importante
iniciativa de C&C, a Council Directive 99/31/EC (abril de 1999), entre
outras resoluções, determinou aos países membros da União Europeia a elaboração
de planos para a redução gradativa dos resíduos biodegradáveis a serem
direcionados aos aterros sanitários (UE, 1999). No Brasil, a Lei 12.305/2010
colocou como objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos a não geração,
redução e estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de
bens e serviços. Na regulamentação desta lei, o Decreto 7.404/2010 atribuiu ao Comitê
Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos a tarefa de propor
medidas que permitam a implementação de instrumentos econômicos e de
comunicação como incentivos fiscais, financeiros e creditícios; pesquisa
científica e tecnológica; e educação ambiental, esta como atribuição do Setor Público
(BRASIL, 2010a e 2010b).
A
operacionalização da Lei 12.305 é facilitada pela possibilidade dos municípios
se associarem entre si ou com a iniciativa privada, conforme disciplinam as
leis 11.079/2004 e 11.107/2005. São muitos os exemplos dessas parcerias em
diversos estados brasileiros, principalmente para a construção de aterros
sanitários de uso compartilhado. A conveniência da escolha entre os tipos de
associação, que vinham sendo discutidas para as obras de saneamento previstas
na Lei 11.445/2007, estão sendo ampliadas para o cumprimento dos prazos
estabelecidos na Lei 12.305 (BRASIL, 2004; 2005; 2007).
Diferentes
instrumentos econômicos podem ser utilizados para a minimização na geração de
resíduos. A cobrança pela disposição em aterros é uma forma indireta de inibir
a geração dos resíduos, pois atua no final do processo (disposição) para gerar
reflexos no seu início (geração). É necessário cuidado na determinação do valor
de cobrança, que deve ser suficientemente alto para estimular as medidas de
redução, mas não ao ponto de induzir à disposição ilegal. As formas dessa cobrança
são bastante variadas, em função da legislação de cada país (CHERMONT; MOTTA,
1996).
Uma forma de
cobrança direta pela geração é a taxação dos sacos de lixo vendidos no varejo,
diferenciada em função das capacidades de acondicionamento. Além de uma
tributação anual fixa por moradia, Zuriche (Suiça) adotou esta cobrança,
proibindo a coleta do lixo que estiver acondicionado em outro tipo de saco
(CAMARGO, 2009). O sobrepreço dos sacos de lixo induz à minimização e gera
receitas para outras iniciativas ligadas à GRU.
Alguns paises
adotam sistemas de cobrança por tipo de descarte, de acordo com o princípio do
poluidor-pagador, a exemplo da Bélgica no programa Waste Charges; Dinamarca, para embalagens plásticas e de papel;
Canadá, sobre material promocional em papel; e Coréia, por classes de produtos,
de acordo com tamanho e potencial de dano ambiental. A tributação sobre a venda
de produtosque utilizam materiais danosos ao meio ambiente incorpora
previamente os custos da coleta e destinação final, incentivando ajustes no
comportamento do fabricante e do consumidor, já que o primeiro tende a repassar
ao segundo os acréscimos resultantes da tributação. Pode-se taxar
simultâneamente a matéria-prima e o produto acabado, acelerando a indução à
mudança no consumo, porém essa aplicação deve ocorrer de forma cuidadosa,
devido aos problemas da dupla tributação (CHERMONT; MOTTA, 1996).
Sjöström e
Östblom (2010) defendem que a introdução de impostos sobre os materiais virgens
pode acelerar o desenvolvimento de tecnologias de prevenção de resíduos para as
empresas e a aplicação de diferenciações na tributação em favor de bens e
serviços pode reduzir a intensidade dos resíduos resultantes do consumo das
famílias.
Programas de
governo tentam reduzir a geração de resíduos, como o britânico Waste Strategy for England 2007, que
pretende alcançar até 2020 uma redução de 45% nos níveis de geração de resíduos
domiciliares,comparativamente aos de 2000 (DEFRA, 2007). O português “Programa
Nacional de Prevenção de Resíduos Urbanos” planeja reduzir a coleta em 50 a 100
quilos de lixo por pessoa/ano, atualmente estimada em 470 kg. Implica em
redução de 17% até 2016. Se nada for feito a expectativa é de que ocorra um
crescimento na ordem de 4% (GARCIA, 2009).
Visando a
sustentabilidade ambiental através da mudança nos padrões de produção e
consumo, os países da América Latina e Caribe deram prosseguimento à
Conferência de Joanesburgo, sendo que na XIV Reunião de Ministros de Meio
Ambiente da região, realizada no Panamá em 2003, no tocante à minimização
apresentaram recomendações para a utilização de instrumentos de comunicação,
tais como o apoio a projetos voltados ao combate da “cultura do desperdício”,
dirigidos a sociedade, englobando questões relativas ao uso racional de recursos
naturais (água, energia e matérias-primas) e redução de resíduos; a inclusão do
tema na educação fundamental, de modo a promover uma mudança cultural nas
gerações futuras; e sua incorporação nas políticas nacionais e regionais, com a
identificação de prioridades para a atuação (PNUMA, 2004).
Apesar do alto
custo do serviço de coleta dos RSU no Brasil, estimado em R$ 7 bilhões no ano
de 2010 – equivalente a R$ 3,71 por habitante/mês – que absorve parcela
significativa dos orçamentos municipais2, muitos municípios
brasileiros sequer cobram pelo serviço (ABRELPE, 2011). Nos municípios onde é
cobrada, a taxa pelo serviço de recolhimento de lixo costuma vir agregada ao
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de peridiocidade anual, fixada
através de critérios genéricos como o tamanho e a qualidade das construções ou
o tamanho das famílias. Essas fórmulas não estimulam a redução na geração de
resíduos, por não apresentarem nexo causal entre o esforço da minimização e o
pagamento pelo serviço.
A falta de recursos
para a GRU, além de estimular a destinação inadequada pela má qualidade na
prestação do serviço, canaliza os esforços institucionais para ações
emergenciais como a eliminação dos lixões, deixando em segundo plano ações
importantes como às de minimização. O atual estágio de desenvolvimento da GRU
brasileira, de políticas voltadas para a melhoria de aspectos primários da
gestão, desincentivam a discussão sobre a aplicação de instrumentos econômicos
como a cobrança direta por peso do lixo recolhido, defendida por Valério et al.
(2008).
É perfeitamente
factível ao Brasil a elaboração de planos de ação para o estímulo ao consumo
consciente e à redução na geração dos resíduos, amplamente utilizados em outros
países, com a adoção de metas e definição de prioridades de atuação,
pensando-se na aplicação de instrumentos econômicos para o estímulo e premiação
às condutas ambientalmente sustentáveis.
O fato das
mudanças culturais se mostrarem lentas e difíceis de dirigir não deve servir de
desestímulo às ações como campanhas educativas apoiadas por legislações e à
implementação de instrumentos econômicos, que possam atuar sobre a consciência
ambiental da população, resultando em consumo consciente e minimização da
geração de resíduos urbanos.
Considerações
Finais
Na medida em que
as conseqüências ambientais dos modelos voltados inteiramente ao crescimento
econômico ficaram progressivamente visíveis, surgiram, principalmente a partir
da década de 1970, preocupações quanto à capacidade do planeta em suportar a
manutenção do bem-estar das gerações futuras, mantida a forma antropocêntrica
atual na relação com os serviços ecossistêmicos.
Este estudo
buscou elementos para a reflexão sobre a atual forma predominante de consumo,
insustentável sob a ótica ambiental, e a significância dos movimentos na
direção contrária, do consumo verde e do consumo sustentável. Embora esteja em
curso um processo de conscientização coletiva sobre a necessidade de uma
mudança significativa nos hábitos de consumo, a velocidade da mudança nas atitudes,
tanto à nível de governos, empresas e pessoas, está muito aquém da necessária.
Apesar da consciência para a questão, poucos a efetivam em suas ações, menos
ainda com a profundidade necessária. Como não há disposição para mudanças
voluntárias, as instituições precisariam estar dispostas a agir
coercitivamente, através da combinação de instrumentos legais, com outros de
natureza econômica e de comunicação.
O consumismo
estimula indiretamente a depleção ambiental ao aumentar desnecessariamente a
extração na natureza dos insumos utilizados nos processos de produção. E
diretamente, ao devolver ao meio ambiente volumes de resíduos em quantidades
superiores às que ocorreriam numa situação de consumo consciente. A conseqüente
redução da capacidade ambiental para a prestação dos serviços ecossistêmicos
vai paulatinamente reduzindo o bem-estar social, pelas doenças, extremos
climáticos, perdas na produção de alimentos, disponibilização de água, etc.
Antes da
preocupação com a destinação correta dos resíduos, visando à redução de efeitos
nocivos da disposição final inadequada, ou o seu desejável reaproveitamento via
reuso, reciclagem, compostagem e recuperação energética, os maiores esforços
deveriam estar nas ações visando a não geração de resíduos.
Este texto elencou
inúmeras alternativas de políticas para esta minimização aplicáveis ao Brasil.
Com a publicação da Lei 12.305 o País alinhou-se na direção das melhores
práticas de GRU, porém a preocupação que se apresenta guarda paralelo com a
questão do consumo: a velocidade das mudanças. No âmbito da minimização seria
muito bem vindo um plano nacional com o estabelecimento de metas de redução na
geração de resíduos, discutidas no seio da sociedade, conjuntamente com o “o
que” e o “como” fazer. À definição da combinação de instrumentos C & C,
econômicos e de comunicação, seguiria sua implementação pelas instituições.
Vasta gama de
melhorias podem ser discutidas e implementadas, desde que a GRU seja percebida
de forma sistêmica e holística. Um bom começo seria a implementação das
recomendações resultantes de PNUMA (2004), por serem de operacionalização
imediata, desde que haja disposição política para tal. Meios de comunicação de
massa podem ser utilizados para campanhas de conscientização da população. Esta
não seria novidade, pois na década de 1970 tivemos a campanha do personagem
Sugismundo e seu slogan “povo desenvolvido é povo limpo”. Entre as muitas ações
viáveis está a capacitação de jovens carentes como agentes ambientais, para
atuarem como multiplicadores em suas comunidades.
O equacionamento
dos problemas relativos aos resíduos é de difícil solução justamente por
guardar relação direta de causa e efeito com as insustentáveis práticas de
consumo, arraigadas na sociedade contemporânea.
Notas
O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou levantamentos relativos
ao saneamento básico brasileiro nos anos de 1974, 1977, 1989, 2000 e 2008,
porém a falta de padrão metodológico impede comparações diretas dos resultados
obtidos (IBGE, 2010).
Mais R$ 12
bilhões para outros serviços como varrição, capina, limpeza e manutenção de
parques e jardins, limpeza de córregos, destinação final, etc.. (ABRELPE, 2011).
(EcoDebate)
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